sábado, 6 de abril de 2024

BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas

BraziLírica Pereira : 

A Traição das Metáforas

* 

A Traição do Lirismo
Dalila Teles Veras 


Artur Gomes, feito gume, é máquina devoradora do mundo. Mastiga coisas, afetos, pessoas, rumina e afia os elementos em sua navalha verbal e os transforma na mais pura poesia. 
 

Dono de uma criatividade em permanente ebulição, hábil no verbo  e na disposição visual do mesmo no espaço do suporte - papel ou pano - 
bandeira a gotejar palavra que, não raro, é também palco e gesto, 
(in)cenação a complementar e enriquecer o que a palavra muda já disse,  a dizer outra coisa que é também a mesma coisa: poesia. 

Poeta em tempo integral, como poucos ousaram ser, Artur Gomes constrói, 
sem pressa (os anos não parecem pesar - na carne nem no espírito) 
a sua delirante e criativa poesia, colagem da colagem da colagem, 
(re)encarnação mais do que perfeita da antropofagia como nem  mesmo o velho Serafim sonhou. Nada, absolutamente nada escapa  à sua devastadora e permanente passagem, andarilho de poderosa  voz a evangelizar para a poesia.

Este Brazilírica Pereira: A Traição das Metáforas é a continuação 
de um enredo de há muito ensaiado. Seus atrevidos personagens  já apareciam em Vinte Poemas com Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção  Com Sabor de Campos.
 

Legítimas apropriações retiradas de 
suas viagens brazílicas, figuras que a sua generosidade literária 
faz questão de homenagear. Na passarela poética de Artur, 
tanto podem desfilar Mallarmé, Faustino, Dalí, Oswald, 
Baudelaire, Drummond, Pound, Ana Cristina César  e o sempre lembrado mestre Uilcon Pereira,  a quem o novo livro é dedicado, como personagens anônimos  encontrados nas quebradas do mundaréu, além dos amigos, 
objeto constante de sua poesia.

 

Neste caldeirão,  “olho gótico TVendo”, entra até um despudorado acróstico,  rimas milionárias em permanente celebração.  O poeta Artur, disfarçado de concreto, 
celebra descaradamente a amizade e o lirismo  e ri-se de quem tenta classificá-lo. Evoé, Artur!

A

uilcon pereira

por seu eterno

coração de boatos

 

a carlos lima

que por seu poema 1968

me permitiu o sub-título

 

a todos os cúmplices

que por falta de munição & Money

não citados

na batalha

desta fake inquisição de um pós-real

tropicanalha

 

às musas metafóricas

Analice e Ednalda

para Alice Flora e Filipe


axioma para final de século 

p/Carlos Careqa & Hélio Letes

 

a diferença

entre o legume

e o vegetal

VER/dura

mineral

nas minas do quintal

fruto menstrual

no ancestral pomar

das coxas 


 

 

inquisição:

 

por sermos duas metáforas novas frescas gostosas desoprimidas e sem qualquer pseudo complexo de fidelidade é que estamos aqui em brazilírica pereira por sugestão da uilcona biúka diante desta outra inquisição. não ainda não fomos apresentadas a lady federika bezerra. mas  a conhecemos pela sua fama internacional de porta/bandeira. macabea não pode se sentir frustrada pela nossa decisão de estarmos aqui neste confessionário. Primeiro porque não temos e nunca tivemos nenhum compromisso com ela. segundo é que alinhamos  em outra frente liberal e desfrutamos de todo direito de ir e vi ter e dar prazer gozar da forma que melhor nos convir. sexo? é uma opção de gosto mesmo. até no palco porão? irônicas? Sim nosso mestre serAfim  nos ensinou que do sarcasmo nasce a grande arte. mas o importante  é que nós como metáforas não precisamos estar somente em entre/linhas estamos também nas entre/tuas entre/minhas e não se trata de traição procuramos fazer algo diferente por exemplo do que já vimos em filmes de godard construídos em larga medida só com citações e referências apoiando-nos nas coplagens como elementos básicos para ultrapassá-los e transcendê-los. agimos como uma espécie de conspiradoras conscientes dos bens culturais e materiais que nos pertencem como patrimônio da humanidade. 


