quarta-feira, 3 de abril de 2024

Campos VeraCidade


 cidade

 

plantada na moldura

                               ma/

                               dura

da cana verde

a cidade sustenta

a sua história

 

esquecida a fábula

perdeu-se o espelho

do amanhecer

 

o índio ex/

           tinto

o negro misturado ao gozo do branco:

nova raça esmaecida em planto

suor e esperma na entrega escrava

 

e a vida fez-se em dádiva

                              em dúvida

                              em dívida

a sustentar na sombra do caminho

viva centelha de espera e ânsia

 

um rio que era peixe

corta seu dorso polu/ído

como espada fluída

em desuso de ferrugem:

urgente apelo de aquática fome

 

nessa cidade aflita

o tempo se fez espera

lenta

                           es/fera

a rodar gemidos

que o riso escandido esconde:

grito adormecido

 

a palha queimada da usina

espalha

negra fuligem

descorada sombra

do labor escuro

não revelado

em fotografria

 

cidade

          (rapa/cidade)

descubro sua paisagem:

palácio casa choupana

asfalto pedra lama

avenida rua beco

 

cidade

         (vera/cidade)

componho sua alegria:

carnaval baile fandango

jongo em terreiro batido

desfile jogo e corrida

 

cidade

        (fero/cidade)

reinvento sua fé:

catedral templo terreiro

missa culto macumba e reza/dor

 

cidade

        (morda/cidade)

surpreendo seu pesar:

uísque cerveja cachaça

clube bar buate e boteco

 

(espera que o mundo é um tombo

que a vida é um rombo)

 

cidade

        (velo/cidade)

o tempo tem seu avesso

 

espera

 

Prata Tavares

In Ato 5 – coletânea de poesia publicada em 1979 pelo grupo UNI-VERSO, com poesias também de Artur Gomes, Antônio Roberto Góis Cavalcanti (Kapi), João Vicente Alvarenga e Orávio de Campos


                                               *

usina

 

usina:

usina são uns olhos

despertos antes do sol

 

a boca mal lavada

num gole de café

e um esfregar de mãos

para aquecer o dia

 

usina  e uma longa

e curta

caminhada

 

inventada em carrocerias

carroças e bicicletas

ou um usar de pés

pra se fazer o dia

 

usina é um balé

de lenços de cabeça

camisa de xadrez

foice e facão

entre um gole e outro

de café

 

usina é um apito

de sol à pino

(feito de marmitas)

quando os olhos nada dizem

e as bocas são limpas

por mãos em conchas

 

usina é um gosto

(doce-amargo)

de uns caldos

escorrendo

ora nas moendas

ora nos moídos

 

é um fazer-de-conta

pós-apito

na birosca ao lado

com uns parceiros

um remedar de vida

 

depois

um mal dormir

de pais e filhos

(de fome de frio de medo)

para antes do sol

se tenha despertado

 

usina é usura

 

são olhos

que se estendem

quando em vez

a casa grande

 

são umas vidas

escapando

pela chaminé

 

Antônio Roberto de Góis Cavalcanti(Kapi) – in Ato 5 – 1979

 

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