tem dias
que as lembranças
te acordam cedo
e você não sabe
se esse poço sem fundo
vai te fazer sorrir ou chorar
mas a hora de lembrar
é apenas um risco traçado
no vasto oceano da existência
aquela imensa abóbada estrelada
onde cintilam estrelas
tão distantes
sempre esteve lá
sobre tua cabeça
e no entanto
todos os dias você a ignora
mas alguns pontinhos
na memória da vida
te levam para uma viagem
sem fim sem meio
e sem começo
Jidduks
espiã confessa
diante de tudo
que tenho falado
despido lido escrito
ser porta bandeira
não é uma missão
apenas por ter incorporado
a Mocidade Independente
de Padre Olivácio
em ouro preto
tem mais angu nesse caroço
cabeça nesse prego
não nego
estou metida nessa trama
dos pés aos fios de cabelo
em cada uma das nervuras desse osso
debaixo dos lençóis de cada cama
tem segredos e mistérios
que sendo revelados
deixariam qualquer país em alvoroço
Federika Bezerra
A Porta Bandeira
leia mais no blog
pedra que voa
depois que choveu pedra em São Francisco do Itabapoana no final de 2024, por ficarem sem saber se gelo ou granizo, alguns moradores da localidade do Macuco, resolveram instalar uma comissão popular de inquérito para apurar as causas do acidente.
Sabedores de que o significado da palavra Ita/bapoana é pedra que rola sob o leito do rio, é bem possível que as “pedras” revoltadas com suas condições de viverem submersas podem ter sofrido gigantes mutações e serem transformada em pedras que voam, incentivadas pelas bruxarias e alquimias desenvolvidas por alguns personagens do livro “Itabapoana Pedra Pássaro Poema”.
Federika Bezerra
A Porta Bandeira
leia mais no e-book
KINO3
Minha parceria com Tchello d´Barros começou em Bento
Gonçalves-RS, quando naquela cidade da serra gaúcha era realizado o Congresso
Brasileiro de Poesia. No ano (acredito que em 2010), depois de montarmos na
Fundação Casa das Artes, uma Mostra Internacional de Poesia Visual, no caminho
de volta ao Hotel VinoCap, surgiu a ideia do projeto KINO3 e pensamos incluir
nele outro grande amigo parceiro: Jiddu Saldanha. Em Bento, muitos momentos
inesquecíveis com as Mostras Internacionais de Poesia Visual, as mesas de
bate-papo sobre o assunto e o circuito de Poesia Na Escola.
Com Jiddu, minha parceria começa em 1992, durante a realização
no Rio de Janeiro da Eco-92. Ele estava chegando de sua cidade natal Curitiba e
me foi apresentado por Samaral, que agitava a cena cultural carioca com o
Fanzine: URBANA. Durante a passagem de Jiddu no Rio, acho que ficou marcado na
memória de muitos o Sarau Quarta Capa, que era realizado no Centro Cultural da
Constituição. Com ambos essa parceria continua viva, no Poesia Plural, na
Balbúrdia Poética, na produção dos e-books e em nossos diálogos sobre as
múltiplas linguagens que produzimos da poesia ao audiovisual.
Artur Gomes
in ebook Itabapoana Pedra Pássaro
KINO3
santíssima
trindade
três pessoas discretas
poetas com seus para/belos
não seguemlinha reta
profana arte vos une
não negando o canto
decreto não são santos
pode ser que sejam tantos
como outros por aí
seguindo suas metas
com arco flecha e setas
muitas facas com dois gumes
nas asas dos vagalumes
nos bolsos sacolas mochilas
o fogo da lamparina
crueza da severina
o preço da gasolina
leveza da carolina
na janela do bem-te-vi
Federika Lispector
leia mais no e-book
estamos
sumÍndios
Zhô Bertholini
*
BrazilÍndios
foi-se a era
de belos índios
índios belos
ensinando
forma de viver
na amazônia
hoje
a selva sangra
agro negócio
soja pastos
novos sócios
para o gado
paralelo
*
poética 56
é ela mica bela
a mulher dos sonhos
que me acorda sempre
de um sono atávico
um delírio pleno
uma vertigem calma
na viagem metafórica
dessa noite quântica
em que meus dedos sonham
tua pele clara
tua alma atlântica
esse pássaro raro
que me acende a lâmpada
Artur Gomes
in O Homem Com A Flor Na Boca
Litteralux – 2023
leia mais no blog
https://arturgumes.blogspot.com/
Novo e-Book do poeta Artur Gomes, disponível no Portal Ornitorrincobala, é só clicar e baixar, aproveite para baixar mais dois e-books do autor, disponível em sua página de Download do nosso portal:
Artur Gomes, poeta premiado. Aclamado como um dos maiores declamadores do Brasil. Seu novo e-Book "Itabapoana pedra pássaro poema, já está disponível gratuitamente na plataforma do Portal Ornitorrincobala. Corre lá, é seu!
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Incontinência Verbal
eles tentaram
além de nos calar/apagar
um espaço/tempo
do país onde nascemos
viemos dos
40 50 60 70 80 90 2000
o que vivemos
o que fizemos
o que fazemos
onde estamos
o que faremos
pra onde iremos
o que sabemos
incomoda/desconforta
conhecimento liberta
é porta aberta
e não um vão estreito
em cada porta
Artur Gomes
in Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim
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https://fulinaimacentrodearte.blogspot.com/
*
1º de Abril
telefonaram-me
avisando-me
que vinhas
na noite
uma estrela
ainda brigava
contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam
homens indefesos
esperei-te 20 anos
até hoje não vieste
à minha porta
Artur Gomes
in Suor & Cio – 1984
Publicado pela primeira vez no livro Suor & Cio 1984/1985 – 20 anos depois do Golpe de 1964 – esse poema está gravado no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia, publicado também na antologia pessoal Pátria A(r)mada 2019 e 2022, já esteve exposto em diversas Mostras de Poesia Visual, Brasil afora, está presente em fanzines na seção de arquivos da Biblioteca Nacional e é um dos meus poemas selecionados para o livro Balbúrdia PoÉtica Livro e Manifesto.
Leia mais no blog
Pátria A(r)mada
https://arturfulinaima.blogspot.com/
A Poesia Liberada de Artur Gomes
por Uilcon Pereira
há uma passagem, em Auto do Frade, de João Cabral que me
chamou a atenção:
"- Fazem-no calar porque, certo,
sua fala traz grande perigo.
- Dizem que ele é perigoso mesmo
falando em frutas, passarinhos".
Vislumbro aí uma espécie de definição do alto poder
transgressor da poesia, do poeta, da arte em geral: deixar fluir uma energia de
protesto e indignação, crítica e iluminação da existência, qualquer que seja o
pretexto ou ponto de partida.
Por exemplo -: Suor & Cio, novo poemário de Artur
Gomes. Na sua primeira parte (Tecidos sobre a Terra), lemos um testemunho
direto sobre as misérias e sofrimentos na região de Campos dos Goytacazes,
interior fluminense. Não se canta amorosamente as lavouras de cana e grandes
usinas, os aceiros e céus de anil. Ao contrário. Ouvimos uma fala que "traz
grande perigo", e fetivamente, ao denunciar - com aspereza e às vezes
até com extremo rancor - a situação histórico-social, bruta e feroz, selvagem e
primitiva, da exploração do homem no contexto do latifúndio e da monocultura.
"usina mói a cana
o caldo e o bagaço.
usina mói o braço
a carne o osso".
Mas esta poesia dura, cortante e aguda, mantém igualmente a
sua força de transgressão - continua revolucionária e perigosa - mesmo quando
tematiza (principalmente em Tecidos sobre a Pele, segunda parte do livro) as
frutas, ou prazer sexual, os seios, o mar, os impulsos eróticos. Por detrás dos
elementos bucólicos e parasidiacos (só na aparência, bem entendido), eis que
explode o censurado o reprimido, o que não tem de vergonha nem nunca terá:
"arando o vale das coxas
com o caule da minha espada
no pomar das tuas pernas
eu planto a língua molhada".
Por isso, frequentemente os poemas se debruçam sobre o próprio
ofício do poeta, e sobre o próprio sentido do fazer artístico. Ofício de
artista, experiência de poeta: presença do risco e da violação das normas
injustas: carnavalizando, desbundando a troup-sex, infernizando o céu e
santificando a boca do inferno, denunciando o rufo dos chicotes, opondo-se aos
donos da vida que controlam o saldo, o lucro e o tesão.
Os versos de Artur Gomes querem ser lidos, declamados,
afixados em cartazes, desenhados em camisas. E vieram para ficar nas memórias e
bibliotecas da nossa gente, apesar do suor e do cio, graças ao suor e ao cio:
"com um prazer de fera
e um punhal de amante".
Uilcon Pereira
são paulo, julho 85
Isso é um poema ou uma navalha?
Difícil a pessoa passar pela vida sem cometer poesia. Aquela paixãozinha, aquele namorico desfeito, aquela dor de cotovelo deixam a gente desamparado. E como psicanalista está caro e nem sempre fica bem buscar o consolo da mamãe, a gente corre depressa pro colo quente da poesia, fazendo uns versinhos que não conseguem ultrapassar os estreitos limites do eu apaixonado, do eu angustiado, do eu ferido. Para a maioria das pessoas, poesia é coisa que dá e passa, principalmente na adolescência. Raros são aqueles que conseguem romper o exíguo círculo traçado em redor de si para entrar no terreno da verdadeira poesia. A quase totalidade das pessoas que faz “poesia” julga que ser poeta é fácil. Um pouquinho de sentimento, uma frase iniciada com letra maiúscula, outras frases colocadas abaixo da primeira e ponto final. Pronto. Fiz um poema. Poeta que é poeta saque que fazer poesia não é mole mas consegue escrever um poema até quando a inspiração está efervescente no intestino e “não quer sair”. Preste só atenção em Drummond .
“Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira”.
Eis aí o Estado de Poesia, comoção lírica todos nós temos pelo menos uma vezinha na vida. Transformá-los em verdadeiros poemas é que são elas. Artur Gomes começou, como todo mundo, fazendo seus versinhos, mas desde o início, revelou um pendor incomum. A poesia para ele , era compromisso e não diletantismo ou fuga. Bem cedo, suas antenas sensíveis perceberam as misérias do mundo, particularmente as do em que ele vive, o terceiro. Sem armas brancas ou de fogo, impossibilitado de se transformar em guerrilheiro, ele fez da poesia, uma arma que cada dia afia mais.
Terceiro mundista, brasileiro e malandro, ele não quis saber de espada, cimitarra, alfanjes, floretes, sabres e alabardes para travar suas lutas. Em vez, preferiu a navalha que corta frio e fino, sem que a gente perceba, até o sangue começar a escorrer. E sua marca não sai mais. Os poemas de Artur Gomes cortam feito navalha e deixam uma cicatriz indelével que nem plástica remove. Implacável e habilidoso no manejo da sua arma , ele arremete contra os fabricantes de injustiças. Sua poesia revela preocupações sociais, políticas e ecológicas, não poupando os mitos forjados pela história. Além de contestador, iconoclasta.
Não se pense, porém que Artur Gomes vive mergulhado em profunda amargura. Ele sabe cantar também os prazeres do amor, do erotismo, a luxúria do ambiente tropical e o goso pela vida. Sua poesia é também resistência à desfiguração cultural do nosso país. Nem se pense também que a poesia em suas mãos, se reduz a um instrumento de protesto. Conquanto crítico e preocupado com o social, o político, e o ecológico, Artur Gomes demonstra também uma grande preocupação com questões técnicas. Artista, ele também é artesão. Trabalha seus poemas à exaustão, procura explorar as possiblidades da palavra e o suporte físico da página. Faz experiências no campo do concretismo, construindo poemas com palavras decompostas que só podem ser inteiramente compreendidas visualmente: a pá lavra; re-par-tiu-se. Eis dois exemplos. Mas é fundamentalmente para o ouvido que se destinam os seus poemas. O espaço em que faz zunir e reluzir a sua navalha é sonoro e musical. O tempo passa e os poemas de Artur Gomes tornam-se cada vez mais musicais e ritmados.
