cidade
plantada na moldura
ma/
dura
da cana verde
a cidade sustenta
a sua história
esquecida a fábula
perdeu-se o espelho
do amanhecer
o índio ex/
tinto
o negro misturado ao gozo do branco:
nova raça esmaecida em planto
suor e esperma na entrega escrava
e a vida fez-se em dádiva
em dúvida
em dívida
a sustentar na sombra do caminho
viva centelha de espera e ânsia
um rio que era peixe
corta seu dorso polu/ído
como espada fluída
em desuso de ferrugem:
urgente apelo de aquática fome
nessa cidade aflita
o tempo se fez espera
lenta
es/fera
a rodar gemidos
que o riso escandido esconde:
grito adormecido
a palha queimada da usina
espalha
negra fuligem
descorada sombra
do labor escuro
não revelado
em fotografria
cidade
(rapa/cidade)
descubro sua paisagem:
palácio casa choupana
asfalto pedra lama
avenida rua beco
cidade
(vera/cidade)
componho sua alegria:
carnaval baile fandango
jongo em terreiro batido
desfile jogo e corrida
cidade
(fero/cidade)
reinvento sua fé:
catedral templo terreiro
missa culto macumba e reza/dor
cidade
(morda/cidade)
surpreendo seu pesar:
uísque cerveja cachaça
clube bar buate e boteco
(espera que o mundo é um tombo
que a vida é um rombo)
cidade
(velo/cidade)
o tempo tem seu avesso
espera
Prata
Tavares
In Ato 5 – coletânea de poesia publicada em 1979 pelo grupo
UNI-VERSO, com poesias também de Artur Gomes, Antônio Roberto Góis Cavalcanti
(Kapi), João Vicente Alvarenga e Orávio de Campos
*
usina
usina:
usina são uns olhos
despertos antes do sol
a boca mal lavada
num gole de café
e um esfregar de mãos
para aquecer o dia
usina e uma longa
e curta
caminhada
inventada em carrocerias
carroças e bicicletas
ou um usar de pés
pra se fazer o dia
usina é um balé
de lenços de cabeça
camisa de xadrez
foice e facão
entre um gole e outro
de café
usina é um apito
de sol à pino
(feito de marmitas)
quando os olhos nada dizem
e as bocas são limpas
por mãos em conchas
usina é um gosto
(doce-amargo)
de uns caldos
escorrendo
ora nas moendas
ora nos moídos
é um fazer-de-conta
pós-apito
na birosca ao lado
com uns parceiros
um remedar de vida
depois
um mal dormir
de pais e filhos
(de fome de frio de medo)
para antes do sol
se tenha despertado
usina é usura
são olhos
que se estendem
quando em vez
a casa grande
são umas vidas
escapando
pela chaminé
Antônio
Roberto de Góis Cavalcanti(Kapi) – in Ato 5 – 1979
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