                                       uma outra

 

não deveria portanto macabea  vociferar aqui sua ira acusando-nos veladamente de traidoras sem assumir de fato em atitude pública a destilação desse veneno como palavra que não entra em cena. as belas letras para nós começaram através das letras belas narcisas pelos próprios nomes: metáforas e por fidelidade a federika não traímos macabea apenas não fazemos parte de uma mesma concepção de que a palavra parte e as letras que pretendemos belas não são simplesmente nossas muito menos dela. podemos constatar com gratidão que emergem das lendas fábulas crônicas e contos poemas de uma visão de mundo bem nítida e pessoal talvez quiçá quem sabe única reflexão de ruidurbanos restos de gravuras  e resíduos tipográficos ou seja: uma série de gestos amorosos eróticos de novo repletos de ironias sensuais doce fervor fogo de malícias explosão e gozo por sinal diga-se de passagem que essas dimensões éticas jurídico-morais nunca nos interessaram.  nossas relações com a propriedade privada em todas as suas formas e cristalizações históricas sempre foram tranquilas e sem remorsos.


1968

ou

: a investigação

uicorneana

 

quem és tu uílcon prereira?

que foste fazer na sorbonne?

                ter aulas com sartre

                ou cantar a simone

                                                 ?


A

nomes ou numes?

 

- a massa um dia comerá os biscoitos fino que fabrico, cantarolava du boi pelo grande sertão serafim. pesava o trigo lavava a roupa amassava o pão. jesus um velho coronel de joão gullar não querendo saber das massas mandou empastelar a padaria e incendiar o matadouro do caldo de cana. du boi pensou então em ir embora de brasílica pereira: sertãzinho santo André ribeirão rio preto batatais e por fim nova granada de ouro preto e espanha. vestiu seu uniforme de gala e foi prestar depoimento na cpi das metáforas: - como produtor das artes cínicas e mentor intelectual da sacanagem federiko de albuquerque baudelaire vulgo du boi mestre/sala do grêmio recreativo e escola de samba mocidade independente de padre olivácio tem somente a dizer que virgem aqui só eu. as demais podem dar o capricórnio peixe aquário vênus quem sabe até a balança mas não cai. como mestre/sala dos prazeres invisíveis no inconsciente coletivo entrego a vocês o destino das metáforas e volto à ilha das sereias. biscoitos finos massas padaria nem pão que o diabo amassou às mulheres deixo somente a fome e meus olhos genitais.


antiLírica

 

eu não sou zen

muito menos zhô

nem tão pouco

zapa

não ando na contra capa

do teu disquinho digital

não alinho pela esquerda

nem à direita do fonema

vôo no centro/viagem

olho rasante/miragem

veia pulsante/poema

 

drummundama itabirina

 

fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. Brasílica amanheceu incrédula: manchetes vozerios falatórios assembleias faixas cartazes por todas as vias multivias multimeios os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim. e margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. mas césar que não é castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela. e um dia fedra sorrindo com o pênis/baton na boca foi a boca de laur da fedra e voltou com o luar na boca. 


 

Delírio Verbal e Preito 
em BraziLírica Pereira

O livro, altar em que se celebra poetas do conturbado século XX, traz a poesia do poeta fluminense Artur Gomes, situada na interface da praxis artística e da experiência existencial, advinda do campo das escaramuças lexicais e da experimentação alegórica. 

Erorci Santana* 

BraziLírica Pereira: A Traição das Metáforas (Alpharrabio Edições, Santo André/SP, 2000), obra poética de Artur Gomes, toda grafada em minúsculas, principia com dois textos ou, melhor, intertextos com lastro na obra do escritor Uilcon Pereira, espécie de homenagem a desvairada letra uilconiana e à figura daquele escritor. Tanto que, no sintético poema que arremata esse preito literário, Artur o invoca através de uma circunstância biográfica datada:

“quem es tú uilcon pereira?/que foste fazer na sorbonne?/ter aulas com sartre/ou cantar a simone?”. 

Contudo, e apesar da primazia de Uilcon Pereira nesta festa verbal, é vasto o coração dessa usina lírica, BraZilírica Pereira trafega em que, antes de traição, há a afirmação do caráter multifacetário e engendrador das metáforas, personificadas e levadas ao extremo onde êxtase e humor se entrelaçam.

