Recebi
o meu exemplar. Artur Fulinaíma amigo de longas datas. Poesia livre, corajosa,
que não deseja estar sempre num mesmo formato. Só os poetas com as ousadias
atrevidas de um Artur Gomes conseguem criar novas espacialidades, novas
fonéticas, novos desafios de leituras e de interpretação.
Salomão Sousa –
Sobre
Pátria A(r)mada
Prêmio Oswald de Andrade
– UBE-Rio – 2020
ê fome negra incessante
febre voraz gigante
ê terra de tanta cruz
onde se deu primeira missa
índio rima com carniça
no pasto pros urubus
oh! myBrazyl
ainda em alto mar
Cabral quando te viu
foi logo gritando:
terra à vista!
e de bandeja te entregando
pra união democrática ruralista.
por aqui nem só beleza
nesses dias de paupéria
nação de tanta riqueza
país de tanta miséria
–
Imagem: Felipe Stefani
PÁTRIA A(R)MADA
Ademir Assunção
1
Artur Gomes é daqueles poetas que não
se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele
inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator
saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram
a força quando saltam do papel para a garganta. O CD Fulinaíma – Sax, Blues
Poesia, que gravou em parceria com os
músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e ReubesPess, nos primórdios deste
terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre
poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte
preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas. Navalhas que acariciam, mas
também cortam a pele do ouvinte.
Há delícia e dor em sua poética. Uma
delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como “poderia abrir teu
corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar
as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores /
rasgando as rendas dos lençóis”. Há dor por uma terra prometida e sempre
adiada, “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”. É nesse espaço
entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em
alto e bom salto, a plenos pulmões: “eu não tenho pretensões de ser moderno /
nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as
labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”.
2
Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem que vai de Arnaut Daniel a Zé Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns.
Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um território de folias macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”?
3
Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando “a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo.
Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções.
Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina
Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e
mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber
este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu
décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016. Esses
tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto,
um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um
breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos
desses versos ecoarão nos ouvidos de
muitos e cortarão a carne de tantos: “ó,
baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema /
espada continua a ser espada / poema continua a ser poema”.
*
Ademir Assunção – poeta, escritor, jornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA.
Fome é tema
de ensaio fotográfico
com ossos à venda em bandejas
come osso menina come osso menino
não há mais metafísica no mundo
do que comer osso
no açougue ou no mercado
osso de graça já foi dado
hoje é vendido hoje é comprado
come osso maria come osso mané
come osso joão com arroz e feijão quebrado
porque nesse país sem nome temos que comer osso
para matar a nossa fome
*
já podeis
da pátria, filho
ver demente
a mãe gentil
já raiou a liberdade
em cada cano de fuzil
salve lindo
fuzil que balança
entre as pernas
a(r)madas da paz
a
gripezinha
era a certeza esperança
de um genocida
imbecil incapaz
A
vida
sempre em
suspense
alegria prova dos nove
fanatismo nã0 me convence
muito menos me comove
para Fernando
Aguiar
Aqui redes em pânico
pescam esqueletos no mar
esquadras descobrimento
espinhas de peixe convento
cabrálias esperas
relento
escamas secas no prato
e um cheiro podre
no AR
caranguejos explodem
mangues em pólvora
é surreal a nossa realidade
tubarões famintos devoram cadáveres
em nossa sala de jantar
como levar o barco
em meio a essa tempestade
navegar é preciso
mas está dificilíssimo navegar
Deus não joga dados
mas a gente lança
sem nem mesmo saber
se alcança
o número que se quer
mas como me disse mallarmè
:
- vida não é lance de dedos
A vida é lança de dardos
Deus não arde no fogo
mas
eu ardo
poema
a(r)mado
todo os dias
capino a esperança
escavando outras palavras
no chão desse quintal
e quando escrevo com enxada
o
poema é mais real
cacomanga
na roça desde cedo comecei a escavar
palavras e separar uma das outras de acordo com o seu significado dar farelo de
milho para os porcos e olhadura de cana para o gado aprendi que no terreiro não
dependo de mercado e para que urbanidade se a cidade não tem paz com a enxada
capinei a liberdade e descobri que ditadura é uma palavra que não cabe nunca mais
*
quando escrevo e eu mesmo não entendo o significado de uma determinada metáfora lanço a maldita no vento invento outra e vou ao centro do universo e xingo teu nome: garrutio lamparão de bico kabrunco de poema que não me dá sossego
Federika Lispector
*
testamento
a tesoura rasga o tecido da carne
enquanto sangra
no processo cirúrgico do poema
corta de cada palavra a sílaba
que não presta
de cada frase a palavra
de cada sílaba a letra morfa
e o poeta vai vivendo no que resta
fulinaíma sax blues poesia
ela era Bruna
em noite de blues rasgado
soltou a voz feito Joplin
num canto desesperado
por ser primeiro de abril
aquele dia marcado
a voz rasgou a garganta
