sábado, 6 de abril de 2024

Artur Gomes - Pátria A(r)mada


Recebi o meu exemplar. Artur Fulinaíma amigo de longas datas. Poesia livre, corajosa, que não deseja estar sempre num mesmo formato. Só os poetas com as ousadias atrevidas de um Artur Gomes conseguem criar novas espacialidades, novas fonéticas, novos desafios de leituras e de interpretação.

Salomão Sousa

Sobre Pátria A(r)mada 


ARTUR GOMES

Prêmio Oswald de Andrade – UBE-Rio – 2020

ê fome negra incessante

febre voraz gigante

ê terra de tanta cruz

onde se deu primeira missa

índio rima com carniça

no pasto pros urubus

oh! myBrazyl

ainda em alto mar

Cabral quando te viu

foi logo gritando:

terra à vista!

e de bandeja te entregando

pra união democrática ruralista.

por aqui nem só beleza

nesses dias de paupéria

nação de tanta riqueza

país de tanta miséria


 Imagem: Felipe Stefani


 TRÊS TOQUES PARA PENETRAR NA NOITE ESCURA  DESTA

PÁTRIA A(R)MADA 


Ademir Assunção

1

Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta. O CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em parceria  com os músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e ReubesPess, nos primórdios deste terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas. Navalhas que acariciam, mas também cortam a pele do ouvinte.


Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como “poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”. Há dor por uma terra prometida e sempre adiada, “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”. É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões: “eu não tenho pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”.

2

Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem que vai de Arnaut Daniel a Zé Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns.

Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um território de folias macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”?

3

Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando “a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo.

 Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções.

Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016. Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica  profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos desses versos ecoarão  nos ouvidos de muitos e cortarão a carne de tantos: “ó, baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema / espada continua a ser espada / poema continua a ser poema”.

*

 Ademir Assunção poetaescritorjornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA. 

                   

Fome é tema de ensaio fotográfico

 com ossos à venda em bandejas

 

come osso menina come osso menino

não há mais metafísica no mundo

do que comer osso

 

no açougue ou no mercado

osso de graça já foi dado

hoje é vendido hoje é comprado

 

come osso maria come osso mané

come osso joão com arroz e feijão quebrado

 

porque nesse país sem nome temos que comer osso

para matar a nossa fome


*

  

já podeis

da pátria, filho

ver demente

a mãe gentil

 

já raiou a liberdade

em cada cano de fuzil

 

salve lindo

fuzil que balança

entre as pernas

a(r)madas da paz

 

a  gripezinha

era a certeza esperança

de um genocida

imbecil incapaz

   

                                                                      

                                                             

vida

sempre em  suspense

alegria prova dos nove

fanatismo nã0 me convence

muito menos me comove

 

 Navegar é preciso

           para Fernando Aguiar

 

Aqui redes em pânico

pescam esqueletos no mar

esquadras  descobrimento

espinhas de peixe convento

     cabrálias esperas relento

     escamas secas no prato

       e um cheiro podre no AR

  

caranguejos explodem

   mangues em pólvora

 

é surreal a nossa realidade

tubarões famintos devoram cadáveres

em nossa sala de jantar

 

como levar o   barco

em meio a essa tempestade

navegar é preciso

mas está dificilíssimo navegar


Deus não joga dados

mas a gente lança

sem nem mesmo saber

se alcança

o número que se quer

 

mas como me disse mallarmè

:

- vida não é lance de dedos

A vida é lança de dardos

Deus não arde no fogo

                   mas eu ardo


poema a(r)mado

 

todo os dias

capino a esperança

escavando outras palavras

no chão desse quintal

 

e quando escrevo com enxada

                   o poema é mais real 


 

cacomanga

 

na roça desde cedo comecei a escavar palavras e separar uma das outras de acordo com o seu significado dar farelo de milho para os porcos e olhadura de cana para o gado aprendi que no terreiro não dependo de mercado e para que urbanidade se a cidade não tem paz com a enxada capinei a liberdade e descobri que ditadura        é uma palavra que não cabe nunca mais

*

 quando escrevo e eu mesmo não entendo o significado de uma determinada metáfora lanço a maldita no vento invento outra e vou ao centro do universo e xingo teu nome: garrutio lamparão de bico kabrunco de poema           que não me dá sossego

 

Federika Lispector 

*

 testamento

 

a tesoura rasga o tecido da carne

enquanto sangra

no processo cirúrgico do poema

corta de cada palavra a sílaba

que não presta

de cada frase a palavra

de cada sílaba a letra morfa

e o poeta vai vivendo no que resta


fulinaíma sax blues poesia

 

                     ela era Bruna

em noite de blues rasgado

soltou a voz feito Joplin

num canto desesperado

por ser primeiro de abril

aquele dia marcado

 

a voz rasgou a garganta

da santa loucura santa

com tanta força no canto

que até hoje me lembro

daquela musa na sala

 

com tua boca do inferno

beijando meus dentes na fala


No universo paralelo

Tenho mestrado Bíblico

Em chá de cogumelo

 

                    Federico Baudelaire

  

Pássaros Elétricos

Vivem a vida por um fio

 

                                                 Federika Bezerra


 

                                             Dê livros

                                       Dê Beijos

                                       Dê Lírios

                                  

                                                   Gigi Mocidade


pan(demônica)