Outro traço que se acentua na evolução do seu trabalho: a concisão. A cada livro publicado, nos deparamos com um poeta sempre mais econômico. Na linha de um Oswald de Andrade e de José Paulo Paes, ele escreve poemas curtos, enxutos, incisivos, que ferem como o diabo. Não rompe com a rima e com a métrica, mas não se deixa aprisionar por elas. Ambas estão presentes o tempo todo em seu trabalho sem que se possa garantir que não sejam ocasionais. A rima, por exemplo quando rompe, traz um efeito inusitado. Tanque rima com ianque, parque rima com dark. E aqui há outro aspecto digno de registro: Artur Gomes incorpora as novidades, mas nunca fica deslumbrado com elas. É moderno muitas vezes experimentalista, mas respeita a tradição. Não sei de suas leituras, mas deve tomar bênção aos clássicos. Não rompe com a métrica, com a rima e com a estrutura do poema, mas não cai na poesia convencional. É agressivo, mas não perde nunca de vista o sentido maior da poesia. Isso não quer dizer, em contrapartida, faça arte pela arte, mas muito menos significa que se deixa envolver nas facilidades da poesia de protesto feita sob encomenda.
O poeta está aí, inquieto, equilibrando-se na corda bamba. Pode começar a ler os seus poemas, leitor. Agora se você faz parte daquele grupo de pessoas que tiram partido da miséria e destruição, tome cuidado com Couro Cru & Carne Viva. Os poemas navalha de Artur Gomes certamente não terão piedade de você.
Aristides Arthur Soffiati
Campos, agosto de 1987
DA CARNE DA PALAVRA
Tanussi
Cardoso, poeta
Ator, produtor, videomaker e agitador cultural, o poeta Artur
Gomes tem assinatura própria. SagaraNAgens Fulinaímicas, seu mais novo livro,
repleto de citações a partir do título, é a prova generosa do que afirmo: um
inventário da pulsação de sua escritura, uma das mais iluminadas, entre os
remanescentes da geração que se inicia nos anos 60-70.
Mesmo mirando certa desconstrução narrativa, o autor semeia as
raízes culturais, germinadas naquelas décadas, que desabrocharam como furacão
em nossa arte, principalmente vindas da canção popular, com sua palavra
cantada, da poesia marginal, da Tropicália, do Concretismo, do poema-postal, da
poesia visual, do cinema e, mesmo, dos quadrinhos.
Todo esse caldeirão cultural, todas essas referências e
linguagens eram (são) muito próximas: Caetano, Gil, Torquato, Glauber,
Leminski, Waly, Gullar, Hilda Hilst... E é desse quadro geracional (e bem lá
atrás, Drummond, Murilo Mendes, Bandeira, Cabral, Quintana, Mário, Oswald e
Guimarães Rosa - e principalmente -, a trilogia dos malditos: Rimbaud,
Baudelaire e Mallarmé, além dos ecos do mestre beat, Allen Ginsberg), é desse
manancial criativo que o poeta consegue desarmar o que nele se encontra envolto,
de forma atávica, e reafirmar seus próprios tempo e potência, com o refinamento
de sua fala.
Ao unir todo artefato onde exista possibilidade de poesia,
Artur Gomes habita o lugar entre a palavra e a imagem, ao experimentar os
sentidos que lhe chegam, sugando os afluentes existentes nas estruturas
tradicionais de nossas artes, e reescrevendo-os a seu bel-prazer, num mix de
nostalgia e futuro.
“visto uma vaca triste como a tua cara:
estrela cão gatilho morro
a poesia é o salto de uma vara”
De forma particular, o autor parece nos indicar algo que se
confunde com transgressão, mas, ao mesmo tempo, mantém a linha tênue da poesia
clássica, ao flertar com um romantismo de tintas fortes, e tocando, igualmente,
o surrealismo, com uma violência verbal, que cheira à flor e à brutalidade.
Cada poema possui sua própria respiração, pausa e pontuação emocionais. Quem
não gostar de sangrar e ir fundo no mais recôndito dos prazeres é melhor não
prosseguir na leitura, mas quem tiver coragem de encarar a vida de frente e se
deliciar com versos saborosos e extremamente imagéticos, entre no mundo do
poeta, de imediato, e sentirá a alegria de descobrir uma poesia a que não se
pode ficar indiferente.
“a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica”
Ainda que não pretenda novas experiências formais, o autor
consegue alcançar perspectivas ousadas e radicais, em vários enquadramentos
linguísticos, sempre disponíveis para o espanto, já que quando falamos de
poesia, tocamos em lados inexatos, onde qualquer inversão de objetividade, e da
própria realidade, é sempre bem-vinda. Sua poesia tem muito da desordem, da
inobservância de regras, do não sentido, e apresenta um discurso contrário a
certo pensamento lógico, fazendo surgir nas páginas do livro, algumas impurezas
saudáveis.
“te procurei na Ipiranga
não te encontrei na Tiradentes
nas tuas tralhas tuas trilhas
nos trilhos tortos do Brás
fotografei os destroços
na íris do satanás”
SagaraNAgens Fulinaímicas nos apresenta uma peça de tom quase
operístico e, paradoxalmente, para um só personagem: o Amor. E o desenho
poético dessa montagem pressupõe uma grande carga lírica, alegórica e, tantas
vezes, dramática, ao retratar o som universal da Paixão, perseguindo a imagem
ideal dos limites do desejo. Seus versos são movidos por esse sentimento
dionisíaco, e por tudo que é excesso, por tudo que é muito, como na música de
Caetano.
“te amo
e amor não tem nome
pele ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos”
E indaga e responde:
“até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria”
Em seu texto, há uma espécie de dança frenética, onde
interagem os quatro elementos do Universo – Terra, Água, Fogo e Ar – numa
feitiçaria cósmica em contínuo transe mediúnico. Poesia que é seta certeira no
coração dos caretas e dos conformados, ao apontar para as possíveis descobertas
inesperadas da linguagem, inebriada pela vida, pelo cantar amoroso, pelo
encontro dos corpos.
“e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa”
Dono de uma sonoridade vocabular repleta de aliterações e
assonâncias, que remetem à intensa oralidade e à pulsão musical, refletindo no
leitor o desejo de ler os poemas em voz alta, o poeta brinca com as palavras,
cria neologismos, utiliza-se de colagens originais, e soma ao seu vasto arsenal
de recursos, o uso das antíteses, dos paradoxos, das metonímias, das metáforas,
dos pleonasmos e, principalmente, das hipérboles, através de poemas de
impactante beleza. Esse jogo vocabular, que a tudo harmoniza, transforma a
dinâmica do verso, dá agilidade, tensão e ritmo envolventes a uma poesia
elétrica e eletrizante. Um bloco de tesão carnavalizante e tropical - atrás de
Artur Gomes só não vai quem não o leu.
“quero dizer que ainda é cedo
ainda tenho um samba/enredo
tudo em nós é carnaval”
De forma lúdica e irônica, reconstrói, ou reverte, as
intenções de Guimarães Rosa, quando Sagarana se mistura à ideia de paisagens e
ao sentido de sacanagens; e às de Mario de Andrade - onde Macunaíma reparte seu
teor catártico em poéticas folias, ou em fulias de imagens, ou seja, em
fulinaímicas poesias, banhadas de caos e humor.
“é língua suja e grossa
visceral ilesa
pra lamber tudo que possa
vomitar na mesa
e me livrar da míngua
desta língua portuguesa”
Ao seguir de perto o conceito metafórico do processo crítico e
cultural da Antropofagia, o artista ratifica seus valores, com sua língua
literária, e reafirma o ato de não se deixar curvar diante de certa poesia
catequisada pela mesmice e pelo lugar comum, distanciando-se da homogeneidade
de certo academicismo impotente e de certos parâmetros poéticos com que já nos
acostumamos. De acordo com o próprio autor, revelado em uma entrevista,
SagaraNAgens Fulinaímicas é um pedido de bênção a seus Mestres, imbuído do teor
catártico que sua poesia contém, como o fragmento do poema que abre o livro:
“guima meu mestre guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste”
E afirma:
“só curto a palavra viva
odeio essa língua morta
poema que presta é linguagem
pratico a SagaraNAgem
no centro da rua torta”
No livro, os poemas se interpenetram, linguisticamente,
libidinosos, doces e cruéis, vampiros de imagens ferrenhas, num aparente jogo
de representação, onde o rosto do poeta se mostra e se esconde, de acordo com a
mutação e o reflexo de seus espelhos interiores. Seus textos ora afirmam, ora
desmentem o já dito, a nos lembrar um de seus ídolos, Raul Seixas, e a sua
metamorfose ambulante. Sentimentos contraditórios, como se o autor quisesse,
propositalmente, escorregar segredos pelos nossos olhos, ambiguamente, rindo de
nós, a nos instigar: “Desnudem a minha esfinge!”
“eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta”
Na verdade, sua poesia apresenta vários (re) cortes, várias
direções, vários abismos e formas de olhar a vida e o mundo. Como se o
verdadeiro Artur se dissolvesse em outros, a cada poema, e essa dissipação o
transformasse em alguém improvável, impalpável. Errante. Artur Gomes, ele
mesmo, são muitos. E todos nós. Afinal, “o poeta é um fingidor”, ou não?
“a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta
juro que não sou poeta”
Tantas vezes escatológico e sensual, numa performance textual
que parece uma metralhadora giratória, o seu imaginário poético explode em
tatuagens, navalhas, sangue, cicatrizes, punhais, facas, cuspe, pus, línguas,
dedos, dentes, unhas, seios, paus, porra, carne, flores e lençóis, como um
paraíso construído num inferno, e toca o nosso céu interior, nas ondas de um
mar verde escondido em nosso peito. Na nossa melhor alma.
Sem falsos pudores, o autor procura, em seu liquidificador de
palavras, misturar o erótico, o profano e o sagrado, com cortes de cinismo e
grande dose de humana solidariedade. Equilibrista na corda-bamba, sem rede de
proteção, entre razão e delírio, instiga dualidades com seus versos de alta
voltagem poética. Com linguagem rebuscada, seu trabalho ultrapassa os limites
das páginas do livro, e reverbera como tambor, mesmo após o término de sua
leitura.
“a carne da palavra
: POESIA
l a v r a q u e s o l e t r o
todo Dia”
A poesia de cunho social é, igualmente, referência obrigatória
em seu trabalho, desde o início de sua carreira literária, marcadamente, em
Jesus Cristo Cortador de Cana, de 1979, mas, principalmente, no memorável e
premiado O Boi Pintadinho, de 1980. Esses poemas político-sociais, junto ao
tema amoroso, também encontramos em outras obras importantes do poeta, como
Suor & Cio, de 1985, Couro Cru & Carne Viva, de 1987 e 20 Poemas com
Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção com Sabor de Campos, de 1990,
BraziLirica Pereira: A Traição da Metáforas, de 2000, e se inserem em todos os
seus livros posteriores, que culminam agora em SagaraNAgens Fulinaímicas.
Em suas viagens imemoriais, o poeta mistura São Paulo,
Copacabana, Búzios, calçadas, origem, chão, mares, cactos, sertão, onde tudo
sangra de maneira violentamente bela e sem volta. Só a língua a ser
reconstruída em poesia.