da santa loucura santa
com tanta força no canto
que até hoje me lembro
daquela musa na sala
com tua boca do inferno
beijando meus dentes na fala
No universo paralelo
Tenho mestrado Bíblico
Em chá de cogumelo
Federico Baudelaire
Pássaros Elétricos
Vivem a vida por um fio
Federika Bezerra
Dê livros
Dê
Beijos
Dê
Lírios
Gigi Mocidade
pan(demônica)
passeio os pés descalços sobre covas rasas
contando ossos no poema exposto
no sujeito do objeto
tudo isso exposto nesse papo reto
segue o passo norte
não leio cartas de suicídio
nem decreto de hospício
na tentação que me conforte
quero matar o genocídio
pra não morrer
antes da morte
*
terra de santa cruz
I
ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme
II
salgado mar de fezes
batendo nas muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de Tiradentes
III
salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás
IV
meu coração
é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta:
ou
viram
no Ipiranga
às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta
V
só desfraldando
a bandeira tropicalha
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios
dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza
com a pátria mãe que nos pariu
1º de Abril
telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam homens indefesos
esperei-te 20 anos
até hoje não vieste à minha porta
VI
o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na Geléia Geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my Brazyl
minha verde/amarela esperança
Portugal já vendeu para França
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul
VII
o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta feira
nesta porra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:
meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá
a veia de curumim
é coca cola & guaraná
VIII
o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank
IX
ó baby a coisa por aqui não mudou nada
embora sejam outras siglas no emblema
espada continua a ser
espada
poema continua a ser poema
BraZílica
Pereira
neste país de fogo & palha
se falta lenha na fornalha
uma mordaz língua não falha
cospe grosso na panela
da imperial tropicanalha
não metam nestes planos
verdes/amarelos
meus dentes vãos/armados
nem foices nem martelos
meus dentes encarnados
alvos brancos belos
já estão desenganados
desta
sopa de farelos
PESSOA
não tenho pretensões
de ser moderno
nem escrevo poesia
pensando em ser eterno.
veja na minha língua
as labaredas do inferno
e só use o meu poema
com a força de quem xinga.
GENITAL
pasto no cosmo a soja secular de Jardinópolis
onde os discos-voadores sobrevoam meu nariz
na
cara das metrópoles.
no centro ao sul os cemitérios
possuem mais mistérios
que a nossa vã filosofia.
tem um animal de vagina espacial
na poesia & e um grande pênis roxo
milenar feito espiral em círculo
preparando imenso orgasmo
pra festejar o fim do século.
TROPICALIRISMO
GIRAssóis pousando
Nu – teu corpo: festa
beija-flor seresta
poesia fosse
esse sol que emana no teu fogo farto
lambuzando a uva de
saliva doce.
LENÇÓIS
DE RENDA
LENÇÓIS
DE RENDA
poderia abrir teu corpo com os meus dentes
rasgar panos e sedas
com as unhas arreganhar as tuas fendas
desatar todos os nós
da tua cama arrancar os cobertores
rasgando as rendas dos lençóis
perpetuar a ferro e fogo
minhas marcas no teu útero
meus desejos imorais
maldizendo a hora soberana
com a força sobre humana dos mortais
quando vens me oferecer migalha e fruto
como quem dá de comer aos animais
ALUCINAÇÕES
(IN)TERPOÉTICAS
O QUE é que mora em tua boca bia? um deus. um anjo. ou muitos
dentes claros como os olhos do diabo e uma estrela como guia?
O QUE é que arde em tua boca bia? azeite sal pimenta e alho résteas
de cebola um cheiro azedo de cozinha tua boca é como a minha?
O QUE é que pulsa em tua boca bia? mar de eternas ondas que
covardes não navegam, rios de águas sujas onde os peixes se apagam.
ou um fogo cada vez mais Dante como este em minha boca de
poeta delirante nesta noite cada vez
mais dia em que acendo os meus infernos em tua boca bia?
LUNÁTICA
um gato noturno atira pedras nas estrelas
palavras e mais palavras na carne da princesa.
onde o papel não bate onde
o pincel não toca.
o gato noturno lambe a barriga
bem perto da virilha e trepa
no muro mais próximo
tentando alcançar o outro lado da lua
em seu instante letal
de desespero
e solidão.
FROYDIANA
azul são os
teus olhos
a cor dos pelos não conheço
teus seios ainda não
toquei
Dracena – é uma terra roxa
nave extra terrena
que humanos não decifraram
pequena vagina virgem
onde os dedos ainda não entraram
e os cachos de uvas apodrecem nos teus dentes
com um cheiro de leite ardente esguichando na distância.
pátria a(r)mada
só me queira assim
caçado
mestiço vadio latino
leão feroz cão
danado
perturbando o seu
destino
e só me queira
encapetado
profanando aqueles
hinos
malandro moleque
safado
depravando os seus
meninos
só me queira
enfeitiçado
veloz macio felino
em pelo nu depravado
em sua cama sol à
pino
e só me queira
desalmado
cão algoz e
assassino
duplamente descarado
quando escrevo e não
assino
alguma poesia
não bastaria a poesia deste
bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa
carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.
não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.
não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.
não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e um cheiro de fêmea no ar devorador
aparentando realismo hipermoderno
num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos
não bastaria toda poesia
que eu trago em minha alma um tanto
porca,
este postal com uma imagem meio
Lorca:
um bondinho aterrissando lá na Urca
e esta cidade deitando água em meus destroços
pois se o cristo redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e na certa só faria poesia com os meus
ossos.