 

passeio os pés descalços sobre covas rasas

contando ossos no poema exposto

                           no sujeito do objeto

tudo isso exposto nesse papo reto

                          segue o passo norte

não leio cartas de suicídio

nem decreto de hospício

na tentação que me conforte

quero matar o genocídio

          pra não morrer antes da morte



Couro Cru & Carne Viva

terra de santa cruz

I

ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme
 

II

salgado mar de fezes
batendo nas muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de Tiradentes

 

III

salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás

 

IV

meu coração
é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta:
ou
viram

no Ipiranga

às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta


V

só desfraldando

a bandeira tropicalha
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios
dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza

com a pátria mãe que nos pariu

 

1º de Abril

 

telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão

na rua sob patas
tombavam homens indefesos

esperei-te 20 anos
até hoje não vieste à minha porta

 

VI

o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na Geléia Geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my Brazyl

minha verde/amarela esperança
Portugal já vendeu para França
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul


VII

o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta feira
nesta porra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:


meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá 

a veia de curumim
é coca cola & guaraná


VIII

o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank

IX

ó baby a coisa por aqui  não mudou nada
embora sejam outras  siglas no emblema
                     espada continua a ser espada 

                   poema continua a ser poema


BraZílica Pereira

 

neste país de fogo & palha
se falta lenha na fornalha
uma mordaz língua não falha
cospe grosso na panela
da imperial tropicanalha

não metam nestes planos
verdes/amarelos
meus dentes vãos/armados
nem foices nem martelos
meus dentes encarnados
alvos brancos belos
já estão desenganados
   desta sopa de farelos


PESSOA

 

não tenho pretensões

de ser moderno

nem escrevo poesia

pensando em ser eterno.

 

veja na minha língua

as labaredas do inferno

e só use o meu poema

com a força de quem xinga.

 

 GENITAL

pasto no cosmo a soja secular de Jardinópolis

onde os discos-voadores sobrevoam meu nariz

                                           na cara das metrópoles.

 

no centro ao sul os cemitérios

possuem mais mistérios

que a nossa vã filosofia.

 

tem um animal de vagina espacial

na poesia & e um grande pênis roxo

milenar feito espiral em círculo

preparando imenso orgasmo

pra festejar o fim do século.


TROPICALIRISMO

 

GIRAssóis pousando

Nu – teu corpo: festa

beija-flor seresta

         poesia fosse

 

esse sol que emana no teu fogo farto

lambuzando a uva  de saliva doce.


LENÇÓIS DE RENDA

LENÇÓIS DE RENDA


poderia abrir teu corpo com os meus dentes

rasgar panos e sedas

com as unhas arreganhar as tuas fendas

desatar todos os nós

da tua cama arrancar os cobertores

rasgando as rendas dos lençóis

 

perpetuar a ferro e fogo

minhas marcas no teu útero

meus desejos imorais

maldizendo a hora soberana

com a força sobre humana dos mortais

quando vens me oferecer migalha e fruto

como quem dá de comer aos animais


ALUCINAÇÕES (IN)TERPOÉTICAS

 

O QUE é que mora em tua boca bia? um deus. um anjo. ou muitos dentes claros como os olhos do diabo e uma estrela como guia?

O QUE é que arde em tua boca bia? azeite sal pimenta e alho résteas de cebola um cheiro azedo de cozinha tua boca é como a minha?

 

O QUE é que pulsa em tua boca bia? mar de eternas ondas que covardes não navegam, rios de águas sujas onde os peixes se apagam.

ou um fogo cada vez mais Dante como este em minha boca de poeta delirante  nesta noite cada vez mais dia em que acendo os meus infernos em tua boca bia?


 

LUNÁTICA

 

um gato noturno atira pedras nas estrelas

palavras e mais palavras na carne da princesa.

 onde o papel não bate onde o pincel não toca.

 

o gato noturno lambe a barriga

bem perto da virilha e trepa

no muro mais próximo

tentando alcançar o outro lado da lua

em seu instante letal

de desespero       e                       solidão. 

 

 FROYDIANA

 

           azul são os teus olhos

a cor dos pelos não conheço

  teus seios ainda não toquei

 

Dracena – é uma terra roxa

nave extra terrena

que humanos não decifraram

pequena vagina virgem

onde os dedos ainda não entraram

 

e os cachos de uvas apodrecem nos teus dentes

com um cheiro de leite ardente esguichando na distância.


pátria a(r)mada

 

só me queira assim caçado

mestiço vadio latino

leão feroz cão danado

perturbando o seu destino

 

e só me queira encapetado

profanando aqueles hinos

malandro moleque safado

depravando os seus meninos

 

só me queira enfeitiçado

veloz macio felino

em pelo nu depravado

em sua cama sol à pino

 

e só me queira desalmado

cão algoz e assassino

duplamente descarado

quando escrevo e não assino


alguma poesia 



 não bastaria a poesia deste bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa
carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.


não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.


não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.

 

não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e um cheiro de fêmea no ar devorador

aparentando realismo hipermoderno
num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos

 

não bastaria toda poesia

que eu trago em minha alma um tanto porca,

este postal com uma imagem meio Lorca:
um bondinho aterrissando lá na Urca
e esta cidade deitando água em meus destroços
pois se o cristo redentor  deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e  na certa só faria poesia com os meus ossos.