“ando por são Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara”
Artur Gomes sabe que ao escritor cabe proporcionar beleza e
prazer. Entende que a poesia existe para expressar a condição humana, tocar o
coração e a emoção do outro, e dar oportunidade para que seu interlocutor tenha
chances de conhecer-se mais e melhor. E que só há um meio de o poeta conseguir
seu intento: cuidar e aperfeiçoar a linguagem. Sempre coerente, Artur Gomes
sublinha o essencial de seu pensamento, ratificando em seu trabalho que as duas
maiores palavras da nossa língua são amor e liberdade.
“a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala”
SagaraNAgens Fulinaímicas veio confirmar o que os leitores do
poeta já sabiam: Artur Gomes é um artista instigante, um cantador que desafia
rótulos. No seu fazer poético, há um desfocar proposital da realidade, onírico
e cinematográfico, que mergulha em constantes vulcões, em permanente ebulição –
um texto em contínuo movimento. Sua poesia metalinguística, plástica, furiosa,
delicada, passional, corporal, sexual, desbocada, invasiva, libertária,
corrosiva, visceral, abusada, dissonante, épica é, antes de tudo, a poesia do
livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro,
uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de
palavras.
A Traição do Lirismo
Dalila
Teles Veras
Artur Gomes, feito gume, é máquina devoradora do mundo.
Mastiga coisas, afetos, pessoas, rumina e afia os elementos
em sua navalha verbal e os transforma na mais pura poesia.
Dono de uma criatividade em permanente ebulição, hábil no
verbo
e na disposição visual do mesmo no espaço do suporte - papel
ou pano - bandeira a gotejar palavra que, não raro, é também palco e gesto,
(in)cenação a complementar e enriquecer o que a palavra muda já disse, a dizer
outra coisa que é também a mesma coisa: poesia.
Poeta em tempo integral, como poucos ousaram ser, Artur Gomes
constrói, sem pressa (os anos não parecem pesar - na carne nem no espírito) a
sua delirante e criativa poesia, colagem da colagem da colagem, (re)encarnação
mais do que perfeita da antropofagia como nem mesmo o velho Serafim sonhou.
Nada, absolutamente nada escapa à sua devastadora e permanente passagem,
andarilho de poderosa voz a evangelizar para a poesia.
Este Brazilírica Pereira: A Traição das Metáforas é a
continuação
de um enredo de há muito ensaiado. Seus atrevidos personagens
já apareciam em Vinte Poemas com Gosto de JardiNÓpolis &
Uma Canção com Sabor de Campos. Legítimas apropriações retiradas de suas
viagens brazílicas, figuras que a sua generosidade literária
faz questão de homenagear.
Na passarela poética de Artur, tanto podem desfilar Mallarmé,
Faustino, Dalí, Oswald, Baudelaire, Drummond, Pound, Ana Cristina César e o
sempre lembrado mestre Uilcon Pereira, a quem o novo livro é dedicado, como
personagens anônimos encontrados nas quebradas do mundaréu, além dos amigos,
objeto constante de sua poesia. Neste caldeirão, “olho gótico TVendo”, entra
até um despudorado acróstico, rimas milionárias em permanente celebração.
O poeta Artur, disfarçado de concreto,
celebra descaradamente a amizade e o lirismo
e ri-se de quem tenta classificá-lo. Evoé, Artur!
feitiçarias de Artur Gomes -
por
Michèle Sato
Difícil iniciar um prefácio para abordar feitiçarias de um
grande mestre. A mágica aparição do texto transborda sentidos cósmicos, como se
um feixe de luz penetrasse em um túnel escuro dando-lhe o sorver da vida.
Diariamente, recebo um deserto imenso de poemas e a leitura se esvai com
“batatinha quando nasce põe a mão no coração”. Um ou outro me chama a atenção,
desde que sou do chamado “mundo das ciências” e leio poemas com coração, mas
inevitavelmente aguçado pelo olhar crítico vindo do cérebro.
A academia pode ser engessada, mas é, sobremaneira, exigente.
Aplaude o inédito, reconhecendo que o poema é um caos antes de ser
exteriorizado, mas harmônico, quando enfeitiçado. A leitura requer algo como
canto do vento, que não seja fugaz, mas que acaricie no assopro da Terra. Por
isso, é com satisfação que inicio este pequeno texto, sem nenhuma pretensão de
esgotar o talento do grande mestre, mas responder aos poemas de Artur que
brilham, soltam faíscas, incendeiam-se em erotismo e garras enigmáticas. Ele
transcende regras, inventa palavras, enlouquece verbos. E as relações
estabelecidas revelam a desordem dos sonhos na concretude harmônica de suas
palavras.
A aventura erótica não se despede de seu olhar político.
Situado fenomenologicamente no mundo, e transverso nele, Artur profana o
sagrado com suas invenções transgressoras. Reinventa a magia e decreta uma nova
vida para que o mundo não seja habitado somente pelos imbecis. Dança no
universo, com a palavra fluída, imprevistos pitorescos, mordidas e grunhidos.
Reaparece no meio de um cacto espinhoso, mas é absurdamente capaz de ofertar a
beleza da flor. Contemporâneo e primitivo se aliam, vencem os abismos como se
ao comerem as palavras monótonas, pudessem renascer por meio da antropofagia
infinita de barulhos e silêncios. O sangue coagulado jorra, as cavernas se
dissolvem e é provável que poucos compreendam a beleza que daí se origina.
Nos labirintos de suas palavras, resplandece o guerreiro
devorador, embriagado, quase descendo ao seu próprio inferno. Emana seu fogo,
na ardência de sexo e simultaneamente na carícia do amor. Pedras frias se
aquecem, coram com o tom devasso que colore a mais bela das pornofonias.
Marquês de Sade sente inveja por não ser o único déspota das palavras sensuais.
E os poemas de Artur reflorescem, exalam odor como desejos secretos e risos que
ecoam no infinito.
não fosse essa alga queimando em tua coxa ou se fosse e já
soubesse mar o nome do teu macho o amor em ti consumiria (jura secreta 5)
De repente um cavalo selvagem cavalga na relva úmida, como se
o orvalho da manhã pudesse revelar o fogo roubado das pinturas rupestres. Ao
som de tambores, suas palavras se tornam arte em si, como se fossem desenhos
projetados em um fantástico mundo vertiginoso. Seres encantados surgem das
águas originários de sentimento, abraçadas nas pedras lisas, rugosas,
esverdeadas da terra. O fogo dança em vulcões e a metamorfose é percebida em
seus ares. Os elementos se definem como bestas, humanos, ou segmentos da natureza
como uma orquestra sinfônica que vai além da sonoridade. Adentram sentidos
polissêmicos e, neste momento, até o André Breton percebe o significado das
palavras de Artur, pois a beleza é convulsiva e crava no peito feito cicatriz.
e o que não soubesse do que foi escrito está cravado em nós
como cicatriz no corte (jura secreta 10)
Da violação do limite, do fruto proibido ou da linguagem
erótica, os poemas de Artur são orgasmos literários que oscilam entre o sacro e
o profano. Sua cultura, visão de mundo e inteligência possibilitam ir além da
pura emoção sentimental, evocando a liberdade para que a terra asfixiada grite
pela esperança. Artur comunga com outros seres a solidariedade da Terra, ainda
que por vezes, seja devastador em denunciar disparidades, mas é habilidoso em
anunciar acalentos. A palavra poética desfruta fronteiras, e Roland Barthes
diria que a história de Artur é o seu tributo apaixonado que ele presta ao
mundo para com ele se conciliar. Em sua linguagem explosiva, provavelmente está
a intensidade de sua paixão - um amor perverso o suficiente para viciar em suas
palavras, mas delicado o bastante para dar gênese ao mundo enfeitiçado pela
habilidade de sua linguagem.
A essência deste perfume parece estar refletida num espelho,
pois se as linguagens podem incluir também o silêncio, as palavras de Artur
soam como uma melodia. Projetada numa tela, a pintura erótica torna-se sublime
e para além de escrevê-las, ele vive suas linguagens. Esta talvez seja a
diferença de Artur com tantos outros poetas: a sua capacidade de transcender a
tradição medíocre para viver um intenso de mistério de sua poética. Ele não
duvida de suas palavras, nem as censura para não quebrar seu encanto, mas
devora em seu ser na imaginação e no poder de sua criação. Criador e criatura
se misturam, zombam da vida, gargalham da obviedade. Põem-se em movimento na
dança estrelas que iluminam a palavra.
Os fragmentos poéticos são misteriosos de propósito, uma
cortina mal fechada assinala que o palco pode ser visto, porém não em sua
totalidade. Disso resulta a sedução para que ele continue escrevendo, numa
manifestação enigmática do poder surrealista em nos alertar sobre nossas
incompletudes fenomenológicas. O imperfeito é o sentido da fascinação, diria
Barthes em seus fragmentos de um discurso amoroso. E a poética de Artur não
representa ressurreição, nem logro, senão nossos desejos. O prazer do texto pode
revelar o prazer do autor, mas não necessariamente do leitor. Mas Artur
lança-se nesta dialética do desejo, permitindo um jogo sensual que o espaço
seja dado e que a oportunidade do prazer seja saciada como se fosse um
"kama sutra poético" para além do prazer corporal. Esta duplicidade
semiológica pode ser compreendida como subversiva da gramática engessada - o
que, em realidade, torna seus textos mais brilhantes. Não pela destruição da
erudição, mas pela abertura da fenda, para que a fruição da linguagem seja
bandeira cultural da liberdade.
E a sua liberdade projeta-se num horizonte onde a dimensão
sócio-ambiental é freqüentemente presente. É uma poesia universal de
representações urbanas e rurais, de flora, fauna e fontes de praças públicas.
Desacralizando o “normal previsível”, borda em sua costura de mosaicos,
esquinas e passaredos.
eu sei de gente e de bichos ambos atolados no lixo tem gente
que come bicho tem bicho que come gente tem gente que vive no lixo tem lixo que
mora no bicho gente que sabe que é bicho e bicho que pensa ser gente (jura
secreta 28)
A poética das Juras Secretas opõem-se a instância pretérita
numa espiral de presente com futuro. Metafisicamente, desliga-se do momento
agonizante e os olhos do poeta não se cansam, ainda que a paisagem queira
cansá-los. Seu toque lembra o neoconcretismo, por vezes, cuja aparição na
semana da arte moderna mexeu com os mais tradicionais versos da literatura
ordinária. Mas sua temporalidade vence Chronos, na denúncia de um calendário
tirano ao anúncio de Kairós, também senhor do tempo, mas que media pelos ritmos
do coração.
20 horas 20 noites 20 anos 20 dias até quando esperaria... até
quando alguém percebesse que mesmo matando o amor o amor não morreria. (jura
secreta 51)
É óbvio que a materialidade da linguagem, sua prosódia e seu
léxico se mantêm no texto. Mas foge das estruturas engessadas do arrombo
repetitivo, florescendo em neologismos verossímeis e ritmos cardíacos. Amiúde,
são palavras jorradas em potente cultura significante. No chão dialogante, este
poeta desestabiliza a normalidade com suas criações.
por que te amo e amor não tem pele nome ou sobrenome não
adianta chamar que ele não vem quando se quer porque tem seus próprios códigos
e segredos mas não tenha medo pode sangrar pode doer e ferir fundo mas é razão
de estar no mundo nem que seja por segundo por um beijo mesmo breve por que te
amo no sol no sal no mar na neve. (jura secreta 34)
ARTUR GOMES é, para mim, um grande relato de
seu próprio devir, que sabe poetizar a partir de seu vivido. E por isso,
enfeitiça.
Michèle Sato – Bióloga, pesquisadora
na Universaidade Federal do Mato Grosso do Sul.