Suor
& Cio
*
Indigesta
ê fome negra incessante
febre voraz gigante
ê terra de tanta cruz
onde se deu 1ª missa
índio rima com carniça
no pasto pros urubus
oh! My Brazyl
ainda em alto mar
Cabral quando te viu foi logo gritando:
- Terra à
Vista!
e de
bandeja te entregando
pra
união democrática ruralista
por aqui nem só beleza nesses dias de
paupéria
nação de tanta riqueza país de
tanta miséria
Tecidos sobre a Terra
Terra, antes que alguém morra escrevo
prevendo a morte arriscando a vida antes que seja tarde e que a língua da minha
boca não cubra mais tua ferida entre aberto em teus ofícios é que meu peito de
poeta sangra ao corte das navalhas e minha veia mais aberta é mais um rio que
se espalha amada de muitos sonhos e pouco sexo deposito a minha boca no teu cio
e uma semente fértil nos teus seios como um rio
o que me dói é ver-te devorada por estranhos olhos e deter impulsos por
fidelidade ó terra incestuosa de prazer e gestos não me prendo ao laço dos teus
comandantes só me enterro à fundo nos teus vagabundos com um prazer de fera e
um punhal diamante minha terra é de senzalas tantas enterra em ti milhões de
outras esperanças soterra em teus grilhões a voz que tenta – avança plantada em
ti como canavial que a foice corta mas cravado em ti me ponho a luta mesmo
sabendo – o vão estreito em cada porta
MOENDA
Usina mói a cana
o caldo e o bagaço
Usina mói o braço
a carne o osso
Usina
mói o sangue a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
:
o saldo e o lucro
o preço
atual
proíbes
que me comas
mas pra
ti estou de graça
pra ti
não tenho preço
sou eu
quem me ofereço
a ti:
músculo e osso
leva-me à boca
e
completa o teu almoço
BraziLíricaPereira
:
A Traição das Metáforas
*
1968
ou
: a investigação
uilcorneana
quem és tu Uilcon Pereira
que foste fazer na Sorbonne?
ter aulas com Sartre
ou cantar a Simone?
fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando
falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher.
braziLírica amanheceu incrédula: manchetes, vozerios, falatórios, assembleias, faixas,
cartazes. por todas as vias, multivias, multimeios, os ofendidos habitantes
brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não
ao Sim.
E margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. Mas César que não é Castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela, e um dia fedra sorrindo, com o pênis/baton da louca, foi ao boca de luar da fedra e voltou com o luar na boca.
poema 1
entre a pele e a flor no asco com meia sola no
sapato o meu vapor mais que barato industrial e infonáutico entre o couro de
zinco e o cabelo mar de indecifrável plástico por entre o bronze dos teus pelos
entre o gozar cibernético em todo sangue magnético a minha carne pós poeira entre a flor
e o vaso de barro na homepage ou no carro na camisinha de vênus vírus H
corroendo em vita/plus ou na sala meu olho gótico TVendo BraziLírica lâmpada
fala por um tanto ou tanto quase cento e dez em cada fase não sendo assim acaba
sendo
poema
2
debaixo da sacada a escada torta pássaro sem teto
acima do delírio coração de porco crava no oco da noite a faca cega, punhal de
cinco estrelas na constelação do cão maior por onde Úrsula nua passeia Dédala
de Dandi Deusa de Dali lua de Dadá no coração do pintor sem fronteiras acima do
pé de abóbora embaixo do pé de cajá Malásia não é aqui Espanha não além mar Salvador
não é Dali a mulher que eu quero mesmo é uma Dedé que não Dadá Bia de Dante do
inferno Itamarati/Itamaracá constelação ursa maior pra Dadá meu coração pra Dedé
não sou cantor quando quero quero mesmo espuma nylon pele tecido isopor.