Suor & Cio

 Indigesta

 

ê fome negra incessante

febre voraz gigante

ê terra de tanta cruz

 

onde se deu 1ª missa

 índio rima com carniça

no pasto pros urubus

 

oh! My  Brazyl  ainda em alto mar  

Cabral quando te viu foi logo gritando:  

 

- Terra à  Vista!

 e de bandeja te entregando

 pra união democrática ruralista

por aqui nem só beleza  nesses dias de paupéria
nação de tanta riqueza        país de tanta miséria


Tecidos sobre a Terra

Terra, antes que alguém morra escrevo prevendo a morte arriscando a vida antes que seja tarde e que a língua da minha boca não cubra mais tua ferida entre aberto em teus ofícios é que meu peito de poeta sangra ao corte das navalhas e minha veia mais aberta é mais um rio que se espalha amada de muitos sonhos e pouco sexo deposito a minha boca no teu cio e uma semente fértil nos teus seios como um rio  o que me dói é ver-te devorada por estranhos olhos e deter impulsos por fidelidade ó terra incestuosa de prazer e gestos não me prendo ao laço dos teus comandantes só me enterro à fundo nos teus vagabundos com um prazer de fera e um punhal diamante minha terra é de senzalas tantas enterra em ti milhões de outras esperanças soterra em teus grilhões a voz que tenta – avança plantada em ti como canavial que a foice corta mas cravado em ti me ponho a luta mesmo sabendo – o vão estreito em cada porta

 

MOENDA

Usina mói a cana
o caldo e o bagaço

Usina mói o braço
a carne o osso

Usina
mói o sangue a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço

e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam

:

o saldo e o lucro


carne proibida

 

o preço atual

proíbes que me comas

mas pra ti estou de graça

pra ti não tenho preço

sou eu quem me ofereço

a ti: músculo e osso

        leva-me à boca

e completa o teu almoço


BraziLíricaPereira :

 A Traição das Metáforas 

1968

 

ou

: a investigação

uilcorneana

 

 

quem és tu Uilcon Pereira

que foste fazer na Sorbonne?

 

ter aulas com Sartre

ou cantar a Simone?


 drummundana itabirina 

fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. braziLírica amanheceu incrédula: manchetes, vozerios, falatórios, assembleias, faixas, cartazes. por todas as vias, multivias, multimeios, os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim.

E margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. Mas César que não é Castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela, e um dia fedra sorrindo, com o pênis/baton da louca, foi ao boca de luar da fedra e voltou com o luar na boca. 


poema 1

 

entre a pele e a flor no asco com meia sola no sapato o meu vapor mais que barato industrial e infonáutico entre o couro de zinco e o cabelo mar de indecifrável plástico por entre o bronze dos teus pelos entre o gozar cibernético em todo sangue magnético a minha carne pós poeira entre a flor e  o vaso de barro na homepage ou no carro na camisinha de vênus vírus H corroendo em vita/plus ou na sala meu olho gótico TVendo BraziLírica lâmpada fala por um tanto ou tanto quase cento e dez em cada fase não sendo assim acaba sendo


poema 2

 

debaixo da sacada a escada torta pássaro sem teto acima do delírio coração de porco crava no oco da noite a faca cega, punhal de cinco estrelas na constelação do cão maior por onde Úrsula nua passeia Dédala de Dandi Deusa de Dali lua de Dadá no coração do pintor sem fronteiras acima do pé de abóbora embaixo do pé de cajá Malásia não é aqui Espanha não além mar Salvador não é Dali a mulher que eu quero mesmo é uma Dedé que não Dadá Bia de Dante do inferno Itamarati/Itamaracá constelação ursa maior pra Dadá meu coração pra Dedé não sou cantor quando quero quero mesmo espuma nylon pele tecido isopor.


poundianna

 

Torquato era uma poeta que amou a Ana Leminski profeta Que amou Alice um dia pós veio Uilcon torto pegou a Jóia di Ana juntou na PereirAlice com o corpo de alma das duas foi Bouvoir Assombradado pra lá de França ou Bahia roendo o osso do mito pois tudo que Sartre dizia o Anjo jurou já ter dito

Nonada

:

-  Biúte ria


poema seis

 

estando quase

sempre e mesmo

estando

esteja breve

assim

como uma letra

escrita a lápis

numa estrela

aquarela rabiscada a giz

 

estando por um raio

esteja por um triz


curto circuito

quem disse que amor
é mudo surdo cego
não sabe o que carrego

em meu estado de sítio
em meu instante  de surto

pornofônico confesso


se este poema inocente primitivo natural indecente em teu pulsar navegante entrar por tua boca entre dentes  espero que não se zangue se misturar o meu sangue em teu pensar quando antropo por todas bocas do corpo em total pornofonia na sangração da mulher me diga deusa da orgia se também tu não me quer quando em ti lateja e devora palavra por palavra por fora dentro e por fora em  pornografia sonora  me diga Lady Senhora nestes teus setenta anos se nunca gozou pelo ânus me diga Bia de Dora num plano lítero/estético qual humano ou cibernético que te masturba ou te deflora


vampiresco

um conto mínimo 2

 

o senhor dos anéis não mostra os dedos muito menos o coração Bradesco onde um corpo na lama menos Vale que 1 real rasgado na boca do bueiro


poética 93

 