 Todo um renque de escritores de ponta é glosado, parodiado e parafraseado: Mallarmé(e seu lance de dados), Oswald de Andrade (e seus biscoitos finos, prometido ao palato das massas), Leminski (e sua Alice), Drummond (e seu anjo torto), além de Torquato Neto, Mário Faustino, Sousândrade, Ezra Pound, Dalí, Ana Cristina César, autores referenciais a constituir um panteão geracional. São ícones alinhados no altar da celebração literária, sim, mas também serventia doméstica, dos quais o autor se utiliza, por estético capricho, com derrisão e iconoclastia:

“torquato era um poeta/que amou a ana/leminski profeta/que amou a lice/um dia/pós/veio uilcon torto/e pegou a joia diana/juntou na pereiralice/com o corpo & alma das duas/foi Beauvoir assombradado/roendo o osso do mito/pra lá de frança ou bahia/pois tudo que o anjo via/Sartre jurou já Ter dito/Nonada/biúte:ria”. 

Aqui não se vislumbra paradoxo, pois a modernidade, tendo peneirado as cinzas da dor humana no século XX, revelou a fênix de face tanto ebúrnea quanto álacre; a arte passou a privilegiar o profano e o lúdico em detrimento das inclinações sacramentais e sombrias.

E essa BraziLírica Pereira antropofágica e transluzente é a maneira do poeta entretecer a urdidura dos afetos, reinventar a cultura e os agentes culturais de sua predileção, com instrumentos lúdicos e sarcásticos, considerados a ponte para a grande arte. 

Outro aspecto a ser considerado é que o autor, egresso do movimento da poesia marginal dos anos 70,

 “essa poesia de efeito extraordinariamente comunicativo, que procura e tira vantagem de uma dicção bem-humorada, ardilosa, alegre e instantânea”, na radiografia de Heloísa Buarque de Hollanda, incorporou e aprimorou suas principais conquistas estéticas, notadamente elementos da oralidade acoplados à exploração acentuada da sonoridade vocabular, recurso que leva a poesia ao liminar do domínio musical.

Quase não é mais poesia para ler e sim para dizer em alta voz, ou cantar., circunstância em que o poeta moderno recupera o status de jogral. Nessa aventura literária, às vezes o autor se transubstancia no texto, traveste-se através das personas Lady Gumes, Macabea, Federika Bezerra, Fedra Margarida, projeções de seu alter-ego que pretendem cravar o corpo na palavra, com sinuosidades, coalescências e dissimulações, atributos só encontráveis no espírito feminino. 

Situada na interface da praxis artística e experiência existencial, o poeta-prazer, com estado de êxtase permanente desde Couro Cru & Carne Viva, perpetua sua poesia guerrilheira no campo das escaramuças lexicais e da experimentação alegórica, dotada até de um certo autoflagelamento exibicionista, em que louca e alucinada se lacera e despe-se da veste hierática revelando sua outra face insuspeita, sua outra indumentária profusa e multicolor. Em outras palavras, seu traje de ironia e de humor. 

Erorci Santana é poeta, autor de Estatura Leviana, Conceitos para Rancor e Maravilta. 



1968

ou

: a investigação

uicorneana

 

quem és tu uílcon prereira?

que foste fazer na sorbonne?

                ter aulas com sartre

                ou cantar a simone

                                                 ?


A

nomes ou numes?

 

- a massa um dia comerá os biscoitos fino que fabrico, cantarolava du boi pelo grande sertão serafim. pesava o trigo lavava a roupa amassava o pão. jesus um velho coronel de joão gullar não querendo saber das massas mandou empastelar a padaria e incendiar o matadouro do caldo de cana. du boi pensou então em ir embora de brasílica pereira: sertãzinho santo André ribeirão rio preto batatais e por fim nova granada de ouro preto e espanha. vestiu seu uniforme de gala e foi prestar depoimento na cpi das metáforas: - como produtor das artes cínicas e mentor intelectual da sacanagem federiko de albuquerque baudelaire vulgo du boi mestre/sala do grêmio recreativo e escola de samba mocidade independente de padre olivácio tem somente a dizer que virgem aqui só eu. as demais podem dar o capricórnio peixe aquário vênus quem sabe até a balança mas não cai. como mestre/sala dos prazeres invisíveis no inconsciente coletivo entrego a vocês o destino das metáforas e volto à ilha das sereias. biscoitos finos massas padaria nem pão que o diabo amassou às mulheres deixo somente a fome e meus olhos genitais.