poundianna
Torquato era uma poeta que amou a Ana Leminski
profeta Que amou Alice um dia pós veio Uilcon torto pegou a Jóia di Ana juntou
na PereirAlice com o corpo de alma das duas foi Bouvoir Assombradado pra lá de
França ou Bahia roendo o osso do mito pois tudo que Sartre dizia o Anjo jurou
já ter dito
Nonada
:
- Biúte ria
poema
seis
estando quase
sempre e mesmo
estando
esteja breve
assim
como uma letra
escrita a lápis
numa estrela
aquarela rabiscada a giz
estando por um raio
esteja por um triz
pornofônico
confesso
se
este poema inocente primitivo natural indecente em teu pulsar navegante entrar por tua boca entre dentes espero que não
se zangue se misturar o meu sangue
em teu pensar quando antropo por todas bocas do corpo em total pornofonia na sangração da mulher me diga deusa
da orgia se também tu não me quer quando em ti lateja e devora palavra por palavra por fora dentro e por fora em pornografia sonora me diga Lady Senhora
nestes teus setenta anos se nunca gozou pelo ânus me diga Bia de Dora num plano lítero/estético qual
humano ou cibernético que te masturba ou
te deflora
vampiresco
um conto
mínimo 2
o senhor dos anéis não mostra os dedos muito menos o coração Bradesco onde um corpo na lama menos Vale que 1 real rasgado na boca do bueiro
poética 93
Tenho nojo do Agro
Negócio que me dá asco
por tanta perversidade
quem planta veneno
é carrasco
assassino da humanidade
onde a poesia
se espalha
a língua nativa
não é fogo de palha
é brasa viva
indicativo
olho dentro do teu olho
para que olhe na minha cara
e cara a cara me diga
a quantas anda a nossa briga
do nosso amor pela ética
se é tão estranha a poética
de só pensar lá na frente
que até perdi a conta
nesse pretérito faz de contas
das quantas vezes
que já votei pra presidente
e o nosso país do futuro
que nunca chega no presente
boca do inferno
por mais que te amar seja
uma zorra
eu te confesso amor pagão
não tem de ter perdão pra
nós
eu quero mais é o teu pudor
de dama
despetalando em meus lençóis
e se tiver que me matar que
seja
e se eu tiver que te matar que morra
em cada beijo que te der
amando
só vale o gozo quando for
eterno
infernizando os céus
e santificando a boca do
inferno
musicado e gravado por Luiz Ribeiro no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia -
2002
cacomanga 2
por entre trilhos e trilhas
por entre tralhas e troços
foto grafando os destroços
dos frutos podres no chão
ali nasci
minha infância
era só canaviais
ali mesmo aprendi
conhecer os donos de
fazenda
e odiar os generais.
no poema
o que ficou?
para Cesar Augusto de Carvalho
no poema ficou caco de vidros azulejando nos azuis no poema
ficou o corte mais aberto o sangue mais secreto tanto mal secando blues
no poema ficou a língua cega a faca desdentada a fome afiada
onde era mel agora é pus
no poema ficou o obsceno não sagrado o beijo ensanguentado o
abstrato do concreto no poema ficou um objeto um soneto esfacelado um hiato no
decreto
no poema ficou mais um retalho mais um trapo do espantalho nesse
circo abjeto no poema ficou o sangue amargo numa noite quase nada num curral
analfabeto
no poema ficou a escuridão nuvens de cinzas onde antes era luz
no poema eu fiquei de pé quebrado no velório esquartejado nessa terra tanta
cruz.
pátria
que pariu
para
Rubens Jardim
os dentes das pedras mordem a língua dos meus dias obscuros esse
país teve passado não tem presente nem futuro
peixe é bicho inteligente foge do óleo criminoso derramado nos
mares do nordeste - eita peixe cabra da peste!
nem sei em que planeta estamos
hoje nessa infernal atmosfera capitão boçal pede desculpas pelas cagadas
dos 3 filhos
Aí 5 é apenas os centímetros que um deles carrega pendurado entre as pernas esperma já virou porra
nesta pátria que pariu a besta fera
mulher dos sonhos
ela ainda guarda na boca este poema
entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela
fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda
não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de
fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas nas entre linhas
dela e salta das metáforas por entre portas e janelas
a barra
o rio é uma passagem
para encarar a barra
de frente
a rede pode prender o peixe
mas não me prende
os dentes
pesadelo ou nem Freud explica
ontem sonhei com a mulher dos
sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço e ela não
estava. a governanta me falou que estava em búzios. não a vi mas ouvi uma voz e
me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem
fala deve ser bem escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do
outro lado - deu pra ver dois olhos de búzios na areia ainda molhada pela
espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto.
era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos
quando percebi quem era acordei.
grafitemas e figuralidades
estou escrevendo um mini conto um
grafitema com figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade
certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois
grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água
à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu
dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim
me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus
cabelos de milho e ela me
perguntou o que era
catando cacos de cogumelos azuis
procurava apagar os rabiscos de giz nos azulejos enquanto
ouvia edvaldo santana adonirando um blues vivi-ane preparava um chá de
cogumelos azuis para depois do almoço que havíamos encontrado nas trilhas para
são tomé das letras em outras histórias de minas fragmentadas com pimenta
azeite e alho num caldeirão mágico incandescente a voz ultrapassava os
corredores e entrava na cozinha como uma ladainha em cortejo de fulia de reis
com aqueles palhaços com máscaras de bode no rosto imaginava a procissão em
romaria era tudo real o chá ainda estava sendo preparado mas os efeitos já
surgiam como se o líquido já tivesse sido ingerido ouvi uma das vozes da
procissão me pedindo um gole depois de tomá-lo ela toda de azul vermelho dançou
com muito mais volúpia e em um passo de
mágica todos os outros elementos da fulia começaram um ritual fulinaímico se
lançando para o alto como se fossem fogos de artifícios ninguém provou do chá
mas quando a dança terminou não havia mais um gole dentro do caldeirão vivi-ane
quase teve um troço ao ver o
utensílio vazio.