 Tenho nojo do Agro 

Negócio que me dá asco
por tanta perversidade

quem planta veneno
é carrasco
assassino da humanidade

 

 onde a poesia

se espalha 

a língua nativa

não é fogo de palha 
               é brasa viva


indicativo

olho dentro do teu olho
para que olhe na minha cara
e cara a cara me diga
a quantas anda a nossa briga
do nosso amor pela ética

se é tão estranha a poética
de só pensar lá na frente
que até perdi a conta
nesse pretérito faz de contas
das quantas vezes
que já votei pra presidente

e o nosso país do futuro
que nunca chega no presente


 boca do inferno

 

por mais que te amar seja uma zorra

eu te confesso amor pagão

não tem de ter perdão pra nós

eu quero mais é o teu pudor de dama

despetalando em meus lençóis

 

e se tiver que me matar que seja

e se eu tiver   que te matar que morra

em cada beijo que te der amando

só vale o gozo quando for eterno

infernizando os céus

e santificando a boca do inferno

 

musicado e gravado por Luiz Ribeiro no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia - 2002

 

 cacomanga 2


por entre trilhos e trilhas

por entre tralhas e troços

foto grafando os destroços

dos frutos podres no chão


ali nasci

minha infância

era só canaviais

ali mesmo aprendi

 conhecer os donos de fazenda

e  odiar os generais.


no poema o que ficou?

para Cesar Augusto de Carvalho

 

no poema ficou caco de vidros azulejando nos azuis no poema ficou o corte mais aberto o sangue mais secreto tanto mal secando blues

no poema ficou a língua cega a faca desdentada a fome afiada onde era mel agora é  pus

no poema ficou o obsceno não sagrado o beijo ensanguentado o abstrato do concreto no poema ficou um objeto um soneto esfacelado um hiato no decreto

no poema ficou mais um retalho mais um trapo do espantalho nesse circo abjeto no poema ficou o sangue amargo numa noite quase nada num curral analfabeto

no poema ficou a escuridão nuvens de cinzas onde antes era luz no poema eu fiquei de pé quebrado no velório esquartejado nessa terra tanta cruz.


pátria que pariu

para Rubens Jardim

 

os dentes das pedras mordem a língua dos meus dias obscuros esse país teve passado não tem presente nem  futuro

peixe é bicho inteligente foge do óleo criminoso derramado nos mares do nordeste - eita peixe cabra da peste!

nem sei em que planeta estamos  hoje nessa infernal atmosfera capitão boçal pede desculpas pelas cagadas dos 3 filhos

Aí 5 é apenas os centímetros que um deles carrega pendurado entre as pernas  esperma já virou porra

                               nesta pátria que pariu a besta fera


mulher dos sonhos        

 

ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas nas entre linhas dela e salta das metáforas por entre portas e janelas


a barra

 

o rio é uma passagem

para encarar a barra

                       de frente

 

a rede pode prender o peixe

mas não me prende

                       os dentes

 

 pesadelo  ou  nem Freud explica

 

ontem sonhei com a mulher dos sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço e ela não estava. a governanta me falou que estava em búzios. não a vi mas ouvi uma voz e me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem fala deve ser bem escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do outro lado - deu pra ver dois olhos de búzios na areia ainda molhada pela espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto. era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era acordei.

 

 grafitemas e figuralidades

 

estou escrevendo um mini conto um grafitema com figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus cabelos de                 milho e ela me perguntou o que era

 

 catando cacos de cogumelos azuis

 

procurava apagar os rabiscos de giz nos azulejos enquanto ouvia edvaldo santana adonirando um blues vivi-ane preparava um chá de cogumelos azuis para depois do almoço que havíamos encontrado nas trilhas para são tomé das letras em outras histórias de minas fragmentadas com pimenta azeite e alho num caldeirão mágico incandescente a voz ultrapassava os corredores e entrava na cozinha como uma ladainha em cortejo de fulia de reis com aqueles palhaços com máscaras de bode no rosto imaginava a procissão em romaria era tudo real o chá ainda estava sendo preparado mas os efeitos já surgiam como se o líquido já tivesse sido ingerido ouvi uma das vozes da procissão me pedindo um gole depois de tomá-lo ela toda de azul vermelho dançou com muito mais volúpia e em um  passo de mágica todos os outros elementos da fulia começaram um ritual fulinaímico se lançando para o alto como se fossem fogos de artifícios ninguém provou do chá mas quando a dança terminou não havia mais um gole dentro do caldeirão vivi-ane quase teve um             troço ao ver o utensílio vazio.

 

 cacos de cogumelos azuis

 

alguns nomes nesta cidade me provocam desconcertam meus neurônios carrapato imburi macuco muritiba uriticum lagoa dos paus  sossego a vida aqui vive enrolada em seus novelos São Francisco é tão pacata mais pacata que Arcozelo quando acordada não anda quando dorme é pesadelo


cato caco nos azuis

 

cato cacos de vidros  nos azuis        lâminas  de fogo nesse olho d'água  algas de pedras nesse tempo ostras antes das horas que o dia tarda e os tiranos cessem seu torpor maligno

cato caco de vidros nessa areia carma  e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas são tantas horas perdidas outras desencontradas  na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus

essas horas que já se perderam nos currais do pasto de algum gentio  pássaros elétricos que se ejacularam queimando as penas nas tensões dos fios  nos geradores desse  Zeus me livre onde          netuno não aporta mais  os      seus navios

 

 com as unhas

entranhadas em tuas coxas

 