antiLírica

 

eu não sou zen

muito menos zhô

nem tão pouco

zapa

não ando na contra capa

do teu disquinho digital

não alinho pela esquerda

nem à direita do fonema

vôo no centro/viagem

olho rasante/miragem

veia pulsante/poema

 

drummundama itabirina

 

fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. Brasílica amanheceu incrédula: manchetes vozerios falatórios assembleias faixas cartazes por todas as vias multivias multimeios os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim. e margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. mas césar que não é castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela. e um dia fedra sorrindo com o pênis/baton na boca foi a boca de laur da fedra e voltou com o luar na boca.


Dora und (poema de 7 faces) in alguma poesia

 

quando nasci

um anjo alado -

- daqueles viciado

 em parati

 

meu deu um tapa na bunda

pra que eu logo transformasse

todo horror guardado em pranto

 

- foi ele cortar o umbigo

do sangue eu beber e berrasse –

: drummundo pra todo canto

 

ilusão de Ótica

 

esse Não ç dilha

quando o poço

é mais pra fossa

todo nervo

é mais que osso

 

todo mar é uma ilha

 

todo samba é mais pra bossa

 

um lance de dados

 

doze e quarenta

e seis

mallarmè

na hora incerta

dormindo

visível na besta

sinal inviável

na quarta

dedo de deus

na segunda

 jogando dado

na sexta


Leminsk i Ando

 

só olho ana    à vera

faça outono ou primavera

quantas eras

quantas anas

em carNA val

meu olho disse

:

ana à vera

vera ana

ana clara

claralisse

vejo ana

lendo Eunice

quando li

só vi lu ana

e

ana ali

só vi

li ana

ana/verso

anAlice


macabea vocifera

 

lady gumes a diretora geral do brasilírico presídio federal de assombradado impressionada com a decisão pungente das metáforas em produzir libertinagens traçou um plano para que as meninas pudessem vez em quando sobrevoar os céus do parador em grande falo gigante capricórnio tropical

macabea a ofendida tentou de tudo: forjou mentiras corrompeu guardas comprou juízes cooptou alunos advogados de deus e do diabo

- “não estou aqui para que pintores sem a mínima competência tentem lambuzar com qualquer tinta de porra a minha estrela que não sobe” vociferava

mas a lady decidida prosseguiu afiando a faca de dois gumes e no momento exato final e derradeiro serrou as grades de ferro que amarravam as portas do corredor central assim feito as metáforas puderam saborear o vôo do zepelin rasante  com seu músculo animal e as metáforas se abriram igualzinho igual a geni da tropicália a filha do chico da mangueira


metáforas em juli A

 

colocar-

me

entre

tuas entre linhas

alinhar-

me

poema líquido

em teu esperma de pedras

espumas brancas do mAr

 

fedras não és

nem seria

o meu navio que velas

quando brincamos de fadas

em teu oceano de areia

quando em meu sonho ponteio

um s em teus olhos ponteia

como um dourado nas águas

quem sabe águias no                                     

AR


metáfora faustínica

 

o mundo que venci deu-me uma flor

de lótus

que desfio incontinente  de malícias

faíscas na linguagem relâmpagos no meu falo

saliva na minha fala

mesmo em silêncio quando calo

 

por cima de qualquer sonho de grego

por dentro de qualquer fosso complexo

o mundo que venci deu-me uma flor

de cactos

que o relógio do meu tempo não tem hora

troféu perigoso esse vassalo

em chão de céus infernos meus cavalos

amando a fátria que fariu língua senhora 

a traição das metáforas

 

não me chamo federika bezerra nem sou

amante de rosa noiva sim sem data marcada

para casamento

e aliança de carne ardendo na coxa esquerda

tudo mais já dito sobre mim na quarta-feira de

cinzas é fato eu dei o tiro de misericórdia no

peito agonizante do papa no palácio do catete

ainda que seja quando aqui e mais além que seja mar

macabea para quem não sabe escava sua

própria cova e cava com raiva canina o

buraco negro urubu


murilíndiamendiana

 