cacos de cogumelos azuis
alguns nomes nesta cidade me provocam desconcertam meus
neurônios carrapato imburi macuco muritiba uriticum lagoa dos paus sossego a vida aqui vive enrolada em seus
novelos São Francisco é tão pacata mais pacata que Arcozelo quando acordada não
anda quando dorme é pesadelo
cato caco nos azuis
cato cacos de vidros nos azuis lâminas de fogo nesse olho d'água algas de pedras nesse tempo ostras antes das
horas que o dia tarda e os tiranos cessem seu torpor maligno
cato caco de vidros nessa areia
carma e provo o sal o sangue o sexo a
saliva o cio dessas horas tontas são tantas horas perdidas outras
desencontradas na areia da praia no rabo
da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram
filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus
essas horas que já se perderam nos
currais do pasto de algum gentio pássaros
elétricos que se ejacularam queimando as penas nas tensões dos fios nos geradores desse Zeus me livre onde netuno não aporta mais os seus navios
entranhadas
em tuas coxas
escrevo como
quem
cata estrelas do mar na areia da praia
como quem come o rabo da arraia
montado no cavalo marinho
lambendo escamas de sereia
com os dentes cravados na memória
e as unhas entranhadas em tuas veias
na espuma branca de um pergaminho
não durmo. sonho. Dédala
passeia em minha camasob os meus lençóis de lã toda
palavra sã me despe desejo pelos poros
pelos nossos corpos separados apenas pela penugem do tecido quase dentro como Joice me trazendo Dédalus para o travesseiro eu te desejo como tudo que seja
carne nervos músculos ossos ela foge quando toco fogo paixão fome sede tesão
sexo acho até complexo ela gostar de conversar mas não sentir ou não querer ficar
olhando da janela do seu olho gótico como quem analisa feito dadaísta nem fiado nem a vista porque não pode se envolver
concretude versus conkrEreções
*
Delírica
da janela vou olhando o
trilho de ferro
do vagão barato o brasil do globo fica
lá distante em brazilírica
lá no meio do
mato. a carne
bela não viaja aqui
nem mora por perto da estação da luz
aqui tem merda carne de terceira lixo
de primeira pele podre pus
faca
uilcônica mortal
estanco o cavalo do sonho
no teu quartel do princípio
papel cortado na resma
a mula pasta acordada
a besta pulsa assombradada
no visgo quente da
lesma
trincheira
há uma gota de sangue
entre meus olhos e os teus
e muitas velas acesas
pra salvar a nossa carne
e bocas cheias de dentes
mastigando a nossa morte
mas eles é que morrerão
meu amor : num grande susto
quando nus virem
amando nessa cama
de ferro e de pau duro
poesia para desconcertos
Dédalus
para
Alberto Bresciani
e o seu
magnífico Hidroavião
o poeta pesca peixes
na floresta de concreto
lâminas de cimento
há séculos não está pra peixe
este
mar secreto
aqui redes em pânico
pescam esqueletos no ar
linhas de naylon degolam tartarugas
que morrem náufragas na
Av. atlântica
o poeta cata os cacos
que restaram desta pátria desossada
dentro da noite veloz
... e se fosse não apenas o que eu quisesse ela também fosse o
silêncio da fala a espera de uma outra
palavra que ainda não dissemos nos vazios de nossas bocas quando a língua se
esconde antes da cena acontecer. e se fôssemos
como dois perdidos numa noite suja
procurando a lamparina para dar a luz dentro dessa noite veloz até que exploda uma
vertigem no dia ?
poética
essa espessa nuvem de fumaça arregaça meus intestinos me provoca esse estado de não sei quantas adrenalinas essa besta no cio esse
desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão de soja em cada grão de
milho em cada folha de alface essa face carcomida antes dos trinta e eu aqui pensando a quantas anda os projetos do meu filho
incorporação
para Igor Fagundes
esse poema bárbaro
com fonema brazilírico
vai fazer meu aramaico
incorporar o seu delírico
palavras que incorporo
dança vento movimento
folhas verdes no algodão
fulinaíma dançarino
sertão moleque esse menino
do frevo xaxado xote blues
Juras
secretas
*
a língua escava entre os dentes
a palavra nova fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica
tudo o que quero conhecer:
a pele do teu nome
a segunda pele o sobrenome
no que posso no que quero
a pele em flor a flor da pele
a palavra dandi em corpo nua
a língua em fogo a língua crua
a língua nova a língua lua
fulinaímica/sagaranagem
palavra texto palavra imagem
quando no céu da tua boca
a língua viva se transmuta na viagem
Jura secreta 13
o tecido do amor já esgarçamos
em quantos outubros nos gozamos
agora que palavro Itaocaras
e persigo outras ilhas
na carne crua do teu corpo
amanheço alfabeto grafitemas
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de
lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