                                 escrevo como quem

cata estrelas do mar na areia da praia

como quem come o rabo da arraia

                  montado no cavalo marinho

 

lambendo escamas de sereia

com os dentes cravados na memória

e as unhas entranhadas em tuas veias

na espuma branca de um pergaminho

 

 psic/analítica

 

não durmo. sonho.  Dédala passeia em minha camasob os meus lençóis de lã toda palavra sã me despe desejo pelos poros pelos  nossos corpos separados apenas pela penugem do tecido quase dentro como Joice me trazendo Dédalus  para o travesseiro eu te desejo como tudo que seja carne nervos músculos ossos ela foge quando toco fogo paixão fome sede tesão sexo acho até complexo ela gostar de conversar mas não sentir ou não querer ficar olhando da janela do seu olho gótico como quem analisa feito      dadaísta nem fiado nem a vista porque  não pode se envolver


concretude versus conkrEreções

*

Delírica

 

da janela  vou olhando o trilho de ferro

do vagão barato o brasil do globo   fica

lá distante em brazilírica   lá no meio do

mato.           a carne bela não viaja aqui

nem mora por perto da estação da  luz

aqui tem merda carne de terceira   lixo

de primeira   pele        podre             pus


 

faca uilcônica mortal

 

estanco o cavalo do sonho

no teu quartel do princípio

papel cortado na resma

 

a mula pasta acordada

a besta pulsa assombradada

    no visgo quente da lesma 

  

trincheira

 

há uma gota de sangue

entre meus olhos e os teus

e muitas velas acesas

pra salvar a nossa carne

e bocas cheias de dentes

mastigando a nossa morte

 

mas eles é que  morrerão

meu amor : num grande susto

        quando nus virem

amando nessa cama

         de ferro e de pau duro

 

poesia para desconcertos

 

Dédalus

para Alberto Bresciani

e o seu magnífico Hidroavião


o poeta pesca peixes

na floresta de concreto

lâminas de cimento

há séculos não está pra peixe

                       este mar secreto

aqui redes em pânico

pescam esqueletos no ar

linhas de naylon degolam tartarugas

que morrem náufragas  na Av. atlântica

o poeta cata os cacos

que restaram desta pátria desossada


dentro da noite veloz

 

... e se fosse não apenas o que eu quisesse ela também fosse o silêncio da fala a espera de uma  outra palavra que ainda não dissemos nos vazios de nossas bocas quando a língua se esconde antes da cena acontecer.  e se fôssemos como  dois perdidos numa noite suja procurando a lamparina para dar a luz dentro dessa noite veloz até que exploda uma vertigem no  dia ?

 

poética

 

essa espessa nuvem de fumaça arregaça  meus intestinos me provoca esse estado de  não sei quantas adrenalinas essa besta no cio esse desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão de soja em cada grão de milho em cada folha de alface essa face carcomida antes dos trinta  e eu aqui pensando a quantas anda os  projetos do meu filho


 

incorporação

para Igor Fagundes

 

esse poema bárbaro

com fonema brazilírico

vai fazer meu aramaico

incorporar o seu delírico

 

palavras que incorporo

dança vento movimento

folhas verdes no algodão

 

fulinaíma dançarino

sertão moleque esse menino

do frevo xaxado xote blues   


                        Juras secretas

*

                                                      Jura secreta 1


 a língua escava entre os dentes 
a palavra nova  fulinaimânica/sagarínica 
algumas vezes muito prosa 

                           outras vezes muito cínica 
tudo o que quero conhecer: 
a pele do teu nome 
a segunda pele o sobrenome 
no que posso no que quero 

a pele em flor a flor da pele 
a palavra dandi em corpo nua 
a língua em fogo a língua crua 
a língua nova a língua lua 

fulinaímica/sagaranagem 
palavra texto palavra imagem 
quando no céu da tua boca 
a língua viva se transmuta na viagem 


Jura secreta 13 

o tecido do amor já esgarçamos 
em quantos outubros nos gozamos 
agora que palavro Itaocaras 
e persigo outras ilhas 
na carne crua do teu corpo 
amanheço alfabeto grafitemas 

quantas marés endoidecemos 
e aramaico permaneço doido e lírico 
em tudo mais que me negasse 
flor de lótus flor de cactos flor de lírios 
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse 
Hilda Hilst quando então se me amasse 

ardendo em nós salgado mar e Olga risse 
pulsando em nós flechas de fogo se existisse 
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse


                          

                                             pele grafia


meus lábios em teus ouvidos

flechas netuno cupido

a faca na língua a língua na faca

a febre em patas de vaca

as unhas sujas de Lorca

cebola pré sal com pimenta

                    na tua língua com coentro

                    qualquer paixão re-invento

o corpo mar quando agita

na preamar arrebenta

espuma esperma semeia

sementes letra por letra

na bruma branca da areia

sem pensar qualquer sentido

grafito em teu corpo despido

poemas na lua cheia 


Jura secreta 16

para may pasquetti 

fosse esta menina Monalisa 
ou se não fosse apenas brisa 
diante da menina dos meus olhos 
com esse mar azul nos olhos teus 

não sei se MichelÂngelo 
Da Vinci Dalí ou Portinari

 te anteviram 
no instante maior da criação 

pintura de um arquiteto grego 
quem sabe até filha de Zeus 

e eu Narciso amante dos espelhos 
procuro um espelho em minha face 
para ver se os teus olhos 
já estão dentro dos meus 


Jura secreta 18

 

te beijo vestida de nua somente a lua te espelha
 nesta lagoa vermelha porto alegre caís do porto
                                       barcos navios no teu corpo

os peixes brincam no teu cio nus teus seios minhas mãos
as rendas finas  que vestias        sobre os teus pelos ficção