o poeta experimental passeia sua cueca monossilábica por cima dos pianos da

madrugada devorando amoras

macabea invoca nossa senhora das derrotas

para enfrentar o desvario

o poeta está nu cio

macabea corre

o poeta flama inverso

macabea chora

experimental barroco o poeta sobrevoa palácios

e urubus macabea tenta mas não consegue ser pagu

poeta é phoda

macabea pede

o menino faz que não entende

macabea implora

e o poeta põe na metáfora do cu


musaum

 

o mistério não está

no espírito da carne de

porco

quando torto

me entrego a ti

por ela

poesia guarda

noturna sentinela


B

no coração dos boatos

 

isso aqui não é a hora da estrela minha mãe não é alice

que apesar de freira de hábito só tinha o

vício de me prender por entre o crucifixo

colocado entre suas pernas

macabea vivia falando sozinha pelos

corredores federais da outra inquisição

conseguia vez em quando reunir alguns há-

bitantes

mal informados sobre a insurreição

das artes aromáticas

e passava o tempo querendo mostrar seus

dotes culinários nua e crua

estuprada pelos estivadores daquele cais

do porto

tentou arrancar o sexo com as unhas

e enlouqueceu uivando como loba amarrada à santa cruz

de uma cabrália velha igrejinha

enquanto na primeira missa

o galo camões bem galinha

chocando o ovo do índio

ou

pero vais que caminha


oswal D i ana


vendo

pagu acesa

em fogo exposta

desta coisa mostra

realidade bosta

desta coisa

vendo 


palÁvora

 

ágora

nada mais

que o teu

vagido

extinto

a Évora

paLarvas

são salivas

entre/dentes

canibais

ou carnibÁvoras

 


poema um

 

entre a pele e a flor no asco

com meia sola no sapato

o meu vapor mais que barato

industrial e info núatico

entre o couro de zinco e o cabelo

mar de indecifrável plástico

por entre o bronze dos teus pelos

 

entre o gozar cibernético

em todo sangue magnético

a minha carne pós poeira

entre a flor e o vaso de barro

na home page ou no carro

na camisinha de vênus

vírus h corroendo

 

em vita plus ou na sala

meu olho gótico TVendo

brazilírica lâmpada /fala

por um tanto ou tanto quase

cento  e dez em cada fase

não sendo assim acaba sendo


poema dois

 

a tarde morre

quando estou

em frente ao cais

 

quando estou

de frente

ao cais

a tarde não morre

a noite

faz 


poema três

 

fósforo faísca

lasca de cuspe

formigueiro

falo um país concreto

livre solto reto

percevejo

inseto 


Tor poema quatro

 

a lata que bateu na letra

a lírica que o poeta agora

metade de uma coisa densa

goleiro defendendo a métrica

sinfonia da metáfora

metal de outra coisa imensa

porque não te querendo afora

então só  quero   áfora 


poema cinco

 

é simples

como se não fosse

complicado fosse o que pensar

doce de sal e fel na minha boca

quando explicado

perde o paladar


poema seis

 

estando quase

sempre e mesmo

estan/do

esteja breve

assim como uma letra

escrita a lápis

numa estrela

aquarela rabiscada a giz

estando por um raio

                      esteja por um triz 


self service

 

não fosse isso ilusão de ética

isso não seria aquilo

aquilo não seria isso

por mais que latente seja a dialética

comida eu gosto

não gosto

de cumer à kilo


pois 2 mais 2 que seja quatro Tor fausto ana cristina césar/lince  sandra que seja pois...

 

imaginava matemática

arquitetada em números –

tantos

milimetricamente cada passo

subtraída em equações

projetada à régua –

compasso

jamais poema ao centro

(- # ^ & % @ + = * “ / ? , ~! ] =:

.

e

no entanto

aqui está

ela –

simplesmente poesia

dentro


poundianas

 

torquato era um poeta    

que amou a ana

leminski profeta

que amou a lice

um dia/pós

veio uilcon torto

e pegou a jóia diana

juntou na pereiralice

 

com o corpo e alma

das duas

foi Beauvoir assombradado

roendo o osso do mito

pra lá de frança ou bahia

pois tudo que o anjo via

Sartre jurou já ter dito

 

NONADA

biúte: ria      


pois 6 mais 6 xangô que veja ferreira hygia veredas pois   iansã que seja ...