*
Juras secretas de um trovador contemporâneo
“Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.
Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli
Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade
interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras secretas,
décimo terceiro livro do poeta Artur Gomes. Não que haja intertextualidade
explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma
das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.
Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um
Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante,
por exemplo, em Couro Cru & Carne Viva (1987). Em Juras secretas,
o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras”
que preenchem o miolo do livro.
Jura secreta 45
por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e minha língua fosse
só furor dos Canibais
E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de
muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras
artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do
poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga.
Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de
um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências.
Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e
imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e
funcional.
Jura secreta 13
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
olhando em nós flechas de fogo se existisse
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição
da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos
como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e
nas imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em
voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do
carro, trem ou metrô; a poesia de Juras secretas oferece viagens estéticas aos
que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.
Jura secreta 43
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
Adriano Carlos Moura
Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf).
Professor de Literatura do IFF –
Atualmente faz doutorado na Universidade Federal de Juiz de Fora-MG
*
Juras secretas em alta voltagem
Por Krishnamurti Góes dos Anjos
Poeta maldito é termo utilizado para referir poetas que constroem uma obra “rebelde” mesmo em face do que é aceito pela sociedade, considerada como meio alienante e que aprisiona os indivíduos nas suas normas e regras. Rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, geralmente, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída.
A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características dos poetas malditos. Filiam-se a essa tradição nomes (com as variantes óbvias de estilo e época) como os de Gregório de Mattos, Augusto dos Anjos, Paulo Leminski, Álvares de Azevedo, Jorge Mautner, Waly Salomão dentre outros, sem falar no trio mais conhecido mundialmente da “parafernália” poética: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural que é Artur Gomes acaba de lançar “Juras secretas”, reunião de 100 poemas a maior parte deles sobejando a temática do amor visto na perspectiva de paixão avassaladora. Mas há também, aqui e ali a presença, sempre em perspectiva ousada e radical, de poemas que vão do doce e suave sentido do amor, ao cruel, do libidinoso, à poesia de cunho social sempre expressando indignação, desobediência e transgressão. Com efeito o homem é uma metralhadora giratória a espalhar e espelhar aquilo, que nos vai por dentro e que guardamos em “segredo” de estado. Com a palavra o poeta:
Jura de número 34
porque te amo / e amor não tem pele / nome ou sobrenome / não adianta chamar / que ele não vem / quando se quer / porque tem seus próprios códigos / e segredos/mas não tenha medo / pode sangrar pode doer / e ferir fundo / mas é a razão de estar no mundo / nem que seja por segundo / por um beijo mesmo breve / por que te amo / no sol no sal no mar na neve
Jura 63
não sei se escrevo tanto / não sei se escrevo tenso / um fio elétrico suspenso / com tanta coisa no Ar / não sei se olho em teu olho / para encontrar a entrada / da porta da tua casa / onde a palavra estiver / não sei se pinto um Van Gogh / ou escrevo um Baudelaire
Jura 69
há muito tempo / não morro mais aqui / minha cidade é desbotada / há muito perdeu o brilho / na minha voracidade o sol é claro / e a arte que preparo / é o tiro que disparo / é a arma que engatilho.
Jura 70
meto meus dedos cínicos / no teu corpo em fossa / proclamando o que ainda possa / vir a ser surpresa / porque meu amor não tem essa / de cumer na mesa / é caçador e caça mastigando na floresta / todo tesão que resta desta desta pátria indefesa / ponho meus dedos cínicos / sobre tuas costas / vou lambendo bostas / destas botas neo burguesas / porque meu amor não tem essa / de vir a ser surpresa / é língua suja e grossa / visceral ilesa / pra lamber tudo que possa / vomitar na mesa / e me livrar da míngua / desta língua portuguesa.
Com efeito, forçoso concordar com Tanussi Cardoso, em Posfácio ao livro, que a poesia de Artur Gomes é “uma poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras”.
Confissões
dionisíacas na poética e política de Artur Gomes
Depois das excitadas e
excitantes Juras secretas, de 2018, o poeta e artista multimídia
Artur Gomes volta a tornar pública sua jura de amor e fidelidade ao arcaico
deus Dionísio em O poeta enquanto coisa, de 2019,
incorporando as ébrias forças de Baco sob novos goles e ritos, tão poéticos
quanto políticos, numa contemporaneidade que avança em lama e vertigem e,
assim, exige a potência do mítico da palavra corpórea e originária. Comparece
ao ethos deste livro a mesma embriaguez fulinaímica de
sempre: a que toma, mediante o delírio atento frente aos passos obtusos do ser
e estar das gentes, cada palavra como taça, vinho tinto e uma tinta capaz de,
em contrapartida, rogar lúcida a passagem dilacerada do humano pelas páginas
turvas do mundo. Que, em prefácio, ressoe agora-aqui a face mesma de
assonâncias de Artur. Que em pré-faces (a da melopeia, a
da fanopeia, a da logopeia) o
poeta se apresente, por assim dizer, multifacetado, contaminando-nos com os
tempos de seu ritmo venéreo. Que se capte, enfim, o próprio escape das imagens
ímpares e afiadas pelo gume de Gomes, repetindo-se
– com outros nomes e aliterações – seus deleitosos jogos de palavras em nossa
fome de análise e anúncio: incorporemos, nessa prosa de abertura, a música de
seus trocadilhos, a curvatura das paranomásias no retilíneo
das linhas do livro: a que verte vulva em verso, Afrodite em afro-ditos de
orixás em orgias com Ártemis e Hermes.
Que o veraz poeta, para aquém do denominado moderno, para além do já clichê
pós-moderno, para quem dos rótulos e taxonomias previstas pelas literárias
teorias, atravessa o pós-pós de tudo e mesmo o pó da
historiografia. Artur Gomes se exibe, ao revés, pré-antigo
(tão dentro quanto fora do chronos) na atualidade
incorrigível de uma poesia dedicada à Gaia (lê-se na dedicatória: “e a Terra/Mãe/Terra a
musa eterna dos meus estados de surtos dos meus estados de sítio dos meus
estados de cio”). Enquanto bebe, no tempo cronológico (“tempo de
bestas”, “na caretice dos bostas”), as lutas e lutos de sua
época e século (“esse país que atravesso corpo devassado em
grito na cara do silêncio”), inebria-os e subverte-os no tempo imemorial da
Terra para fundar o Aion sem fundo do
instante-em-transe da experiência artística. Por isso, não basta citar, em
cacoete analítico, os tiques nervosos que convêm à crítica (mencionar
modernismos influentes, a geração beat, a poesia pop, a
tropicália...) para entender sua lírica. Nem seria preciso. Soaria até
repetitivo elencar, neste preâmbulo, as personagens caras a Gomes, forjando-o
efeito do esbarro nelas todas, do encontro com elas, das tramas e transas com
obras e corpos do passado e presente: o poeta já o faz e cumpre a coletânea
como a dramaturgia de sua errância pelo imaginário e pelo inconsciente, os
quais derramam sobre o copo do real e da consciência alter-egos confessos
e inventados – tudo o que for líquido nos vasos sanguíneos do poeta alcooliza
o poemário com o híbrido de fogo fátuo e frios fatos.
Artur
Gomes – assinatura por vir, heteronímica, heteromórfica –
assim apresenta em O poeta enquanto coisa suas juras
não mais secretas, mas públicas, ainda púbicas, aos afetos que compõem e
decompõem sua literaturavida. Seus versos são
rascunhos, rasuras e ranhuras a passar a limpo os nexos e os nervos de sua
fatura formal e estilística, deixando sobre a página tanto um rastro de unha
quanto o esmalte dos escritos e vozes que em sua alma avultam e nos dedos
instauram cutículas.
Tais intertextos e
intratextos, ou ainda, tais hipertextos insaciáveis se disseminam pela obra na
mesma proporção com que se concentram em cada poema, lado a lado ou
embaralhados; falseando nos rebentos líricos as certidões de batismo e, em
poligamia, proliferando as certidões de casamento com as leituras/releituras de
livros, bem como com o folhear de rostos amigos, ou com o riso e risco do
desconhecido, não obstante o postergar de comprovantes de residência, de
pátrias de origem: cada gesto, um tanto Ulisses, desmente Ítacas, deslinda
labirintos (do Minotauro?) ou mesmo fios (de Ariadne?), teatralizando ad
infinitum as alteridades que servem como impressão digital
provisória e polimórfica para alguma identidade fluida, fragmentada, ao rés da
fantasia. Mas nada disso seria possível – nenhuma conversa com livros, nenhum
sexo com as líricas de um outro e de uma outra – seria concreto sem a lascívia
uma vez mais dionisíaca de um cérebro em gozo sináptico, em psiké-análise, em psiké-catálise, em psiké-catábase:
esta que põe no divã do poeta as divas Oxum e Afrodite atravessadas, fosse a
sala do analista também um templo pagão ou uma ilha de Lesbos, de modo
que Artur construa entre sua cama e seu karma de vate uma
Igreja imoral/amoral do Reino de Zeus. E dos muitos Eus que exilam hóstias e
comungam com o jamais fixo e intransigente credo.
Esta, a sacralização do
profano e do erótico, ou a profanação do sagrado enquanto humano, do poeta
enquanto coisa (“o amor mesmo quando profano / tem muito mais de
sagrado”): filho de um deus com uma mortal, Dionísio dança na
recorrência da palavra “vinho” no livro, a exemplo dos
versos: “aqui / a poesia pulsa / na veia / no vinho”; “por
vinho tinto e poesia”; “ela tem sede de vinho / nas madrugadas
dos bares”; “o vinho do tempo na boca”; “em nossas
bocas tinto – vinho”; “beijo tua boca ainda suja / do
vinho que sobrou”; “me consagro teu amante / pelos vinhedos de Baco
/ no ápice sagrado / da su-real pornofonia”.
A embriaguez dos
significantes e dos significados é a que tanto forja imagens insólitas (como a
de um “céu de estanho” ou como em “ela
mastiga meus ponteiros”) quanto a que costura melodias bem
trabalhadas entre vogais, consoantes ( “entre paredes
pedras facas de dois gumes / nos parreirais depois da lua),
ratificando a inteligência verbal (a logopeia) de Artur
Gomes dobrada em melopeia (música) e fanopeia (imagética).
Visualidade provocada, a saber, não só pelas imagens significadas pelos
significantes, mas visualidade ou imagem do próprio significante, o qual,
dentro de si, dá à luz significâncias outras (“EuGênio Andrade”, “Afro-dite, “BolivariAndo”,
“eletriCidade”), pois Artur Gomes – nesta “pornofonia” –
é mestre na criação de neologismos (em tudo se vê uma “carNavalha”).