 

todos os laços dos tecidos aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa agora hóstia entre os meus dentes

 

e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa

 

                       Jura secreta 27

                          rio em pele feminina 

o rio com seus mistérios 
molha meu cio em silêncio 

desejo o que nos separa 

a boca em quantos minutos 
   as flores soltas na fala 
o pó dos ossos dos anos 

você me diz não ter pressa 
seus olhos fogo na sala 
o beijo um lance de dados 
cuidado cuidado cuidado 
que sou um anjo de fadas 
não beije assim meus segredos 

meus olhos faróis nos riachos 
meus braços dois afluentes 
      pedaços do corpo do rio 

meus seios ilhas caladas 
das chamas não conhece o pavio 

se você me traz para o cio 
assim que o sexo aflora 
esta palavra apavora 
o beijo dado mais cedo 
quebra meu ser no espelho 

meu cerne é carne de vidro 
na profissão dos enredos 
quanto mais água me sinto 
presa ao lençol dos seus dedos 

o rio retrata meu centro 
na solidão de mim mesma 
segundo a segundo nas águas 
lá onde o sol é vazante 
lá onde a lua é enchente 
lá onde o rio é estrada 
onde coloca seus versos 
me encontro peixe e mais nada 


Jura secreta 29

  esfinge 

o amor 
não é apenas um nome 
que anda por sobre a pele 
um dia falo letra por letra 
no outro calo fome por fome 
é que a pele do teu nome 
consome a flor da minha pele 

cravado espinho na chaga 
como marca cicatriz 
eu sou ator ela esfinge: 
Clarice/Beatriz: 

assim vivemos cantando 
fingindo que somos decentes 
para esconder o sagrado 
em nossos profanos segredos 
se um dia falta coragem 
a noite sobra do medo 

é que na sombra da tatuagem 

sinal enfim permanente 
ficou pregando uma peça 
em nosso passado presente 
o nome tem seus mistérios que 

se escondem sob panos 
o sol é claro quando não chove 
o sal é bom quando de leve 
para adoçar desenganos 
na língua na boca na neve 

o mar que vai e vem não tem volta 
o amor é a coisa mais torta 
que mora lá dentro de mim 
teu céu da boca é a porta 
onde o poema não tem fim 


Jura Secreta 37

baby cadelinha 

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus 
onde me perco mais me encontro menos 

de tudo o que não sei 
só fere mais quem menos sabe 
sabre de mim baioneta estética 
cortando os versos do teu descalabro 

visto uma vaca triste como a tua cara 
estrela cão gatilho morro: 
a poesia é o salto de um vara 

disse-me uma vez só quem não me disse 
ferve o olho do tigre enquanto plasma 
letal a veia no líquido do além 
cavalo máquina meu coração quando engatilho 
 

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os demônios de Eros 
onde minto mais porque não veros 

fisto uma festa mais que tua vera 
cadela pão meu filho forro: 
a poesia é o auto de uma fera 

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ? 

perfume o odor final do melodrama 

sobras de mim papel e resma
impressão letal dos meus dedos imprensados 
misto uma merda amais que tua garra 
panela estrada grão socorro: 
a poesia é o fausto de uma farra 


Jura Secreta 41

 Goytacá Boy  musicado e cantado por Naiman 
no CD fulinaíma sax blues poesia
 

ando por São Paulo meio Araraquara 
a pele índia do meu corpo 
concha de sangue em tua veia 
sangrada ao sol na carne clara 
juntei meu goytacá teu guarani 
tupy or not tupy 
não foi a língua que ouvi  em tua boca caiçara 

para falar para lamber para lembrar 
da sua língua arco íris litoral  como colar de uiara 
é que eu choro como a chuva curuminha 
mineral da mais profunda  lágrima que mãe chorara 

para roçar para provar para tocar 
na sua pele urucum de carne e osso 
a minha língua tara  sonha comer do teu almoço 
e ainda como um doido curuminha 
a lamber o chão que restou da Guanabara 


Jura Secreta 43

    veraCidade 

por quê trancar as portas tentar proibir as entradas  se já habito os teus cinco sentidos e as janelas estão escancaradas ? 

um beija flor risca no espaço  algumas letras de um alfabeto grego  signo de comunicação indecifrável  eu tenho fome de terra  e esse asfalto sob a sola dos meus pés  agulha nos meus dedos 

quando piso na Augusta  o poema dá um tapa na cara da Paulista  flutuar na zona do perigo  entre o real e o imaginário João Guimarães Rosa  Caio Prado Martins Fontes  um bacanal de ruas tortas 

eu não sou flor que se cheire nem mofo de língua morta  o correto deixei na Cacomanga  matagal onde nasci  com os seus dentes de concreto  São Paulo é quem me devora  e selvagem devolvo a dentada  na carne da rua Aurora 

Jura Secreta 53

sagaraNAgens fulinaímicas 

guima  meu mestre  guima 
em mil perdões eu vos peço 
por esta obra encarnada 
na carne cabra da peste 
da Hygia Ferreira bem casta 
aqui nas bandas do leste 
a fome de carne é madrasta 

ave palavra profana  cabala que vos fazia 
veredas em mais Sagaranas 
a Morte em Vidas/Severinas 
tal qual antropofagia  teu grande Sertão vou cumer 

nem João Cabral Severino  nem Virgulino de matraca 
nem meu padrinho de pia  me ensinou usar faca 
ou da palavra o fazer 
 a ferramenta que afino  roubei do mestre Drummundo 
que o diabo GiraMundo 
é o Narciso do meu Ser