 

grande serTão

folhas secas

guimarães joão

concreta poesia

prosa

depois

que o MAGMA

veio à luz

a mangueira verde

é rosa


punção 2

 

pelos

dessa

fios

de tensão

que a cidade

comporta

a carne elétrica

está quase

não suporta mais

um fio


se eu esquecer-me em    j

quando estiver-me em   u

para escontrar-me em    l

se eu desfizer-me em      i

e         construir-me em   a

e desmarchar-me em      n

numa espiral secreta

é que estou em alfa

estando um pouco beta

        mesmo querendo

                              outra

quando estiver   poet      a


 

sousAndrática

 

leve

ave pena

leve

arara amazônica

breve sobrevoa

rara lâmpada

límpida

 

azul de zinco

impávida oceânica

cérebro vivo

ofusca

a serra

wall street

cega

bela city desumana

anti passarada

morte

que me roa

ave pena

leve

sousândrade

que me doa


traição 2

 

o corpo estático sobre a terra

cerrados os lábios

como se o pavor da língua

não permitisse o entre e sai

formigas sob os pelos

macabea prometeu somente um gesto

cavar ainda maia a  sepultura

para que  a música não

perturbasse seus ouvidos


traição 3

 

clarisse olhou o barco com dois olhos salgados esperma ainda quente provocando frio no ventre

foi de encontro à água na areia

arrastou seu corpo pelas pedras

um marisco   ainda vivo

penetrou nas suas trevas

e se instalou definitivamente

no lugar mais inseguro o seu porto

para perturbar por toda vida sua fonte de prazer 

 

      

Ator, produtor, videomaker e agitador cultural, o poeta Artur Gomes tem assinatura própria. SagaraNAgensFulinaímicas, seu mais novo livro, repleto de citações a partir do título, é a prova generosa do que afirmo: um inventário da pulsação de sua escritura, uma das mais iluminadas, entre os remanescentes da geração que se inicia nos anos 60-70.

Mesmo mirando certa desconstrução narrativa, o autor semeia as raízes culturais, germinadas naquelas décadas, que desabrocharam como furacão em nossa arte, principalmente vindas da canção popular, com sua palavra cantada, da poesia marginal, da Tropicália, do Concretismo, do poema-postal, da poesia visual, do cinema e, mesmo, dos quadrinhos.

Todo esse caldeirão cultural, todas essas referências e linguagens eram (são) muito próximas: Caetano, Gil, Torquato, Glauber, Leminski, Waly, Gullar, Hilda Hilst... E é desse quadro geracional (e bem lá atrás,Drummond, Murilo Mendes, Bandeira, Cabral, Quintana, Mário, Oswald e Guimarães Rosa - e principalmente -, a trilogia dos malditos: Rimbaud, Baudelaire e Mallarmé, além dos ecos do mestre beat, Allen Ginsberg), é desse manancial criativo que o poeta consegue desarmar o que nele se encontra envolto, de forma atávica, e reafirmar seus próprios tempo e potência, com o refinamento de sua fala.

Ao unir todo artefato onde exista possibilidade de poesia, Artur Gomes habita o lugar entre a palavra e a imagem, ao experimentar os sentidos que lhe chegam, sugando os afluentes existentes nas estruturas tradicionais de nossas artes, e reescrevendo-os a seu bel-prazer, num mix de nostalgia e futuro.

“visto uma vaca triste como a tua cara:
estrela cão gatilho morro
a poesia é o salto de uma vara”

De forma particular, o autor parece nos indicar algo que se confunde com transgressão, mas, ao mesmo tempo, mantém a linha tênue da poesia clássica, ao flertar com um romantismo de tintas fortes, e tocando, igualmente, o surrealismo, com uma violência verbal, que cheira à flor e à brutalidade. Cada poema possui sua própria respiração, pausa e pontuação emocionais. Quem não gostar de sangrar e ir fundo no mais recôndito dos prazeres é melhor não prosseguir na leitura, mas quem tiver coragem de encarar a vida de frente e se deliciar com versos saborosos e extremamente imagéticos, entre no mundo do poeta, de imediato, e sentirá a alegria de descobrir uma poesia a que não se pode ficar indiferente.