Não apenas o corpo do
homem, da mulher, se sensualiza e se sexualiza sob a força cósmica de Eros. É o
poema mesmo que, em O poeta enquanto coisa, é corpo
sensualizado, sexualizado, da mesma maneira que a cidade, o mundo, os tempos e
o Tempo são Eros, vez que a palavra é pele e poro (duas
palavras aliterantes e frequentes em Artur Gomes). Nessa
porosidade, o poeta se entende permeável a coisas e pessoas (a pessoas já
misturadas às coisas, a pessoas já coisas): “por entre poros entre pelos
/ minhas unhas tuas costas”. Também por isso, por essa poesia de
tamanho contato, fricção, a relação com a língua se confirma erotizada e – vale
dizer – tanto a língua física quanto a verbal, o que equivale a dizer que
escrita e oralidade se reencontram no poeta: a sofisticação da escritura
literária não perde (pelo contrário, potencializa) a dimensão primigênia do
poeta como cantor, como ator “na divina língua de Baco”, a
qual se exalta mediante a recorrência também da palavra “boca” e
da palavra “coxa”: uma é a que beija, lambe, morde e degusta;
outra é a beijada, a lambida, a mordida, a degustada. Ambas em rima toante
também entoam ritmos e ritos profanos-sagrados:
o poema fala do teu corpo
como se o tocasse
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca
como um canto bíblico
com louvor profano
Nessa performance e
performatividade lingual-linguística, todo signo cisma um erotismo entre o
significante e o significado, sim, mas também entre página e palco, palco e
praça, praça e povo, a babel dos povos e a babel das palavras: daí, tantos
trocadilhos (troca-trocas, orgias, surubas...), como o
da “flór do lótus” com a “flor do lácio”, o
das “coxas” com as “costas”, o do “fauno” com
a “flauta”, o da “alvorada” com o “alvoroço”, o
da “antítese” com a “Antígona”. Eis a língua
física, outrossim, a trocar com a verbal, mas sendo ao mesmo temo pelo verbal
trocado, e vice-versa. Eis o poeta trocando com outros poetas ou sendo trocado
por poetas outros, vestindo a roupa dos outros e tirando a sua roupa para ser outro:
Federico Baudelaire, Gigi Mocidade, Bracutaia Silva, Federika Bezerra, Cristina
Bezerra etc. O poeta, analista translógico da psique, troca com sua
psicanalista. E o poeta se tenta analista de si mesmo, elevando o caos para a
troca de seu nome Artur por timbres e assinaturas novos. Do
mesmo modo, o nome dos poetas que existem, os que morreram e ainda não, os
vivos hoje e sempre, vai se trocando, em rearranjos da memória (e do recriativo
esquecimento). Artur Gomes troca poetas em seu corpo e,
trocando com eles, entende que todos trocam entre si, a exemplo do diálogo
poético de Clarice com Baudelaire. Mais ainda: o
corpo do poeta troca com o corpo do poema e, consoante em “Poética”, a
metalinguagem elabora um troca-troca de textos sob o mesmo título, pois o
poema “Poética” se metamorfoseia em outros poemas: o
tema “Poética” permanece, mas se trocando: o mesmo sendo
diferente. A palavra “outro(s)” se sugere, enfim, ouro neste
livro, e é nessa não indiferença ao outro, que o poético se faz ético e
político. E nessa política da e pela diferença, a cidade do corpo se troca e
vira o corpo da cidade. Assim, o poeta é – quando e enquanto coisa.
No meio de tantas
referências e reverências, borrões (d)e assinaturas (como as de Mário de
Andrade, Drummond, Torquato Neto, Rimbaud, Mallarmé, Tanussi Cardoso, Tchello
d’Barros, Jiddu Saldanha, Ronaldo Werneck, Reinaldo Valinho Alvarez, Reinaldo
Jardim, deuses e deusas gregas, orixás), o “anjo torto” de Artur
Gomes não sopra no livro Manoel de Barros ou James Joyce, escritores
também engenhosos e que se vale de muitos ilogismos ou neologismos.
Todavia, O poeta enquanto coisa não
deixa, na qualidade de título de livro, de repercutir o Retrato do
artista quando coisa (de Barros) e o Retrato
do artista quando jovem (de Joyce). Do
mesmo modo, não havendo menção (ao menos, explícita e intencional), ao “Teatro
Oficina” de José Celso Martinez Corrêa, a dimensão orgiástica da arte
e a reunião – não menos sacro-promíscua – de mitos gregos e africanos, a
assimilação pela cultura ocidental de outras culturas, aparece em Artur
Gomes nesta, quiçá, Poesia Oficina. A relação
gozosa e experimental com que a palavra se faz poema e se teatraliza faz de
seus livros um grande laboratório da língua, do corpo e da cultura, com
repercussões nitidamente políticas.
Se Pantanal é o corpo
poético e o poema experimental, de aparente falta de lógica, lembrando o
discurso infantil, no Manoel de Barros do Retrato do artista quando
coisa, a urbe é o corpo prenhe de sexualidade e sensualidade
em Artur Gomes, nos supostos ilogismos do discurso adulto que se vê
fragmentado e devorado por Eros e Thanatos, e
no qual a relação sujeito-objeto já não dá conta quando o humano se vê coisa (não
mais agente ou paciente, voz ativa ou passiva: talvez, as duas ao mesmo tempo).
Como no Pantanal de Barros, a linguagem de Gomes é lamacenta,
cheia de líquidos e delírios: a seiva se expande e se intensifica com (ou se
troca por) suor e sêmen. Lama, agora, é a cama: o mangue ou o pantaneiro é
a cama de Artur onde dormem, acordam, sonham, gozam e ardem
todos os corpos (humanos e não humanos) aqui já citados e dispostos nos
lençóis, colchas e fronhas da página.
Por outro lado, temos na
trajetória literária de James Joyce, a intertextualidade com Ulisses de
Homero. Artur Gomes ouve o canto da sereia em sua cama, livro,
divã, e talvez do inconsciente escute a voz de um “artista quando
jovem”, vinda de Joyce. Nesta, a personagem protagonista Stephen
Dedalus, aquele que será adiante o anti-herói de Ulysses, diz à sua
mãe que não poderá seguir a vocação de padre. Ele descobriu uma nova e
grandiosa missão em sua vida: a de criar uma nova e poderosa mitologia para o
povo irlandês. O romance autobiográfico de Joyce narra a infância de
Dedalus (máscara de Joyce), personagem que vai aparecer novamente em Ulysses.
A vida do pequeno Dedalus é marcada pela religiosidade da mãe. Ela quer que o
filho siga a carreira eclesiástica. Vários padres fazem parte da vida de
Dedalus e vão moldando sua consciência. O momento de virada na vida da
personagem principal se dá no momento em que ele escuta um horrível sermão
feito por um padre sobre o inferno que o deixa muito impressionado. Dedalus
passa a viver como um carola seguindo à risca todos os jejuns e mandamentos da
igreja católica. Nesse momento, ele até se sente como um futuro padre. Com a
sequência do romance, vemos o jovem Dedalus passar de uma fase religiosa para
uma de sensualidade. Sente-se cada vez mais obcecado com a ideia da confissão.
Ele então confessa a um padre todos os pecados sensuais que pratica. Abandona definitivamente
a convocação de ser padre e passa a se interessar por ideias artísticas e
estéticas. Dedalus abandona a carreira de padre mas não a fé.
Assim, Artur Gomes se
obstina pela ideia de confissão, mas de uma confissão dionisíaca. Primeiro,
fazendo suas Juras Secretas, suas confidências
sensuais, sexuais, eróticas, fulinaímicas. Em suma, suas sagaranagens (há
algo de Joyce em Guimarães Rosa, ou vice-versa; no Rosa que há em Artur
Gomes, no sagarana dos três). Agora, em O
poeta enquanto coisa, arriscando-se a abandonar todo credo
político-religioso paralisante, move-se – avesso ao dogmático – no sentido de
dançar o mitopoético, o dionisíaco. Daí, uma Igreja Universal do Reino
Zeus faça todo sentido na cosmogonia e teogonia de Artur Gomes.
Em primeiro lugar, como deboche diante de quaisquer fundamentalismos. Em
segundo lugar, como denúncia do que um Reino de Deus pode
roubar do político o vigor do poético, preferindo um louvor a Dionísio a um
Deus que não sabe dançar, que não sabe gozar, na liturgia de uma poesia que
roga
por um poema
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus
da tua boca
arranhe os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor
assumo o risco
não sou demo
nem corisco
eu sou cantor
Iansã é quem me lava
Oxossi é quem me leva
Ogum é quem me manda
Oxum é quem me guarda
eu sou o que invoca
o que provoca
e incorpora
desconcentra
desconforta
desconstrói
e desconcerta
eu sou o que interpreta
representa
o que inventa
e desafora
o Anjo Torto
graças a Zeus
a pedra e ao Machado de Xangô
a Capitã do Mato
Caipora
me xinga de poeta enganador
mal sabe ela
que eu sou da reza
que o homem que se preza
nunca se escraviza
com chicote de feitor
*Igor
Fagundes é poeta, ensaísta, doutor em Poética e professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor, dentre outros, de pensamento
dança (2018) e Poética na incorporação (2016).
Macumbança (2020)
PÁTRIA
A(R)MADA
1
Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras
apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na
própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos
ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta. O
CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em parceria com os
músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e ReubesPess, nos primórdios deste
terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre
poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte
preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas. Navalhas que acariciam, mas
também cortam a pele do ouvinte.
Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita
em versos como “poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e
sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da
tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”. Há dor por
uma terra prometida e sempre adiada, “por uma bandeira arriada / num país que
não levanta”. É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua
voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões: “eu não tenho
pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja
bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força
de quem xinga”.
2
Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes
vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no
trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem
que vai de Arnaut Daniel a Zé Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato
Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns.
Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua
própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos
surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que
perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um
território de folias macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos,
avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o
fantasma de antigos engenhos em que a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço
// usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o
caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”?
3
Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas,
reinserindo-os em outros contextos, reinventando “a poesia que a gente não
vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar
Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo. Quem acompanha sua trajetória
errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já
publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de
intenções.
Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina
Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e
mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante
perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que
retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em
2016. Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente
desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como
trágica profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um breve período de sonhos
que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos desses versos ecoarão
nos ouvidos de muitos e
cortarão a carne de tantos: “ó, baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora
sejam outras siglas no emblema / espada continua a ser espada / poema continua
a ser poema”.
Ademir
Assunção – poeta, escritor, jornalista e letrista de música brasileira. Autor de
livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do
Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua
autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em
livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA.
Escrever prefácio para um
livro de Artur Gomes é um desafio prazeroso. Desafiante é mergulhar no universo
imagético e político que sempre compôs sua poética. Este O Homem Com
A Flor Na Boca : Deus Não Joga Dados acrescenta
o substrato memorialístico ao seu repertório formando a tríade que sustenta o
livro temática e formalmente. Meu primeiro contato com a poesia de Artur se deu
nos anos 80 por intermédio de seu livro Suor & Cio, obra
cuja temática estava em consonância com as reflexões suscitadas pelas “comemorações” do
centenário da Abolição da Escravatura em 1988.
A partir daí, acompanhei
suas criações tanto impressas quanto performáticas, pois Artur não
é poeta apenas de livros e silêncios das salas de estares, livrarias e
bibliotecas, mas também dos bares, ruas e praças que são do poeta como o céu é
do condor.
Poucos poetas
contemporâneos expressam tão bem as principais bandeiras do Modernismo de 22
quanto esse vate pós-moderno. Sua poesia é política, antropofágica, nonsense,
musical, polifônica e sobretudo intertextual, além de dotada de uma brasilidade
corrosiva, avessa ao nacionalismo acrítico que se tem espraiado pela ex-terra
de “Santa cruz”.
Neste livro estão
todas essas marcas do poeta às quais acrescento o caráter memorialístico. Nele,
Artur não apenas rememora antigos poemas por meio de alusões, paráfrases e
paródias como traz para seus versos passagens assumidamente biográficas, se
apropriando, em alguns momentos, do gênero diário.
Estão contidos
nessas memórias seus vários heterônimos: Gigi Mocidade, Federico Baudelaire,
EuGênio Mallarmè, Federika Bezerra, Federika Lispector. Diferente do que ocorre
com o poeta português Fernando Pessoa, a heteronímia em Artur não se manifesta
menos na autoria do que no tecido ficcional. Suas diferentes personas emergem
dos poemas para a realidade das redes sociais, interagem entre si, com o poeta
e os leitores.