Jura secreta 57

meta metáfora no poema meta

como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste

como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece


              O poeta enquanto coisa 

*

obscuro objeto do desejo

 

de pedra dourada ficaram portas janelas de entradas e saídas a sedução de dois olhos em minha carne proibida nem tanto pelo o que falo nem tanto pelo que sinto a vodka a cereja o conhac o abismo  o labirinto

 de pedra dourada ficou um café orgânico no teu sertão encantada numa manhã de domingo do outro lado da trilha com tanta veracidade que me esqueci da idade e me apaixonei por tua filha

 de pedra dourada ficaram olhos acesos do outro lado a janela o espelho as contas de vidro o jogo da sedução a maravilha os passeios nas cachoeiras os banhos de bar o carnaval aquela delícia louca o batom na minha língua o cheiro das flores do mal

meu bem-me-quer na tua boca


                                     tragédia infame

 

empresto minha voz aos deserdados os desnutridos os que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem mesmo a mesa e essa pergunta pra resposta que não vinha  nem bolinho de chuva nem broa de milho nem carne seca com farinha

espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra curuminha - empresto meu corpo minha voz  a esses personagens os que tem sede  os que tem  fome ou que morrem assassinados nos guetos  nos campos nas cidades por balas de canhão rajadas de fuzil

estás fudido  brasil entregue as traças então me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça

                               Federico Baudelaire

Mestre Sala da Mocidade Independente de Padre Olivácio  - A Escola de Samba Oculta no InConsciente Coletivo – Bispo da Igreja Universal do Reino de Zeus 


ancestral

 

há muito tempo não recebo  cartas de ninguém

mas não rezo padre nossos

simplesmente para dizer amém

 já fui católico rezei terços ladainhas

acompanhei a procissão dos afogados

na Tapera  para soletrar a palavra Cacomanga

e entender que o barro da cerâmica

trago grudado na minha íris retina

 meu batismo de fogo foi numa Santa Cecília

entre víboras e serpentes mordi a hóstia do padre

sua saia preta me levou ao pânico de sonhar com  juízes

e hoje saber o que são

 minha África  são os olhos negros de Madame Satã

na língua tenho uma sede felina na carne essa  fome pagã

sou um homem comum filho de Ogum com Iansã 


língua

 

minha língua é safada nua e crua não gasta palavra a toa não canta palavra gasta nem é fado de Lisboa é blues rasgado pedra de toque samba rock plug ligado no navio ou na canoa bebe do Rio e de Sampa nos demônios da garoa

fio desencapado tensão eletricidade tesão canibalidade na voracidade da Pessoa

 

 

mamãe coragem

 

numa canção do Lenine o peixe está na rede o mar está com sede o rio agora chora onde esta cidade pedra veracidade medra eu te esfinjo drama  onde a ferocidade Fedra eu te desejo deda eu te devoro dama pensando a trama Torquato eu disse mamãe coragem a vida é sagaranagem na elegia da hora  fulinaíma é viagem te levo na minha bagagem não chora mamãe não chora


  o homem com a flor na bo

                               *  

lugar de não sei onde

 

ancorei os meus cavalos

na boca da areia

as tripas retorcidas no galope

 no areal a sinfonia do ontem

um horizonte cinza de um futuro que não chega

 peixes flutuando depois da asfixia  levo meus assombros

para um lugar de não sei onde 


poema 5

 para Jorge Ventura

 

a faca não cala do poema a fala

Dionísio Neto de Bacco quem sabe filho de Zeus jantou numa Santa Ceia na casa de Prometeus nas madrugada de Bento lambeu o vinho nos seios das Bacantes no convento por todos poros do corpo por todos pelos  e meios depois grafitou nas vidraças  com dedos de diamantes a Rosa de Hirochima  num coração estudante depois de romper o dia  por volta da seis e meia era um coração de poeta com poesia na veia 

                                    

meus caninos

já foram místicos

simbolistas

sócio políticos

sensuais eróticos

mordendo alguma história

agora são dentes  famintos

cravados na pele da memória


tem algo errado

nessas estatísticas de mortes

dessa drástica pandemia

multipliquem  60.000 X 10

e ainda não vai ser exato

o número de cadáveres

empilhados nos campos de concentração

que transformaram esse país

que nunca foi  uma nação


arranco mais uma pérola

do ventre de hilda triste

na porta da tua casa

meu poema ainda insiste

 

a menina que matou o tempo

o vento também comia

na lâmina o catavento

pra espantar a maresia

 

nas ruínas de santa teresa

era domingo de poesia

bateu uma pedra no rock

e nos levou na ventania


   poema 17

com os dentes cravados na memória

para Flora Filipe Sofia Alice Isadora meus tesouros 


I

 

por todos anos 80 ipanema 83 flora recém nascida e eu chegando aos 40  gomes carneiro  visconde de pirajá bem próximo ao carinhoso bartolo com seu trumpete depois que a noite dormia tocava  uma pérola negra e beijava o novo dia no boteco de onde estava conselheiro lafaiete refúgio da boemia me acordou com seu trumpete clarividência aflorava  sonoridade – melodia logo depois era Drummond na praça general osório pra enriquecer meu repertório     na pedra da poesia

 