pulsando em nós flechas de fogo se
existisse
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
pele grafia
meus lábios em teus
ouvidos
flechas netuno
cupido
a faca na língua a
língua na faca
a febre em patas de
vaca
as unhas sujas de
Lorca
cebola pré sal com
pimenta
na tua língua com coentro
qualquer paixão re-invento
o corpo mar quando
agita
na preamar arrebenta
espuma esperma
semeia
sementes letra por
letra
na bruma branca da
areia
sem pensar qualquer
sentido
grafito em teu
corpo despido
poemas na lua cheia
para may pasquetti
fosse esta menina Monalisa
ou se não fosse apenas brisa
diante da menina dos meus olhos
com esse mar azul nos olhos teus
não sei se MichelÂngelo
Da Vinci Dalí ou Portinari
te anteviram
no instante maior da criação
pintura de um arquiteto grego
quem sabe até filha de Zeus
e eu Narciso amante dos espelhos
procuro um espelho em minha face
para ver se os teus olhos
já estão dentro dos meus
Jura secreta 18
te beijo vestida de nua somente a
lua te espelha
nesta lagoa vermelha porto alegre caís
do porto
barcos
navios no teu corpo
os peixes brincam no teu cio nus
teus seios minhas mãos
as rendas finas que vestias sobre
os teus pelos ficção
todos os laços dos tecidos aquela
cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
rio em pele feminina
o rio com seus
mistérios
molha meu cio em silêncio
desejo o que nos separa
a boca em quantos minutos
as
flores soltas na fala
o pó dos ossos dos anos
você me diz não ter pressa
seus olhos fogo na sala
o beijo um lance de dados
cuidado cuidado cuidado
que sou um anjo de fadas
não beije assim meus segredos
meus olhos faróis nos riachos
meus braços dois afluentes
pedaços
do corpo do rio
meus seios ilhas caladas
das chamas não conhece o pavio
se você me traz para o cio
assim que o sexo aflora
esta palavra apavora
o beijo dado mais cedo
quebra meu ser no espelho
meu cerne é carne de vidro
na profissão dos enredos
quanto mais água me sinto
presa ao lençol dos seus dedos
o rio retrata meu centro
na solidão de mim mesma
segundo a segundo nas águas
lá onde o sol é vazante
lá onde a lua é enchente
lá onde o rio é estrada
onde coloca seus versos
me encontro peixe e mais nada
Jura secreta 29
esfinge
o amor
não é apenas um nome
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome
é que a pele do teu nome
consome a flor da minha pele
cravado espinho na chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge:
Clarice/Beatriz:
assim vivemos cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nossos profanos segredos
se um dia falta coragem
a noite sobra do medo
é que na sombra da tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente
o nome tem seus mistérios que
se escondem sob panos
o sol é claro quando não chove
o sal é bom quando de leve
para adoçar desenganos
na língua na boca na neve
o mar que vai e vem não tem volta
o amor é a coisa mais torta
que mora lá dentro de mim
teu céu da boca é a porta
onde o poema não tem fim
Jura
Secreta 37
baby cadelinha
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus
onde me perco mais me encontro menos
de tudo o que não sei
só fere mais quem menos sabe
sabre de mim baioneta estética
cortando os versos do teu descalabro
visto uma vaca triste como a tua cara
estrela cão gatilho morro:
a poesia é o salto de um vara
disse-me uma vez só quem não me disse
ferve o olho do tigre enquanto plasma
letal a veia no líquido do além
cavalo máquina meu coração quando
engatilho
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob os demônios de Eros
onde minto mais porque não veros
fisto uma festa mais que tua vera
cadela pão meu filho forro:
a poesia é o auto de uma fera
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ?
perfume o odor final do melodrama
sobras de mim papel e resma
impressão letal dos meus dedos imprensados
misto uma merda amais que tua garra
panela estrada grão socorro:
a poesia é o fausto de uma farra
Jura Secreta 41
Goytacá Boy musicado e cantado por
Naiman
no CD fulinaíma
sax blues poesia
ando por São Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara
juntei meu goytacá teu guarani
tupy or not tupy
não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara
para falar para lamber para lembrar
da sua língua arco íris litoral como colar de uiara
é que eu choro como a chuva curuminha
mineral da mais profunda lágrima que mãe chorara
para roçar para provar para tocar
na sua pele urucum de carne e osso
a minha língua tara sonha comer do teu almoço
e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão que restou da Guanabara
Jura Secreta 43
veraCidade
por quê trancar as portas tentar proibir as entradas se já habito os teus cinco sentidos e as janelas estão escancaradas
?