É Gigi Mocidade, por
exemplo, que carrega a bandeira do espírito subversivo com seu grito “Irreverência
ou morte”, já nas primeiras páginas do livro, e a epígrafe de Federico
Baudelaire “escrevo para não morrer antes da morte” anuncia a
intenção memorialística. Sócrates, no seu diálogo com Fedro na obra de Platão,
argumenta que a escrita seria a morte da memória, mas o que seria de todo o
repertório literário não fosse essa invenção humana? Quais mentes suportariam
tantos signos produtores de imagens cujos sentidos transcendem às vezes a
razão? A escrita não se tornou a morte da memória, mas impossibilitou a morte
dos poetas eternizados nas páginas dos livros e memórias dos leitores.
poema 10
meus caninos
já foram místicos
simbolistas
sócio políticos
sensuais eróticos
mordendo alguma história
agora estão famintos
cravados na memória
Nesses oito versos, o
autor nos apresenta metalinguisticamente seu percurso poético até este livro
que não é uma obra dedicada ao passado. O presente político do Brasil (des)
norteia o poeta que não deixa de atacar com sua lira de peçonha os problemas que
nunca deixaram de afligir estas paragens desde o suposto grito de Cabral.
poema 12
tem algo de errado
nessas estatísticas de
mortes
dessa pandemia
multipliquem 60.000
X 10
e ainda não vai ser exato
o número de cadáveres
empilhados nos campos de
concentração
que dá um nome
ao país
que ainda nem era uma
nação
A verve surrealista do
poeta se manifesta principalmente nos poemas narrativos protagonizados por
personagens intertextuais como “macabea” (alusão evidente à conhecida
protagonista de A hora da estrela de Clarice Lispector) e
alter egos – lady gumes – parodísticos do próprio autor.
Em FULINAIMAGEM
14 o tom de diário se instaura com inscrição de data do
acontecimento rememorado e transborda na escrita de si em que se revela o papel
que a poesia e o teatro desempenham na escritura de seu trajeto como autor:
“a minha relação poesia teatro poesia é
visceral vital para o que escrevo como quem encena a necessidade do corpo como
expressão”.
Artur Gomes, este homem com a flor na boca, anda a espalhar o veneno agridoce de sua poesia, numa obra em que não há fronteiras entre o artista, o cidadão, o personagem, o eu poético, a obra. Seu livro não é um objeto, mas um produto interno e nada bruto. A obra é sempre muito maior que o livro, pois este, matéria assim como o homem, finda. A obra, esse totem que se pode cultuar no altar da memória, está sempre presente. E é disso que o poeta fala: do tempo presente, do homem presente, da vida presente.
Parafraseando Drummond,
com O Homem Com A Flor Na Boca, “não
nos afastemos, não nos afastemos muito”, vamos de mãos dadas com a poesia de
Artur.
Adriano
Carlos Moura
Professor de Literatura –
IFFluminense, Campos dos Goytacazes-RJ – Poeta, Ator, Dramaturgo
*
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural Artur Gomes acumula uma bagagem de 50 anos de carreira com prêmios nacionais e internacionais em teatro, música, literatura e artes gráficas. Gomes poderia se filiar na tradição literária dos chamados poetas malditos, como comumente e simplistamente nos referimos àqueles autores que constroem uma obra “rebelde” em face do que é aceito pela sociedade, vista como meio alienante que aprisiona os indivíduos em normas e regras. Tais autores rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que manifesta-se também, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída. A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características de tais sensibilidades poéticas, que no Brasil já vem de longe com um Gregório de Mattos e ganhou impulso e seguidores com o famoso trio da “parafernália” rebelde: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
Já tivemos oportunidade de observar em outras obras do autor, que suas construções poéticas seguem sempre renovadas para cima em matéria de criatividade, elencando uma variada diversidade temática que aborda, sempre em perspectiva ousada e radical, desde o doce e suave sentido do amor, ao cruel da relação amorosa, flertando com o libidinoso, e questões existenciais que expressam indignação, desobediência e transgressão.
É que, explica ele: “arde em mim / um rio / de palavras / corpo lavas erupção / mar de fogo / vulcão”. Outra faceta do autor, digna de nota, é a criação de vários heterônimos como sejam Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè ou Gigi Mocidade, talvez a mais irreverente de todos, porque fala a bandeiras despregadas, sem papas na língua. “Muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro”.
E aqui temos afinal, mais uma obra desse múltiplo e incansável poeta que caminha com uma flor na boca, símbolo universal de amor, de paz e beleza. A ele não importa verdadeiramente por quais meios: “se sou torto não importa / em cada porta risco um ponto / pra revelar os meus destroços / no alfabeto do desterro / a carnadura dos meus ossos”.
É poética que, para além de perquirir as dores e delícias da condição humana em si, envereda pelo viés de nossa condição social sempre ultrajada. Encontramos um poema que nos pergunta: “quem se alimenta / dessa dor / desse horror / desse holocausto // desse país em ruínas / da exploração dessas minas / defloração desse cabaço // quem avaliza o des(governo / simboliza esse fracasso?”
Artur Gomes segue sua árdua caminhada, agora com o poderoso concurso da maturidade que lhe chega. Segue emprestando sua voz aos deserdados, aos desnutridos, aos que têm sede, aos que têm fome, ou aos que morrem assassinados nos guetos, nos campos, nas cidades por balas de fuzil, desse país que tarda em referendar a cidadania.
Krishnamurti Góes dos Anjos - Escritor e crítico literário.
Leia mais no blog www.fulinaimatupiniquim.blogspot.com
O Homem Com A Flor Na Boca
Um Canibal Tupiniquim
por Fernando Andrade | escritor e jornalista
Um homem cita um poema de nome. O músico já usou a cítara para
musicar este poema pelo nome. Tudo já foi transformado, o poema para canção, a
rima comeu a melodia e fez troça e troca de nome. Mas o poema do livro O homem
com a flor da boca, da editora Penalux, nos devolve este país, do samba, do
riso piada, Leminski, a força do ato canibalista de deglutir o que veio antes
da poesia concreta, até a letra da canção de Luiz Tatit. Artur Gomes fez das
suas, com tanta fome, comeu a maioria dos poemas que leu na vida e canibalizou
e carnavaliza referências, citações, humor de longa estrada, ou beira de bar,
trabalhando com gume de faca afiada e o lume de um pôr do sol em Ipanema,
lembrando Vinícius.
São poemas bons para musicar tanto na solidão de um violão, quanto, atravessada por uma voz tenor, sax soprano. E não falta sexo, sacanagem, tesão, nas palavras das palavras num atravessamento em plena Quarta feira de cinzas, no resultado do carnaval. O desbunde da bunda, o levante dos órgãos, a gíria, e a menina com fio da linha escrita, carregando anedotas, fábulas e circos. O poeta não faz gênero, ele é macho, e fêmea, Simone, em segundo sexo. São poemas para emprestar ao amigo que está com fone de ouvido se atentar para a prosódia do verso, para quem sabe não copiar e transformar Amor em flor na boca.
Entre/Vistas
: Inquisição:
Uma Outra
Simone
Bacelar - Como você imagina que os leitores irão se conectar
com o personagem principal de "Vampiro Goytacá"? Há elementos
específicos na cultura Goytacá que você acha que serão especialmente
ressonantes ou intrigantes para o público?
Artur
Gomes – Apesar de ser Goytacá o vampiro é um andarilho pelos
telhados do presídio federal de brazilírica, um observador atento do que se
passa pelos bastidores dos palácios. Acredito que ele tenha nascido em 2000 em
alguma passagem do livro BraziLírica Pereira : A Traição Das Metáforas
Simone Bacelar - Quais são os desafios e as recompensas de escrever um
livro que mistura elementos sobrenaturais com uma rica herança cultural como a
dos Goytacás? Como você equilibra o respeito pela história e as lendas dessa
cultura com a liberdade criativa necessária para desenvolver a narrativa?
Artur
Gomes – Os desafios são muitos, e enormes, mas as recompensas
não posso prever se virá. Sei que as narrativas dos personagens são
provocativas em todos os sentidos da vida humana. Sinceramente não sei como o
leitor campista, irá recebê-las e digerí-las, mas esta não é a meu ver a grande
questão, que é exatamente provocar esse choque, tentar tirar a cultura goytacá
da sua estagnação e levá-la a outras plagas fora da planície para que outros
olhos possam ler, o que não foi escrito pelos “historiadores oficiais”. Por ser
um livro de poesia e ficção não existe de minha parte nenhum compromisso com a
“história”, e sim com a criação.
*
Fernando
Rossi - Como foi pensado a construção do "Vampiro
Goytacá"?
Artur
Gomes – Foi sendo criada aos poucos, no correr dos anos, a
partir do que cada personagem viveu e escreveu a partir do momento em que foram
criados. Eles não nasceram no Vampiro Goytacá, já estavam presentes em livros
anteriores. E a ideia de “Vampiro” me surgiu de estalo, num período em 2023 em
que fiquei hospedado no Hotel Amazonas, observando aquelas paredes, caminhando
por entre os seus corredores. Ah! Quantos mistérios, quantas estórias que não
foram contadas. ?
Fernando
Rossi - Onde termina a ficção e fica a realidade nessa obra?
Artur
Gomes – A ficção começa a partir do fato de que cada
personagem tem suas viagens, suas narrativas, suas vivencias detalhadas por
vários “campos” do planeta terra, não são campistas, e nem nela moram, são
seres andantes, viajantes no tempo e no espaço, mas acredito que não termina, o
livro é uma obra inacabada, e as realidades nele são viagens reinventadas.
*
Dinovaldo
Gillioli - Quando venta a poesia na sua cachola de pólvora, que
fogo anuncia?
Artur
Gomes – O fogo de Iansã é vento de tempestade, todos os meus
personagens femininos tem um pouco dessa ventania da não definição em suas
sexualidades, não só os femininos mas alguns masculinos também, acredito que a
poética neles nasce daí, do desejo de matar a fome comendo o que estiver ao
alcance de suas mãos.
Dinovaldo
Gillioli - Das palavras que ficam, das que somem, o
que mais te provoca lobisomem?
Artur
Gomes – Acredito que em cada um de nós poetas, tem um pouco de
vampiro um pouco de lobisomem e as palavras que fiam são exatamente aquelas,
que no momento exato flui do homem e sua hora e as que somem são exatamente
aquelas que tem mesmo que irem embora.
*
Tanussi
Cardoso - Em sua obra, há uma carga estreita entre sua
vida e sua poética. Questões como a linguagem, o ofício do poeta e, igualmente,
os grandes desafios cotidianos, incluindo a amorosidade carnal e espiritual,
tudo isso, num verdadeiro comprometimento com o mundo que nos cerca. A sua
poesia – para quem acompanha sua obra – tem voz própria, única, reconhecida à
primeira leitura. De que modo você pensa a coisa ética na produção de um
artista?
Artur
Gomes – Creio que todas essas questões colocadas acima foram
aos poucos me dando a consciência do que é ser poeta, artista, um ser dedicado
a criação de linguagens e os desafios do cotidiano que nunca foram
poucos. Se eu fosse pensar em ética, talvez não escreveria metade do que tenho
escrito ao longo desses 51 anos de produção poética. Me preocupa mais a
experimentação, o processo criativo para chegar na finalização de uma escrita,
seja ela prosa ou verso. Talvez meus personagens nem tenham ética mesmo, pois se
tivessem não satisfariam os meus desejos da forma que podem e querem.
Tanussi
Cardoso - Você, além de um poeta exponencial, é um grande
produtor e agitador cultural, desde o final dos anos 70. Qual a importância dos
eventos e movimentos culturais, na produção brasileira atual?