 II

 

ipanema 84 filipe recém nascido

por esses tempos vividos

naquela  aldeia carioca 

com todo vapor barato 

 

na tribo os sete sentidos

nesses dentes da memória

os 5 presentes no corpo

outros 2 ganhos no tapa

   pelas ruas de ipanema

   ou pelos becos da lapa


poema 21

 

nos meus delírios baudeléricos

ou mesmo fossem baudelíricos

  sonho teu corpo flor de cactos

       como se fosse  flor de lírios

 

toco teus pelos flor do mangue

pulsando sangue em teus martírios

     penso teu sexo flor de lótus

sagrada flor dos meus delírios


resumo

 

ela tinha as mãos tão suaves que tocavam-se como quem tem a pele sob a chuva de setembro eu procurava colher maçãs no horto de Santa Maria Madalena olhava a montanha e lembrava-me de selvagem que fui aos olhos dela enquanto ainda vivia na tapera o meu cavalo deixava na porta da cidade escrevi sobre isso no poema quando o tempo rasgou meu corpo na calçada e trouxe-me folhas de papel em branco.


Goytacá Boy 2

 

araraquara guaxindiba itaocara grumari

o que liga essas palavras ao  eu vocabulário

a carne índia o sangue a cachaça paraty

grussaí guarapary baia da guanabara

 

juntei meu goytacá seu guarani

tupi or not tupi

não foi a língua que ouvi em tua boca caiçara

 

capivari tucuruvi taubaté pindamonhangaba piracicaba pirapora piraí paranapiacaba vim da tapera carioca do roçado do aipim cacomanga minha toca  meu coração ururaí tupinambá goytacá tupiniquim quanta selva quanta  mata desmatada desde o dia que o português pisou aqui 

 

para falar para lamber para lembrar da sua língua arco íris litoral como colar de uiara é que eu choro como a chuva curuminha mineral da mais profunda lágrima  que mãe chorara

 para roçar para provar para tocar na sua pele urucun de carne e osso a minha língua tara sonha cumer do teu almoço e ainda como um doido curuminha a lamber o chão que restou da Guanabara

 

 juntei meu goytacá seu guarani

tupi or not tupi não foi a língua que ouvi

em sua boca caiçara

gargaú guriri itapevi abapuru minha musa antropofágica tem o nome de pagu tarcila anita d´alkmim itaim guarujá piratininga itapetinga itaquera quantas palavras ensanguentadas nas taperas

santeiro do mangue minha pátria meu tesouro 100 anos se passaram como vento e são paulo transformou-se nessa  selva de concreto uma cidade de cimento


olho de lince

para Tchello d´Barros

onde engendro a Sagarana
invento a Sagaranagem

entre a vertigem e a voragem

na palavra de origem

entre a língua e a miragem

São Bernardo e Diadema


mordendo: o vírus da linguagem
   no olho de lince do poema


Artur Gomes é poeta do corpo e da alma. Do corpo, pois as sensibilidades da pele estão devidamente traduzidas na extensão da sua obra. Também da alma, pois extrai das invisibilidades a força de um viver que resiste e insiste nas guerrilhas poéticas do cotidiano. Uma voz que ecoa Brasil afora, seja dizendo seus versos, lançando seus livros ou fazendo da poesia um espetáculo audiovisual.


Escreve e recita com grande expressividade. Produz e arrasta para a ribalta a poesia necessária. Versos que berram diante do espelho os silêncios que traduzem sua vitalidade poética. Artur publicou livros e se destaca por extrair da palavra escrita a oralidade necessária. Assim, se apresenta agora com mais uma obra para dizer que só o que transborda naturalmente, permanece e se reproduz.

                                          Lau Siqueira 

 

Artur Gomes é poeta, ator, videomaker e produtor cultural. Tem diversos livros publicados, sendo os mais recentes SagaraNAgens Fulinaímicas (Edições Du Bolso – 2015), Juras Secretas (Editora Penalux, 2018) O Poeta Enquanto Coisa (Editora Penalux – 2020 ) e Pátria A(r)mada (Editora Desconcertos, 2019).  Prêmio Oswald de Andrade – UBE-Rio – 2020 – Tem inédito: O Homem Com A Flor Na Boca e Da Nascente A Foz : Um Rio De Palavras (livro de memória)

Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Instituto Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes-RJ de 1975 a 2002.

Em 1983, criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira

Em 1993, idealizou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira Mário de Andrade — 100 Anos — realizada pelo SESC São Paulo.

Em 1995 criou o Projeto Retalhos Imortais do SerAfim Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim, executado pelo SESC-SP em várias unidades na capital e pelo Estado.

Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, realizado até 2019 pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazs-RJ onde foi Diretor de Projetos Especiais de 1999 a 2004.

Em 2002 lançou o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia , com seus parceiros Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e Reubes Pess.

Em 2021 fez curadoria para a Mostra Cine e Vídeo De Poesia Falada. realizada pelo SESC Piracicaba-SP.

Integrou a Comissão Julgadora do Festival Cine Urutu, realizado pela Prefeitura de Pindamonhangaba-SP

Com seu videopoema  Goytacá Boy é um dos poetas que integram a Mostra Virtual de Videopoemas do Projeto Bossa Criativa, Arte de Toda Gente, realizado pela FUNRTE Rio.

Atualmente é coordenador de cultura na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima em Campos dos Goytacazes-RJ

 

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O Poeta Enquanto Coisa

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