“a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica”

Ainda que não pretenda novas experiências formais, o autor consegue alcançar perspectivas ousadas e radicais, em vários enquadramentos linguísticos, sempre disponíveis para o espanto, já que quando falamos de poesia, tocamos em lados inexatos, onde qualquer inversão de objetividade, e da própria realidade, é sempre bem-vinda. Sua poesia tem muito da desordem, da inobservância de regras, do não sentido, e apresenta um discurso contrário a certo pensamento lógico, fazendo surgir nas páginas do livro, algumas impurezas saudáveis.

“te procurei na Ipiranga
não te encontrei na Tiradentes
nas tuas tralhas tuas trilhas
nos trilhos tortos do Brás
fotografei os destroços
na íris do satanás”

SagaraNAgensFulinaímicasnos apresenta uma peça de tom quase operístico e, paradoxalmente, para um só personagem: o Amor. E o desenho poético dessa montagem pressupõe uma grande carga lírica, alegórica e, tantas vezes, dramática, ao retratar o som universal da Paixão, perseguindo a imagem ideal dos limites do desejo. Seus versos são movidos por esse sentimento dionisíaco, e por tudo que é excesso, por tudo que é muito, como na música de Caetano.

“te amo
e amor não tem nome
pele ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos”

E indaga e responde:

“até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria”

Em seu texto, há uma espécie de dança frenética, onde interagem os quatro elementos do Universo – Terra, Água, Fogo e Ar – numa feitiçaria cósmica em contínuo transe mediúnico. Poesia que é seta certeira no coração dos caretas e dos conformados, ao apontar para as possíveis descobertas inesperadas da linguagem, inebriada pela vida, pelo cantar amoroso, pelo encontro dos corpos.

“e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa”

Dono de uma sonoridade vocabular repleta de aliterações e assonâncias, que remetem à intensa oralidade e à pulsão musical, refletindo no leitor o desejo de ler os poemas em voz alta, o poeta brinca com as palavras, cria neologismos, utiliza-se de colagens originais, e soma ao seu vasto arsenal de recursos, o uso das antíteses, dos paradoxos, das metonímias, das metáforas, dos pleonasmos e, principalmente, das hipérboles, através de poemas de impactante beleza. Esse jogo vocabular, que a tudo harmoniza, transforma a dinâmica do verso, dá agilidade, tensão e ritmo envolventes a uma poesia elétrica e eletrizante. Um bloco de tesão carnavalizante e tropical - atrás de Artur Gomes só não vai quem não o leu.

“quero dizer que ainda é cedo
ainda tenho um samba/enredo
tudo em nós é carnaval”

De forma lúdica e irônica, reconstrói, ou reverte, as intenções de Guimarães Rosa, quando Sagarana se mistura à ideia de paisagens e ao sentido de sacanagens; e às de Mario de Andrade - onde Macunaíma reparte seu teor catártico em poéticas folias, ou em fulias de imagens, ou seja, em fulinaímicas poesias, banhadas de caos e humor.

“é língua suja e grossa
visceral ilesa
pra lamber tudo que possa
vomitar na mesa
e me livrar da míngua
desta língua portuguesa”

Ao seguir de perto o conceito metafórico do processo crítico e cultural da Antropofagia, o artista ratifica seus valores, com sua língua literária, e reafirma o ato de não se deixar curvar diante de certa poesia catequisada pela mesmice e pelo lugar comum, distanciando-se da homogeneidade de certo academicismo impotente e de certos parâmetros poéticos com que já nos acostumamos. De acordo com o próprio autor, revelado em uma entrevista, SagaraNAgensFulinaímicas é um pedido de bênção a seus Mestres, imbuído do teor catártico que sua poesia contém, como o fragmento do poema que abre o livro:

“guima meu mestre guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste”

E afirma:

“só curto a palavra viva
odeio essa língua morta
poema que presta é linguagem
pratico a SagaraNAgem
no centro da rua torta”