Artur
Gomes – A partir da minha entrada para o Teatro em 1975,
comecei a perceber a diferença como um público percebe o texto lido, e o texto
falado. E aí entendi que a poesia muitas vezes precisa da fala para ser melhor
sentida por quem ouve, que vai muito além do que é entendido por
quem lê. E aí entra também a questão da falta de incentivo a leitura, para a
maior parte da população do planeta terra. E os Saraus, as Balbúrdias são
fundamentais a meu ver para tentar preencher esses vazios, essas
lacunas.
Tanussi
Cardoso - Em que momento ou circunstância você se deu conta da
poesia possível em você? Ou seja: de onde vem e como nasceu o Artur poeta?
Artur
Gomes – Artur Gomes o ser humano, nasceu em 27 de agosto de
1948 na Cacomanga, começou a escrever poesia na tipografia da Escola Técnica de
Campos em 1961. E a partir de 1973 começou a publicar. Mas acredito que o Artur
Gomes poeta nasceu pra valer a partir de 1983 quando começou a ter contato com
a poesia dos grandes mestres da poética universal, com a criação do
projeto: Mostra Visual De Poesia Brasileira. E a partir daí começou
em 1985 com o livro Suor & Cio, a focar todas as questões que
envolvem os relacionamentos humanos dentro da sociedade ondem vivem.
Tanussi
Cardoso - Para você a literatura, ou a arte em geral, exige
algum papel social de seu criador? Se positivo, qual seria o papel social do
artista, principalmente, o do artista brasileiro?
Artur
Gomes – Acredito que sim. Porque toda arte e a literatura a
meu ver também é, tem seus princípios e fundamentos. E o homem é um ser social
que mesmo sendo um artista não pode se eximir dessa condição. Agora no Brasil,
essa talvez seja a questão mais complexa para quem tenta viver de sua arte,
porque aí começa a surgir por exemplo, os valores dos mercados de
arte, a não aceitação de um grande público consumidor, e isso acaba
levando a maioria do artista brasileiro, a seguir por caminhos que menos
conflitem a sua arte, seja música, poesia, teatro, artes plásticas,
cinema, com as condições impostas pelos donos do mercado.
Tanussi
Cardoso - Como você vê a poesia brasileira contemporânea?
Artur
Gomes – Vejo com uma diversidade nunca antes vista e uma
expansão imensa na quantidade de poetas que surgem em todos os cantos e
recantos do país, e do planeta, produzindo uma poética de altíssima voltagem. E
muitos deles utilizando-se dos recursos tecnológicos que tem em mãos, com muita
sensibilidade e inteligência.
*
Eugênia
Henriques - Irina, esse ser meio apaixonante... Irina existe mesmo
ou é um lindo nome propício a uma rima ?
Artur
Gomes – Irina não é assim tão santa como uma bela rima . Irina
é ficção de uma paixão platônica pela palavra que lhe dá o nome como
um bom prato que a gente come para saciar a fome. Acho
que ela deve existir sim no subconsciente ou no inconsciente
coletivo desse personagem que é um ser vivo pra muito além das mortes. Meus
personagens ou até mesmo certas palavras me vem assim num sopro ao sabor do
vento em minha viagens metafóricas.
Eugênia
Henriques - O Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim é médium? Exótico
é o coração do Vampiro Goytacá: ora povoado de musas ora cravando os
dentes em alguma carne insensível. Como pode, no coração dele, coabitar lirismo
e atrocidade?
Artur
Gomes – Acredito sim, que em todo ser humano cabe um pouquinho
de mediunidade, ou uma multiplicidade de Eus, que nos possibilidades a
metamorfose das personalidades que extravasamos de acordo com o nosso instante
no “estado de poesia”. O Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim, no livro não é um.
São 12 personas em seus estados brutos de lirismo ou em seus
momentos de amores traídos e não concretizados como tudo o que não fizeram em
seus encontros marcados.
*
Carmen
Moreno - O poema “Meu santo dai-me” revela a poesia, e a arte
em geral, como um remédio. As diferentes linguagens artísticas, tão bem
integradas na sua criação, curam sua alma e seu corpo? Curam o Vampiro?
Artur
Gomes – Meu corpo e minha alma sim. Mas se curam o Vampiro
Goytacá ainda não sei, porque ele continua atravessando os telhados do presídio
federal de brazilírica para provocar suas balbúrdias ante o estado de coisas em
que nos encontramos. E talvez seja esse fogo, essa febre ardente como água
quente que o faça assim em vários multiplicado.
Carmen
Moreno - Neste livro, que reafirma seu perfil autoral, o
inconsciente flui de forma generosa, agrupando palavras em metáforas originais
e dinâmicas. Há, inclusive, muitas referências a autores e leituras diversas.
Como funciona seu processo de seleção, ou “organização”, para o formato de
texto, desse fluxo farto do seu inconsciente criador?
Artur
Gomes – O meu processo de criação não é muito organizado não.
Só a partir de alguns poemas, textos, narrativas escritas, que vou entendendo
com mais clareza qual o personagem, de quem é a v0z autora desse poema ou dessa
narrativa, ai é que penso como organizar em livro a sequencia do seu
repertório. Como já afirmei várias vezes, não planejo muito as coisas, deixo
que elas fluam e ocupem o espaço branco da página, para que eu possa
refletir o que fazer com elas.
Carmen
Moreno - O livro é permeado por uma atmosfera de humor e
leveza, mesmo quando o teor do poema/ texto retrata um fato mais denso. O humor
também é sua marca na vida?
Artur
Gomes – Acho que sim, o humor deve ter sido herdado
de Oswald de Andrade e o teatro apesar de ser arte dramática, foi o me ajudou a
ser bem humorado, muitas vezes irônico e sarcástico até. Aprendi a contornar os
dramas da vida real com a fantasia das metáforas, as figuras de linguagens do
meta/poema/meta. Uma forma que encontrei de rir do trágico sem fazer
tragicomédia.
*
Antônio
Cunha - Amigo Artur, o Vampiro Goytacá é o nosso Canibal
Tupiniquim. Quem é, quem são ou o que são os Bispos Sardinha da vez?
Artur
Gomes – Acho que são vários espalhados pelos telhados dos
presídio federal de brazilírica. Os fantasmas que precisam ser trucidados
urgentemente para que o país volte a ser um país. E que talvez país mesmo nunca
tenha sido.
Antônio
Cunha - A poesia não pode acomodar. Na sua, a palavra arde.
Esta é a meta e o alvo?
Artur
Gomes – O alvo são os olhos dos distraídos e acomodados,
os que poderiam e podem fazer alguma coisa para que essa cruel realidades das
coisas que vivemos no Brasil fosse mudada, mas pelo contrário só contribuem
para que a realidade continue e se perpetue mais cruel ainda.
Antônio
Cunha - Você é um poetator. Há algo na poesia que só a palavra
dita alcança para além da palavra escrita e vice-versa?
Artur
Gomes – Sem dúvida acredito, porque testemunho os resultados
de tudo o que escrevo quando é lido, e quando é por mim interpretado, dito,
falado. Por isso uma das coisas que contribuíram a me levar para o
teatro foi querer aprender a escrever poesia. Em 1975, tinha 3 livros
publicados, e me incomodava não saber o que os leitores acharam, que sensações
ou impressões tiveram do que leram. Daí a partir do teatro, comecei a ter essas
respostas e do furor que a poesia falada pode provocar em quem ouve.
*
Jiddu
Saldanha - irmão, meu mestre Artur Gomes. Viajamos por
muitos lugares, essas fotos me fazem chorar porque só quem viu viu, só quem
viveu viveu... Simplesmente LINDRO! como você conseguiu tornar a poesia
uma causa de vida, durante toda uma vida?
Artur
Gomes – Acho que a própria vida vivida foi me levando a fazer
da poesia o meu ofício, a minha forma de viver e me relacionar com as pessoas
mais próximas, ou até mesmo as mais distantes mas que de alguma forma tenha
tido a felicidade de me contactar com elas. Só através da poesia consigo dizer
o que é mais fundo, mais profundo em mim. Isso foi um processo de aprendizado,
nas nasceu de uma hora para outra.
Muitas circunstâncias
fatos, amores vividos, amores perdidos, vitórias e fracassos, cada um desses
acontecimentos acredito que foram sedimentando um caminho para que me pudesse
me compreender melhor e entender todo o sentido do que seja nossa vida aqui nesse
planeta terra.
Antes que alguém
morra escrevo prevendo a morte arriscando a vida antes que seja tare
e que a língua da minha boca não cubra mais tua ferida.
Cesar
Augusto de Carvalho - No subtítulo, “poesia muito prosa” você já
anuncia que seus poemas o aproximarão mais da prosa poética do que aos padrões
formais de versificação. Por que, exatamente nesse, Vampyro Goytacá, você optou
pela, como gosto de chamar, proesia?
Artur
Gomes – Em livro anteriores, eu já experimentava narrativas em
prosa, mas de uma forma tímida, cautelosa, nesse como percebi que algumas
narrativas os personagens, não teriam condições de escrever com o rigor que o
poema exige, em verso, resolvi ampliar o leque da escrita em “proesia” mesmo.
Cesar
Augusto de Carvalho - Em seus livros anteriores há inúmeras
referências à obra uilconiana. Aliás, um deles leva o sobrenome de Uilcon no
título, o Brazylirica Pereira. Neste Vampiro você cita figuras de linguagem
criadas pelo Uilcon Pereira como, por exemplo, Assombradado, Biute e outras
referências mais. Sinto, como leitor, que a influência de Uilcon em seu estilo
vai além das referências. Minhas suspeitas têm algum fundamento?
Artur
Gomes – Sim, ninguém melhor que você para testemunhar isso.
Uilcon foi e continua sendo um grande guru, mestre, de muitos escritores que
tiveram a felicidade de conviver com ele, e se enriquecer da literatura
criativa que ele criou. Convive com Uilson de 1983 a 1996, pessoalmente nos
grandes encontroes, promovido pelo Gabriel de La Puente(nosso Ponte Grande), e
na farta correspondência que trocamos por todo esses 13 anos. Meu livro Suor
& Cio de 1985, tem prefácio dele. Erorci Santana escreveu uma resenha
maravilhosa sobre o BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas também
tocando nesse assunto das referências. Nesse Vampiro Goytacá, eu crio a partir
de Assombradado e todos os personagens são derivações “biúte mesmo sem nenhuma
vergonha de ser.
CAVOUCANDO A TERRA
Wilson Coêlho
A obra "Itabapoana Pedra Pássaro Poema ", de Artur Gomes, é toda "poiesis", na perversão dos significados, trata-se de uma poesia no pau-de-arara, confessando intimidades, inventando conceitos, transitando nas peripécias, nos espasmos, no lance de dados.
Não é por acaso a ideia do subtítulo ou anunciação de "poesia, alquimia e bruxaria", considerando a poesia, como gênero literário que faz uso de uma linguagem musical, figurada e criativa para veicular expressões artísticas, bem como, a alquimia dos sentimentos líquidos que escorrem no delírio do poeta que, de certa forma, no que diz respeito à bruxaria, resgata o místico, não religioso, que coloca em questão a possibilidade do óbvio de se estar no mundo, fora da lógica cartesiana, numa viagem Catatau leminskiana.
A poesia escrita, encenada, cantada, em movimento, inerte, barulhenta ou silenciosa. É a esfinge, Torre de Babel, Cavalo de Troia, fios de Ariadne, ferocidade de Teseu, sonho de Penélope, aventuras de Odisseu, nave louca de Torquato Neto, Macunaíma de Mário de Andrade, loucura de Artaud, ópio de Baudelaire, pânico de Arrabal.
Podemos afirmar, sem medo de errar que, em "Itabapoana Pedra Pássaro Poema", Artur Gomes usa a pena como uma pá que lavra os sulcos de um terreno baldio, a palavra como um arado em movimento, uma palavração. Assim, vai desenhando na página branca, cavoucando a terra para enterrar as sementes de suas árvores "geniológicas", sempre frutíferas e, como um agricultor e arqueólogo das palavras, as retira da mera condição de semânticas, inventando novos significados, desafinando o coro dos contentes e desafiando a gravidade da lei da gramaticidade.