um beija flor risca no espaço algumas letras de um alfabeto grego signo de comunicação indecifrável eu tenho fome de terra e esse asfalto sob a sola dos meus pés agulha nos meus dedos
quando piso na Augusta o poema dá um tapa na cara da Paulista flutuar na zona do perigo entre o real e o imaginário João Guimarães Rosa Caio Prado Martins Fontes um bacanal de ruas tortas
eu não sou flor que se cheire nem mofo de
língua morta o correto deixei na Cacomanga
matagal onde nasci com os seus dentes de concreto São Paulo é quem me devora e selvagem devolvo a dentada na carne da rua Aurora
Jura Secreta 53
sagaraNAgens fulinaímicas
guima meu
mestre guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste
da Hygia Ferreira bem casta
aqui nas bandas do leste
a fome de carne é madrasta
ave palavra profana cabala que vos fazia
veredas em mais Sagaranas
a Morte em Vidas/Severinas
tal qual antropofagia teu grande Sertão vou cumer
nem João Cabral Severino nem Virgulino de matraca
nem meu padrinho de pia me ensinou usar faca
ou da palavra o fazer
a
ferramenta que afino roubei do
mestre Drummundo
que o diabo GiraMundo
é o Narciso do meu Ser
Jura secreta 57
meta metáfora no poema meta
como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste
como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece
O poeta enquanto coisa
*
obscuro objeto do desejo
de pedra dourada ficaram portas janelas
de entradas e saídas a sedução de dois olhos em
minha carne proibida nem tanto pelo o que
falo nem tanto pelo que sinto a vodka a cereja o conhac o abismo o
labirinto
de pedra dourada ficou um café orgânico no teu sertão encantada numa manhã de domingo do outro lado da trilha com tanta veracidade que me esqueci da idade e me apaixonei por tua filha
de pedra dourada ficaram olhos acesos do outro lado a janela o espelho as contas de vidro o jogo da sedução a maravilha os passeios nas cachoeiras os banhos de bar o carnaval aquela delícia louca o batom na minha língua o cheiro das flores do mal
meu bem-me-quer na tua boca
tragédia infame
empresto minha voz aos deserdados
os desnutridos os que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem
mesmo a mesa e essa pergunta pra resposta que não vinha nem bolinho de chuva nem broa de milho nem
carne seca com farinha
espinha de peixe na garganta é o
que sobrou pra curuminha - empresto meu corpo minha voz a esses personagens os que tem sede os que tem
fome ou que morrem assassinados nos guetos nos campos nas cidades por balas de canhão
rajadas de fuzil
estás fudido brasil entregue as traças então me resta exterminar
o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça
Federico
Baudelaire
Mestre Sala da Mocidade
Independente de Padre Olivácio - A
Escola de Samba Oculta no InConsciente Coletivo – Bispo da Igreja Universal do
Reino de Zeus
ancestral
há muito tempo não recebo cartas de ninguém
mas não rezo padre nossos
simplesmente para dizer amém
já fui católico rezei terços ladainhas
acompanhei a procissão dos afogados
na Tapera para soletrar a palavra Cacomanga
e entender que o barro da cerâmica
trago grudado na minha íris retina
meu batismo de fogo foi numa Santa Cecília
entre víboras e serpentes mordi a
hóstia do padre
sua saia preta me levou ao pânico de
sonhar com juízes
e hoje saber o que são
minha África são os olhos negros de Madame Satã
na língua tenho uma sede felina na
carne essa fome pagã
sou um homem comum filho de Ogum com Iansã
língua
minha língua é safada nua e crua não gasta palavra a toa não
canta palavra gasta nem é fado de Lisboa é blues rasgado pedra de toque samba
rock plug ligado no navio ou na canoa bebe do Rio e de Sampa nos demônios da
garoa
fio desencapado tensão eletricidade tesão canibalidade na
voracidade da Pessoa
mamãe coragem
numa canção do Lenine o peixe está na rede o mar está com sede o rio agora chora onde esta cidade pedra veracidade medra eu te esfinjo drama onde a ferocidade Fedra eu te desejo deda eu te devoro dama pensando a trama Torquato eu disse mamãe coragem a vida é sagaranagem na elegia da hora fulinaíma é viagem te levo na minha bagagem não chora mamãe não chora
o homem com a flor na bo
*
lugar de não sei onde
ancorei os meus cavalos
na boca da areia
as tripas retorcidas no galope
no areal a sinfonia do ontem
um horizonte cinza de um futuro que não chega
peixes flutuando depois da asfixia levo meus assombros
para um lugar de não sei onde
poema 5
para Jorge Ventura
a faca não cala do poema a fala
Dionísio Neto de Bacco quem sabe filho de Zeus jantou numa Santa Ceia na casa de Prometeus nas madrugada de Bento lambeu o vinho nos seios das Bacantes no convento por todos poros do corpo por todos pelos e meios depois grafitou nas vidraças com dedos de diamantes a Rosa de Hirochima num coração estudante depois de romper o dia por volta da seis e meia era um coração de poeta com poesia na veia
meus caninos
já foram místicos
simbolistas
sócio políticos
sensuais eróticos
mordendo alguma história
agora são dentes famintos
cravados na pele da memória
tem algo errado
nessas estatísticas de mortes
dessa drástica pandemia
multipliquem 60.000 X
10
e ainda não vai ser exato
o número de cadáveres
empilhados nos campos de concentração
que transformaram esse país
que nunca foi uma nação
arranco mais uma pérola
do ventre de hilda triste
na porta da tua casa
meu poema ainda insiste
a menina que matou o tempo
o vento também comia
na lâmina o catavento
pra espantar a maresia
nas ruínas de santa teresa
era domingo de poesia
bateu uma pedra no rock
e nos levou na ventania
poema 17
com os dentes cravados na memória
para Flora Filipe Sofia Alice Isadora meus
tesouros
I
por todos anos 80 ipanema 83 flora recém nascida e eu chegando aos 40 gomes carneiro visconde de pirajá bem próximo ao carinhoso bartolo com seu trumpete depois que a noite dormia tocava uma pérola negra e beijava o novo dia no boteco de onde estava conselheiro lafaiete refúgio da boemia me acordou com seu trumpete clarividência aflorava sonoridade – melodia logo depois era Drummond na praça general osório pra enriquecer meu repertório na pedra da poesia
II
ipanema 84 filipe recém nascido
por esses tempos vividos
naquela aldeia carioca
com todo vapor barato
na tribo os sete sentidos
nesses dentes da memória
os 5 presentes no corpo
outros 2 ganhos no tapa
pelas ruas de ipanema
ou pelos becos da lapa
poema 21
nos meus delírios baudeléricos
ou mesmo fossem baudelíricos
sonho teu corpo flor
de cactos
como se fosse flor de lírios
toco teus pelos flor do mangue
pulsando sangue em teus martírios
penso teu sexo flor
de lótus
sagrada flor dos meus delírios
resumo
ela tinha as mãos tão suaves que tocavam-se como quem tem a
pele sob a chuva de setembro eu procurava colher maçãs no horto de Santa Maria
Madalena olhava a montanha e lembrava-me de selvagem que fui aos olhos dela
enquanto ainda vivia na tapera o meu cavalo deixava na porta da cidade escrevi
sobre isso no poema quando o tempo rasgou meu corpo na calçada e trouxe-me
folhas de papel em branco.