No livro, os poemas se interpenetram, linguisticamente, libidinosos, doces e cruéis, vampiros de imagens ferrenhas,num aparente jogo de representação, onde o rosto do poeta se mostra e se esconde, de acordo com a mutação e o reflexo de seus espelhos interiores. Seus textos ora afirmam, ora desmentem o já dito, a nos lembrar um de seus ídolos, Raul Seixas, e a sua metamorfose ambulante. Sentimentos contraditórios, como se o autor quisesse, propositalmente, escorregar segredos pelos nossos olhos,ambiguamente, rindo de nós, a nos instigar: “Desnudem a minha esfinge!”

“eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta”

Na verdade, sua poesia apresenta vários (re) cortes, várias direções, vários abismos e formas de olhar a vida e o mundo. Como se o verdadeiro Artur se dissolvesse em outros, a cada poema, e essa dissipação o transformasse em alguém improvável, impalpável. Errante. Artur Gomes, ele mesmo, são muitos. E todos nós.Afinal, “o poeta é um fingidor”, ou não?

“a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta
juro que não sou poeta”

Tantas vezes escatológico e sensual, numa performance textual que parece uma metralhadora giratória, o seu imaginário poético explode em tatuagens, navalhas, sangue, cicatrizes, punhais, facas, cuspe, pus, línguas, dedos, dentes, unhas, seios, paus, porra, carne, flores e lençóis, como um paraíso construído num inferno, e toca o nosso céu interior, nas ondas de um mar verde escondido em nosso peito. Na nossa melhor alma.

Sem falsos pudores, o autor procura, em seu liquidificador de palavras, misturar o erótico, o profano e o sagrado, com cortes de cinismo e grande dose de humana solidariedade. Equilibrista na corda-bamba, sem rede de proteção, entre razão e delírio, instiga dualidades com seus versos de alta voltagem poética. Com linguagem rebuscada, seu trabalho ultrapassa os limites das páginas do livro, e reverbera como tambor, mesmo após o término de sua leitura.

“a carne da palavra
: POESIA

l a v r a q u e s o l e t r o
todo Dia”

A poesia de cunho social é, igualmente, referência obrigatória em seu trabalho, desde o início de sua carreira literária, marcadamente, em Jesus Cristo Cortador de Cana, de 1979, mas, principalmente, no memorável e premiado O Boi Pintadinho, de 1980. Esses poemas político-sociais, junto ao tema amoroso, também encontramos em outras obras importantes do poeta, como Suor & Cio, de 1985, Couro Cru & Carne Viva, de 1987 e 20 Poemas com Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção com Sabor de Campos, de 1990, e se inserem em todos os seus livros posteriores, que culminam agora em SagaraNAgensFulinaímicas.

Em suas viagens imemoriais, o poeta mistura São Paulo, Copacabana, Búzios, calçadas, origem, chão, mares, cactos, sertão, onde tudo sangra de maneira violentamente bela e sem volta. Só a língua a ser reconstruída em poesia.

“ando por são Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara”

Artur Gomes sabe que ao escritor cabe proporcionar beleza e prazer. Entende que a poesia existe para expressar a condição humana, tocar o coração e a emoção do outro, e dar oportunidade para que seu interlocutor tenha chances de conhecer-se mais e melhor. Eque só há um meio de o poeta conseguir seu intento: cuidar e aperfeiçoar a linguagem. Sempre coerente, Artur Gomes sublinha o essencial de seu pensamento, ratificando em seu trabalho que as duas maiores palavras da nossa língua são amor e liberdade.

“a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala”

SagaraNAgens Fulinaímicas veio confirmar o que os leitores do poeta já sabiam: Artur Gomes é um artista instigante, um cantador que desafia rótulos. No seu fazer poético, há um desfocar proposital da realidade, onírico e cinematográfico, que mergulha em constantes vulcões, em permanente ebulição – um texto em contínuo movimento. Sua poesia metalinguística, plástica, furiosa, delicada, passional, corporal, sexual, desbocada, invasiva, libertária, corrosiva, visceral, abusada, dissonante, épica é, antes de tudo, a poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras.

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O Poeta Enquanto Coisa

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