Enfim, em "Itabapoana Pedra Pássaro Poema ", estamos
diante de uma desarticulação do mito e num processo de reinvenção, uma porta de
entrada na utopia (u-topus = não lugar) para dar existência a um novo lugar da
poesia extemporânea.
Wilson Coêlho é poeta, tradutor,
palestrante, dramaturgo e escritor com 28 livros publicados, licenciado e
bacharel em Filosofia e Mestre em Estudos Literários pela UFES, Doutor em
Literatura Comparada pela UFF e Auditor Real do Collège de Pataphysique de
Paris, do qual recebeu, em 2013 o diploma de “Commandeur Exquis”. Assina a direção de 29 espetáculos montados
com o Grupo Tarahumaras de Teatro, com participação em festivais e seminários
de teatro no país e no exterior, como Espanha, Chile, Argentina, França e Cuba,
ministrando palestras e oficinas.Também tem participado como jurado em
concursos literários e festivais de música. Participa de diversos movimentos e
eventos de teatro na América Latina.
Posfácio de Artur Gomes
Renata da Silva de Barcellos (Pós-doutorado em Literaturas – CEJLL – NAVE RJ)
Nesta obra intitulada Itabapoana Pedra Pássaro Poema, Artur Gomes possibilita o leitor navegar em diversas áreas do conhecimento: Literaturas: “quando Rachel escreveu quinze meus olhos doeram nos olhos”; Música: “Joilson Bessa me disse Kapiducéu já ensaia Macunaíma vem vindo no Auto do Boi Macutraia” e “misturei meu afro reggae a muito xote do xaxado ainda fiz maracatu maxixe frevo já juntei ao fox trote quando dancei bumba meu boi em pernambuco fulinaíma é punk rock rasgando fados em bossa nova feito blues para pintar a pele branca de vermelho e repintar a pele preta de azuis”. Um verdadeiro passeio por diversos gêneros. Não poderia faltar o samba “do azul/marinho da Portela o verde/rosa da Mangueira”. E Artes plásticas: “levanta natureza morta você não é Cubismo de Picasso nem Surrealismo de Dali diante os cabelos de aço de Frida Calo”.
O poeta utiliza três palavras-resumo: poesia alquimia bruxaria. Essas
sintetizam a essência dos seus poemas. De fato, alusões (“helena me deu um cavalo de pau”) e citações (“se foi Cândido Portinari quem pintou as portas de
entrada da favela ou se foi Rúbia Querubim”) são “misturadas” ao tom crítico
(“só come o pão que o diabo amassou portas sempre fechadas na cara do
trabalhador grandes fortunas livres de impostos projeto para aliviar o bolso do
povo câmara dos deputados rejeitou”). Dessa forma, surge seu estilo próprio no
qual seus textos são ricos em referências, possibilitando o leitor com um bom
nível cultural a se deleitar em novas possibilidades estéticas de poesia.
Através delas, podemos constatar seu posicionamento político “contra o poder da
tirania” como em (“eu sou matéria argamassa armadura permaneço de pé encaro o
tempo contra o vento contra a tirania da mordaça nada que eu não faça”).
Uma das características da poesia contemporânea é a experimentação “sem existencialismo cansei dos ismos pós concreto”. Gomes faz diversas alusões ao poeta francês Charles Baudelaire, considerado o pai da poesia moderna, a partir de 1848: “nasci federico DuBoi de Baudelaire da caneta de um poeta que não...” e a Mallarmé com as experimentações como em Um lance de dados. Na atualidade, compreende-se a língua como “plástica e maleável”, permitindo criações por Gomes como: “A pá-lavra poesia” – “leminsk i Ando”- “se FlorBela ainda vive” e “em carNA val meu olho disse:” Também é marcante a força pela surpresa lexical com neologismos “brasilírica”. Assim, utiliza alquimia para desbravar novas formas de linguagem como em: “ sagarânica” (A palavra Sagarana é um neologismo que une o radical germânico “saga” cujo significado é "canto heroico" ou "lenda", com a palavra tupi “rana”, sentido "que exprime semelhança" e o sufixo "-ica" é um sufixo nominal de origem latina). Essa é uma das marcas desta obra. Observa as palavras para decompô-las como em “primavera” criou “Ana à Vera” a fim de recriar e expressar novos sentidos.
Outra marca da poesia contemporânea é valorização da intertextualidade, um recurso linguístico que já havia sido observado na corrente modernista. Exemplo: “que não sou triste um poema ainda existe pra me animar do desconforto para me salvar do entretanto pra me acertar no desconcerto”. Salve, salve Cecília Meirelles!
Faz alusão a fatos históricos para crítica social como a chegada do português (“enquanto na primeira missão galo camões bem galinha chocando o ovo do índio ou pero vais que caminha”) e a Independência do Brasil (“no jantar da quinta da boa vista dois anos depois da independência d pedro não conseguiu engolir abapuru no quartel da realeza Leopoldina”). O poeta conduz seu leitor a refletir sobre diversos acontecimentos também.
Dessa forma, trata-se de uma obra primorosa na qual o autor demonstra o poder de articular diversas áreas do conhecimento. E de um belo exemplo da Poesia Contemporânea. Vale a pena a leitura!!! Sugestão: utilizar em sala de aula para aprimorar o conhecimento de mundo dos alunos. E viva a POESIA CONTEMPORÂNEA!
*
eu nasci concreto
depois fui me abstraindo
me substantivando
me substituindo
criando outros e outras
criaturas
em minhas estruturas amorais
do ser
eu nasci assim
e fui me associando
a outras escritas
as que foram ditas
a outras não ditas
as benditas
as malditas
e as que disseram minhas
e a outras que raptei de
outros
pela minha nova maneira
natural de ter
resistência a toda
qualquer coisa que não
é
e as que são
coloco como cartas
sobre a mesa
para surpresa
de ver que todo dia é dia
d
VeraCidade
pedra de toque
pedra de rock
veracidade meu bodoque
tem seu preço
na minha idade esta cidade
ainda não conheço
e até hoje
ninguém soube escrever o endereço
desde os tempos
das colônias dos impérios
dos tropeiros dos tropeços
Artur Gomes
Itabapoana Pedra Pássaro Poema
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pedra / marcada
que venha 2025
tendo estado desa(r)mado
nas quebradas muito reggae
tenho andado muito são
maldição – o diabo que carregue
sexta feira fui a meg
ler as catas do tarô
no jogo de dados deu dez
no jogo de búzios deu doze
nas cartas do tarô foram sete
segunda leitura quatorze
não brinco com coisas secretas
no jogo das cartas sagadas
meg assim decifrou
:
o mito aqui não é grego
o deus aqui é xangô
afrodite me disse que não
vênus me disse quem sou
zeus me disse quem sabe
destino é carta marcada
na pedra do redentor
um dia você encontra
os olhos do seu amor
no alto do corcovado
ou na pedra do arpoador
EuGênio Mallarmè
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prefácio e outros poemas
pedra / marcada
que venha 2025
tendo estado desa(r)mado
nas quebradas muito reggae
tenho andado muito são
maldição – o diabo que carregue
sexta feira fui a meg
ler as cartas do tarô
no jogo de dados deu dez
no jogo de búzios deu doze
nas cartas do tarô foram sete
segunda leitura quatorze
não brinco com coisas secretas
no jogo das cartas sagadas
meg assim decifrou
:
o mito aqui não é grego
o deus aqui é xangô
afrodite me disse que não
vênus me disse quem sou
zeus me disse quem sabe
destino é carta marcada
na pedra do redentor
um dia você encontra
os olhos do seu amor
no alto do corcovado
ou na pedra do arpoador
EuGênio Mallarmè
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Artur Gomes - Fulinaimagens
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que venha 2025
com fé esperança
afinco
que nossos telhados
sejam ao menos de prata
menos de zinco
esconfio
que sobre nós
descerá chuva divina
para abençoar a severina
vida seca – serafina
desafio novo dinivo
fazer crescer novo roçado
ver na terra novo cio menino
Federika Lispector
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"uma cidade sem memória não é uma cidade"
Federico Baudelaire
momento de grata felicidade ao lado do grande brother/poeta Salgado Maranhão e da escritora/historiadora Anita Leocádia - registro feito por Lília Diniz por ocasião da 7ª Feira do Livro de São Luís – Maranhão
conheci Anita Prestes (filha de Luis Carlos Prestes), ao lado do poeta Salgado Maranhão, na 7ª Feira do Livro em São Luis do Maranhão em 2013. Atualmente, por todo o ano de 2024, quando o Golpe de 1964, chega aos seus 60 anos, estou mergulhado numa busca do levantamento da memória dos anos de chumbo 1964/1985.
Tenho assistido a maioria dos depoimentos dados a Comissão Nacional da Memória, por ex presos políticos e agentes das forças de repressão do período. Um dos mais contundentes, dado pelo ex-agente do Doi-Codi do Espírito Santo, o hoje pastor Cláudio Guerra, que narra como os corpos já retirados sem vida da Casa da Morte em Petrópolis e trazidos para serem incinerados nos fornos da Usina Cambaíba.
Hoje assisti a entrevista de Anita Prestes, no site Tutaméia, https://tutameia.jor.br uma reflexão sobre esse período e o momento histórico do Brasil. Busco o levantamento dessas memórias como fonte de pesquisa para o livro Vampiro Goytacá Canibal Tupinquim, porque apesar de ser um livro de poesia/ficção, entendo que nenhuma ficção nasce do nada, existe sempre pelo menos algum vestígio de uma cruel realidade por detrás dela.
Artur Gomes
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Avis Rara
nem sei se quero tanto
as vezes andorinha
outras vezes quero quero
não sei se sabiá não sei
se bem-te-vi
as vezes até rolinha
é natural ser juriti
Rúbia Querubim
ENGENHO
minha terra
é
de senzalas tantas
enterra em ti
milhões de outras esperanças
soterra em teus grilhões
a voz que tenta – avança
plantada em ti
como canavial
que a foice corta
mas cravado em ti
me ponho à luta
mesmo sabendo – o vão
- estreito em cada porta
Artur Gomes
Em 1984 poemas meus foram publicados na Antologia Carne Viva,
organizada por Olga Savary, considerada a primeira Antologia de poesia erótica
publicada no Brasil, com a presença de poetas como Carlos Drummond de Andrade,
Ferreira Gullar, Affonso Romano de Sant´Anna, etc.
ontem 3 janeiro 2025, assisti o depoimento de Sergio Ferro,
dado ao Tutaméia https://tutameia.jor.br/ Sergio Ferro é
arquiteto desenhista. No período da ditadura civil/militar 1964/1985 era
professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Chegou a atuar
como estagiário nos canteiros de obra de Brasília. Perguntado sobre as
possibilidades de um mundo melhor, ele não teve dúvida em apontar o trabalho do
MST - movimento dos sem terra e movimento dos sem teto. Inclusive afirmando que
na França onde ainda mora continua a ajudar na divulgação desses dois
movimentos. Se formos pensar profundamente a questão, vamos chegar a conclusão
que o golpe de 1964 se dá pelo temor das Reformas de Base, formuladas pelo
presidente João Gulart, e isso explica porque imediatamente logo no primeiro
Ato Institucional, é cassado o deputado trabalhista Rubens Paiva, em 9 de abril
de 1964, e vem ser assassinado dentro do Doi-CODI que funcionava dentro do
quartel da PE na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca - Rio de Janeiro.
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Balbúrdia Poética – livro e manifesto