Goytacá
Boy 2
araraquara guaxindiba itaocara grumari
o que liga essas palavras ao
eu vocabulário
a carne índia o sangue a cachaça paraty
grussaí guarapary baia da guanabara
juntei meu goytacá seu guarani
tupi or not tupi
não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara
capivari tucuruvi taubaté pindamonhangaba piracicaba pirapora piraí paranapiacaba vim da tapera carioca do roçado do aipim cacomanga minha toca meu coração ururaí tupinambá goytacá tupiniquim quanta selva quanta mata desmatada desde o dia que o português pisou aqui
para falar para lamber para lembrar da sua língua arco íris litoral como colar de uiara é que eu choro como a chuva curuminha mineral da mais profunda lágrima que mãe chorara
para roçar para provar para tocar na sua pele urucun de carne e osso a minha língua tara sonha cumer do teu almoço e ainda como um doido curuminha a lamber o chão que restou da Guanabara
juntei meu goytacá seu guarani
tupi or not tupi não foi a língua que
ouvi
em sua boca caiçara
gargaú guriri itapevi abapuru minha musa antropofágica tem o nome de pagu tarcila anita d´alkmim itaim guarujá piratininga itapetinga itaquera quantas palavras ensanguentadas nas taperas
santeiro do mangue minha pátria meu tesouro 100 anos se passaram como vento e são paulo transformou-se nessa selva de concreto uma cidade de cimento
olho de lince
para Tchello
d´Barros
onde engendro a Sagarana
invento a
Sagaranagem
entre a vertigem e a voragem
na palavra de origem
entre a língua e a miragem
São Bernardo
e Diadema
mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema
Artur Gomes é poeta do corpo e da alma. Do corpo, pois as sensibilidades da pele
estão devidamente traduzidas na extensão da sua obra. Também da alma, pois
extrai das invisibilidades a força de um viver que resiste e insiste nas
guerrilhas poéticas do cotidiano. Uma voz que ecoa Brasil afora, seja dizendo
seus versos, lançando seus livros ou fazendo da poesia um espetáculo
audiovisual.
Escreve e recita com grande
expressividade. Produz e arrasta para a ribalta a poesia necessária. Versos que
berram diante do espelho os silêncios que traduzem sua vitalidade poética.
Artur publicou livros e se destaca por extrair da palavra escrita a oralidade
necessária. Assim, se apresenta agora com mais uma obra para dizer que só o que
transborda naturalmente, permanece e se reproduz.
Lau Siqueira
Artur Gomes é poeta, ator,
videomaker e produtor cultural. Tem diversos livros publicados, sendo os mais
recentes SagaraNAgens Fulinaímicas
(Edições Du Bolso – 2015), Juras
Secretas (Editora Penalux, 2018) O
Poeta Enquanto Coisa (Editora
Penalux – 2020 ) e Pátria A(r)mada
(Editora Desconcertos, 2019). Prêmio Oswald de Andrade – UBE-Rio – 2020 – Tem inédito: O Homem Com A Flor Na Boca e Da Nascente
A Foz : Um Rio De Palavras (livro de memória)
Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Instituto Federal Fluminense em Campos
dos Goytacazes-RJ de 1975 a 2002.
Em 1983, criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira
Em 1993, idealizou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira Mário de Andrade — 100 Anos — realizada
pelo SESC São Paulo.
Em 1995 criou o Projeto Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim, executado pelo SESC-SP em várias unidades na capital e pelo Estado.
Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, realizado até 2019 pela Fundação
Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazs-RJ onde foi Diretor
de Projetos Especiais de 1999 a 2004.
Em 2002 lançou o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia , com seus
parceiros Dalton Freire, Luiz
Ribeiro, Naiman e Reubes Pess.
Em 2021 fez curadoria para a Mostra Cine e Vídeo De Poesia Falada. realizada
pelo SESC Piracicaba-SP.
Integrou a Comissão Julgadora do
Festival Cine Urutu, realizado pela Prefeitura de Pindamonhangaba-SP
Com seu videopoema Goytacá
Boy é um dos poetas que integram a Mostra Virtual de Videopoemas do Projeto
Bossa Criativa, Arte de Toda Gente, realizado pela FUNRTE Rio.
Atualmente é coordenador de cultura na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima em Campos dos Goytacazes-RJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário