BraziLírica Pereira :
A Traição das Metáforas
*
A Traição do Lirismo
Dalila
Teles Veras
Artur Gomes, feito gume, é máquina
devoradora do mundo. Mastiga coisas, afetos, pessoas, rumina e afia os elementos em
sua navalha verbal e os transforma na mais pura poesia.
Dono de uma criatividade em permanente ebulição,
hábil no verbo e na disposição visual do mesmo no espaço do suporte -
papel ou pano -
bandeira a gotejar palavra que, não raro, é também palco e gesto,
(in)cenação a complementar e enriquecer o que a palavra muda já disse, a
dizer outra coisa que é também a mesma coisa: poesia.
Poeta em tempo integral, como poucos ousaram ser, Artur Gomes constrói,
sem pressa (os anos não parecem pesar - na carne nem no espírito)
a sua delirante e criativa poesia, colagem da colagem da colagem,
(re)encarnação mais do que perfeita da antropofagia como nem mesmo o
velho Serafim sonhou. Nada,
absolutamente nada escapa à sua devastadora e permanente passagem,
andarilho de poderosa voz a evangelizar para a poesia.
Este Brazilírica Pereira: A Traição das
Metáforas é a continuação
de um enredo de há muito ensaiado. Seus atrevidos personagens já
apareciam em Vinte Poemas com Gosto
de JardiNÓpolis & Uma Canção Com
Sabor de Campos.
Legítimas apropriações retiradas de
suas viagens brazílicas, figuras que a sua generosidade literária
faz questão de homenagear. Na passarela poética de Artur,
tanto podem desfilar Mallarmé, Faustino, Dalí, Oswald,
Baudelaire, Drummond, Pound, Ana Cristina César e o sempre lembrado
mestre Uilcon Pereira, a quem o novo livro é dedicado, como personagens
anônimos encontrados nas quebradas do mundaréu, além dos amigos,
objeto constante de sua poesia.
Neste caldeirão, “olho gótico TVendo”, entra até um despudorado acróstico, rimas
milionárias em permanente celebração. O poeta Artur, disfarçado de concreto,
celebra descaradamente a amizade e o lirismo e ri-se de quem tenta
classificá-lo. Evoé, Artur!
A
uilcon pereira
por seu eterno
coração de boatos
a carlos lima
que por seu poema 1968
me permitiu o sub-título
a todos os cúmplices
que por falta de munição & Money
não citados
na batalha
desta fake inquisição de um pós-real
tropicanalha
às musas metafóricas
Analice e Ednalda
para Alice Flora e Filipe
axioma para final de século
p/Carlos Careqa & Hélio Letes
a diferença
entre o legume
e o vegetal
VER/dura
mineral
nas minas do quintal
fruto menstrual
no ancestral pomar
das coxas
inquisição:
por sermos duas metáforas novas frescas gostosas desoprimidas e sem qualquer pseudo complexo de fidelidade é que estamos aqui em brazilírica pereira por sugestão da uilcona biúka diante desta outra inquisição. não ainda não fomos apresentadas a lady federika bezerra. mas a conhecemos pela sua fama internacional de porta/bandeira. macabea não pode se sentir frustrada pela nossa decisão de estarmos aqui neste confessionário. Primeiro porque não temos e nunca tivemos nenhum compromisso com ela. segundo é que alinhamos em outra frente liberal e desfrutamos de todo direito de ir e vi ter e dar prazer gozar da forma que melhor nos convir. sexo? é uma opção de gosto mesmo. até no palco porão? irônicas? Sim nosso mestre serAfim nos ensinou que do sarcasmo nasce a grande arte. mas o importante é que nós como metáforas não precisamos estar somente em entre/linhas estamos também nas entre/tuas entre/minhas e não se trata de traição procuramos fazer algo diferente por exemplo do que já vimos em filmes de godard construídos em larga medida só com citações e referências apoiando-nos nas coplagens como elementos básicos para ultrapassá-los e transcendê-los. agimos como uma espécie de conspiradoras conscientes dos bens culturais e materiais que nos pertencem como patrimônio da humanidade.
uma outra
não deveria portanto macabea vociferar aqui sua ira acusando-nos veladamente de traidoras sem assumir de fato em atitude pública a destilação desse veneno como palavra que não entra em cena. as belas letras para nós começaram através das letras belas narcisas pelos próprios nomes: metáforas e por fidelidade a federika não traímos macabea apenas não fazemos parte de uma mesma concepção de que a palavra parte e as letras que pretendemos belas não são simplesmente nossas muito menos dela. podemos constatar com gratidão que emergem das lendas fábulas crônicas e contos poemas de uma visão de mundo bem nítida e pessoal talvez quiçá quem sabe única reflexão de ruidurbanos restos de gravuras e resíduos tipográficos ou seja: uma série de gestos amorosos eróticos de novo repletos de ironias sensuais doce fervor fogo de malícias explosão e gozo por sinal diga-se de passagem que essas dimensões éticas jurídico-morais nunca nos interessaram. nossas relações com a propriedade privada em todas as suas formas e cristalizações históricas sempre foram tranquilas e sem remorsos.
1968
ou
: a investigação
uicorneana
quem és tu uílcon prereira?
que foste fazer na sorbonne?
ter aulas com sartre
ou cantar a simone
?
A
nomes ou numes?
- a massa um dia comerá os biscoitos fino que fabrico, cantarolava du boi pelo grande sertão serafim. pesava o trigo lavava a roupa amassava o pão. jesus um velho coronel de joão gullar não querendo saber das massas mandou empastelar a padaria e incendiar o matadouro do caldo de cana. du boi pensou então em ir embora de brasílica pereira: sertãzinho santo André ribeirão rio preto batatais e por fim nova granada de ouro preto e espanha. vestiu seu uniforme de gala e foi prestar depoimento na cpi das metáforas: - como produtor das artes cínicas e mentor intelectual da sacanagem federiko de albuquerque baudelaire vulgo du boi mestre/sala do grêmio recreativo e escola de samba mocidade independente de padre olivácio tem somente a dizer que virgem aqui só eu. as demais podem dar o capricórnio peixe aquário vênus quem sabe até a balança mas não cai. como mestre/sala dos prazeres invisíveis no inconsciente coletivo entrego a vocês o destino das metáforas e volto à ilha das sereias. biscoitos finos massas padaria nem pão que o diabo amassou às mulheres deixo somente a fome e meus olhos genitais.
antiLírica
eu não sou zen
muito menos zhô
nem tão pouco
zapa
não ando na contra capa
do teu disquinho digital
não alinho pela esquerda
nem à direita do fonema
vôo no centro/viagem
olho rasante/miragem
veia pulsante/poema
drummundama itabirina
fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. Brasílica amanheceu incrédula: manchetes vozerios falatórios assembleias faixas cartazes por todas as vias multivias multimeios os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim. e margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. mas césar que não é castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela. e um dia fedra sorrindo com o pênis/baton na boca foi a boca de laur da fedra e voltou com o luar na boca.
Delírio Verbal e Preito
em BraziLírica Pereira
O livro,
altar em que se celebra poetas do conturbado século XX, traz a poesia do poeta
fluminense Artur Gomes, situada na interface da praxis artística e da
experiência existencial, advinda do campo das escaramuças lexicais e da
experimentação alegórica.
Erorci Santana*
BraziLírica Pereira: A Traição das
Metáforas (Alpharrabio Edições, Santo André/SP, 2000), obra poética de Artur Gomes, toda grafada em minúsculas,
principia com dois textos ou, melhor, intertextos com lastro na obra do
escritor Uilcon Pereira, espécie de
homenagem a desvairada letra uilconiana
e à figura daquele escritor. Tanto que, no sintético poema que arremata esse
preito literário, Artur o invoca
através de uma circunstância biográfica datada:
“quem es tú uilcon pereira?/que foste fazer na
sorbonne?/ter aulas com sartre/ou cantar a simone?”.
Contudo, e apesar da primazia de Uilcon
Pereira nesta festa verbal, é vasto o coração dessa usina lírica, BraZilírica Pereira trafega em que,
antes de traição, há a afirmação do caráter multifacetário e engendrador das
metáforas, personificadas e levadas ao extremo onde êxtase e humor se
entrelaçam.
Todo um
renque de escritores de ponta é glosado, parodiado e parafraseado: Mallarmé(e
seu lance de dados), Oswald de Andrade (e seus biscoitos finos, prometido ao
palato das massas), Leminski (e sua Alice), Drummond (e seu anjo torto), além
de Torquato Neto, Mário Faustino, Sousândrade, Ezra Pound, Dalí, Ana Cristina
César, autores referenciais a constituir um panteão geracional. São ícones
alinhados no altar da celebração literária, sim, mas também serventia
doméstica, dos quais o autor se utiliza, por estético capricho, com derrisão e
iconoclastia:
“torquato era um poeta/que amou a ana/leminski
profeta/que amou a lice/um dia/pós/veio uilcon torto/e pegou a joia
diana/juntou na pereiralice/com o corpo & alma das duas/foi Beauvoir
assombradado/roendo o osso do mito/pra lá de frança ou bahia/pois tudo que o
anjo via/Sartre jurou já Ter dito/Nonada/biúte:ria”.
Aqui não se vislumbra paradoxo, pois a modernidade, tendo peneirado as cinzas
da dor humana no século XX, revelou a fênix de face tanto ebúrnea quanto
álacre; a arte passou a privilegiar o profano e o lúdico em detrimento das
inclinações sacramentais e sombrias.
E essa BraziLírica
Pereira antropofágica e transluzente é a maneira do poeta entretecer a
urdidura dos afetos, reinventar a cultura e os agentes culturais de sua
predileção, com instrumentos lúdicos e sarcásticos, considerados a ponte para a
grande arte.
Outro aspecto a ser considerado é que o autor, egresso do movimento da poesia
marginal dos anos 70,
“essa poesia
de efeito extraordinariamente comunicativo, que procura e tira vantagem de uma
dicção bem-humorada, ardilosa, alegre e instantânea”, na radiografia de Heloísa
Buarque de Hollanda, incorporou e aprimorou suas principais conquistas
estéticas, notadamente elementos da oralidade acoplados à exploração acentuada
da sonoridade vocabular, recurso que leva a poesia ao liminar do domínio
musical.
Quase não é mais poesia para ler e sim para dizer
em alta voz, ou cantar., circunstância em que o poeta moderno recupera o status
de jogral. Nessa aventura literária, às vezes o autor se transubstancia no
texto, traveste-se através das personas Lady Gumes, Macabea, Federika Bezerra,
Fedra Margarida, projeções de seu alter-ego que pretendem cravar o corpo na
palavra, com sinuosidades, coalescências e dissimulações, atributos só
encontráveis no espírito feminino.
Situada na interface da praxis artística e
experiência existencial, o poeta-prazer, com estado de êxtase permanente desde Couro Cru & Carne Viva, perpetua
sua poesia guerrilheira no campo das escaramuças lexicais e da experimentação
alegórica, dotada até de um certo autoflagelamento exibicionista, em que louca
e alucinada se lacera e despe-se da veste hierática revelando sua outra face
insuspeita, sua outra indumentária profusa e multicolor. Em outras palavras,
seu traje de ironia e de humor.
Erorci Santana é poeta, autor de Estatura Leviana, Conceitos para Rancor e Maravilta.
1968
ou
: a investigação
uicorneana
quem és tu uílcon prereira?
que foste fazer na sorbonne?
ter aulas com sartre
ou
cantar a simone
?
A
nomes ou
numes?
- a massa um dia comerá os biscoitos fino que fabrico, cantarolava
du boi pelo grande sertão serafim. pesava o trigo lavava a roupa amassava o
pão. jesus um velho coronel de joão gullar não querendo saber das massas mandou
empastelar a padaria e incendiar o matadouro do caldo de cana. du boi pensou
então em ir embora de brasílica pereira: sertãzinho santo André ribeirão rio
preto batatais e por fim nova granada de ouro preto e espanha. vestiu seu
uniforme de gala e foi prestar depoimento na cpi das metáforas: - como produtor
das artes cínicas e mentor intelectual da sacanagem federiko de albuquerque baudelaire
vulgo du boi mestre/sala do grêmio recreativo e escola de samba mocidade
independente de padre olivácio tem somente a dizer que virgem aqui só eu. as demais
podem dar o capricórnio peixe aquário vênus quem sabe até a balança mas não
cai. como mestre/sala dos prazeres invisíveis no inconsciente coletivo entrego
a vocês o destino das metáforas e volto à ilha das sereias. biscoitos finos
massas padaria nem pão que o diabo amassou às mulheres deixo somente a fome e
meus olhos genitais.
antiLírica
eu não sou zen
muito menos zhô
nem tão pouco
zapa
não ando na contra capa
do teu disquinho digital
não alinho pela esquerda
nem à direita do fonema
vôo no centro/viagem
olho rasante/miragem
veia pulsante/poema
drummundama
itabirina
fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando
falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. Brasílica amanheceu
incrédula: manchetes vozerios falatórios assembleias faixas cartazes por todas
as vias multivias multimeios os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados
com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim. e margarida flor
impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. mas césar que não é
castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela. e um dia fedra
sorrindo com o pênis/baton na boca foi a boca de laur da fedra e voltou com o
luar na boca.
Dora und
(poema de 7 faces) in alguma poesia
quando nasci
um anjo alado -
- daqueles viciado
em parati
meu deu um tapa na bunda
pra que eu logo transformasse
todo horror guardado em pranto
- foi ele cortar o umbigo
do sangue eu beber e berrasse –
: drummundo pra todo canto
ilusão de
Ótica
esse Não ç dilha
quando o poço
é mais pra fossa
todo nervo
é mais que osso
todo mar é uma ilha
todo samba é mais pra bossa
um lance
de dados
doze e quarenta
e seis
mallarmè
na hora incerta
dormindo
visível na besta
sinal inviável
na quarta
dedo de deus
na segunda
jogando dado
na sexta
Leminsk i
Ando
só olho ana à vera
faça outono ou primavera
quantas eras
quantas anas
em carNA val
meu olho disse
:
ana à vera
vera ana
ana clara
claralisse
vejo ana
lendo Eunice
quando li
só vi lu ana
e
ana ali
só vi
li ana
ana/verso
anAlice
macabea
vocifera
lady gumes a diretora geral do brasilírico presídio federal de
assombradado impressionada com a decisão pungente das metáforas em produzir
libertinagens traçou um plano para que as meninas pudessem vez em quando
sobrevoar os céus do parador em grande falo gigante capricórnio tropical
macabea a ofendida tentou de tudo: forjou mentiras corrompeu
guardas comprou juízes cooptou alunos advogados de deus e do diabo
- “não estou aqui para que pintores sem a mínima competência tentem lambuzar com qualquer tinta de porra a minha estrela que não sobe” vociferava
mas a lady decidida prosseguiu afiando a faca de dois gumes e no momento exato final e derradeiro serrou as grades de ferro que amarravam as portas do corredor central assim feito as metáforas puderam saborear o vôo do zepelin rasante com seu músculo animal e as metáforas se abriram igualzinho igual a geni da tropicália a filha do chico da mangueira
metáforas em juli A
colocar-
me
entre
tuas entre linhas
alinhar-
me
poema líquido
em teu esperma de pedras
espumas brancas do mAr
fedras não és
nem seria
o meu navio que velas
quando brincamos de fadas
em teu oceano de areia
quando em meu sonho ponteio
um s em teus olhos ponteia
como um dourado nas águas
quem sabe águias no
AR
metáfora faustínica
o mundo que venci deu-me uma flor
de lótus
que desfio incontinente de
malícias
faíscas na linguagem relâmpagos no meu falo
saliva na minha fala
mesmo em silêncio quando calo
por cima de qualquer sonho de grego
por dentro de qualquer fosso complexo
o mundo que venci deu-me uma flor
de cactos
que o relógio do meu tempo não tem hora
troféu perigoso esse vassalo
em chão de céus infernos meus cavalos
amando a fátria que fariu língua senhora
a traição das metáforas
não me chamo federika bezerra nem sou
amante de rosa noiva sim sem data marcada
para casamento
e aliança de carne ardendo na coxa esquerda
tudo mais já dito sobre mim na quarta-feira de
cinzas é fato eu dei o tiro de misericórdia no
peito agonizante do papa no palácio do catete
ainda que seja quando aqui e mais além que seja mar
macabea para quem não sabe escava sua
própria cova e cava com raiva canina o
buraco negro urubu
murilíndiamendiana
o poeta experimental passeia sua cueca monossilábica por cima dos pianos
da
madrugada devorando amoras
macabea invoca nossa senhora das derrotas
para enfrentar o desvario
o poeta está nu cio
macabea corre
o poeta flama inverso
macabea chora
experimental barroco o poeta sobrevoa palácios
e urubus macabea tenta mas não consegue ser pagu
poeta é phoda
macabea pede
o menino faz que não entende
macabea implora
e o poeta põe na metáfora do cu
musaum
o mistério não está
no espírito da carne de
porco
quando torto
me entrego a ti
por ela
poesia guarda
noturna sentinela
B
no coração dos boatos
isso aqui não é a hora da
estrela minha mãe não é alice
que apesar de freira de
hábito só tinha o
vício de me prender por
entre o crucifixo
colocado entre suas pernas
macabea vivia falando
sozinha pelos
corredores federais da
outra inquisição
conseguia vez em quando reunir
alguns há-
bitantes
mal informados sobre a insurreição
das artes aromáticas
e passava o tempo querendo
mostrar seus
dotes culinários nua e
crua
estuprada pelos estivadores
daquele cais
do porto
tentou arrancar o sexo com
as unhas
e enlouqueceu uivando como loba amarrada à santa cruz
de uma cabrália velha igrejinha
enquanto na primeira missa
o galo camões bem galinha
chocando o ovo do índio
ou
pero vais que caminha
oswal
D i ana
vendo
pagu acesa
em fogo exposta
desta coisa mostra
realidade bosta
desta coisa
vendo
palÁvora
ágora
nada mais
que o teu
vagido
extinto
a Évora
paLarvas
são salivas
entre/dentes
canibais
ou carnibÁvoras
poema um
entre a pele e a flor no asco
com meia sola no sapato
o meu vapor mais que barato
industrial e info núatico
entre o couro de zinco e o cabelo
mar de indecifrável plástico
por entre o bronze dos teus pelos
entre o gozar cibernético
em todo sangue magnético
a minha carne pós poeira
entre a flor e o vaso de barro
na home page ou no carro
na camisinha de vênus
vírus h corroendo
em vita plus ou na sala
meu olho gótico TVendo
brazilírica lâmpada /fala
por um tanto ou tanto quase
cento e dez em cada
fase
não sendo assim acaba sendo
poema
dois
a tarde morre
quando estou
em frente ao cais
quando estou
de frente
ao cais
a tarde não morre
a noite
faz
poema
três
fósforo faísca
lasca de cuspe
formigueiro
falo um país concreto
livre solto reto
percevejo
inseto
Tor poema quatro
a lata que bateu na letra
a lírica que o poeta agora
metade de uma coisa densa
goleiro defendendo a métrica
sinfonia da metáfora
metal de outra coisa imensa
porque não te querendo afora
então só quero áfora
poema cinco
é simples
como se não fosse
complicado fosse o que pensar
doce de sal e fel na minha boca
quando explicado
perde o paladar
poema seis
estando quase
sempre e mesmo
estan/do
esteja breve
assim como uma letra
escrita a lápis
numa estrela
aquarela rabiscada a giz
estando por um raio
esteja por um triz
self service
não fosse isso ilusão de ética
isso não seria aquilo
aquilo não seria isso
por mais que latente seja a dialética
comida eu gosto
não gosto
de cumer à kilo
pois 2 mais 2 que seja quatro Tor
fausto ana cristina césar/lince sandra que
seja pois...
imaginava matemática
arquitetada em números –
tantos
milimetricamente cada passo
subtraída em equações
projetada à régua –
compasso
jamais poema ao centro
(- # ^ & % @ + = * “ / ? , ~! ] =:
.
e
no entanto
aqui está
ela –
simplesmente poesia
dentro
poundianas
torquato era um poeta
que amou a ana
leminski profeta
que amou a lice
um dia/pós
veio uilcon torto
e pegou a jóia diana
juntou na pereiralice
com o corpo e alma
das duas
foi Beauvoir assombradado
roendo o osso do mito
pra lá de frança ou bahia
pois tudo que o anjo via
Sartre jurou já ter dito
NONADA
biúte: ria
pois 6 mais 6 xangô que veja ferreira hygia
veredas pois iansã que seja ...
grande serTão
folhas secas
guimarães joão
concreta poesia
prosa
depois
que o MAGMA
veio à luz
a mangueira verde
é rosa
punção 2
pelos
dessa
fios
de tensão
que a cidade
comporta
a carne elétrica
está quase
não suporta mais
um fio
se eu esquecer-me em
j
quando estiver-me em u
para escontrar-me em
l
se eu desfizer-me em i
e construir-me
em a
e desmarchar-me em
n
numa espiral secreta
é que estou em alfa
estando um pouco beta
mesmo querendo
outra
quando estiver poet a
sousAndrática
leve
ave pena
leve
arara amazônica
breve sobrevoa
rara lâmpada
límpida
azul de zinco
impávida oceânica
cérebro vivo
ofusca
a serra
wall street
cega
bela city desumana
anti passarada
morte
que me roa
ave pena
leve
sousândrade
que me doa
traição 2
o corpo estático sobre a terra
cerrados os lábios
como se o pavor da língua
não permitisse o entre e sai
formigas sob os pelos
macabea prometeu somente um gesto
cavar ainda maia a sepultura
para que a música não
perturbasse seus ouvidos
traição 3
clarisse olhou o barco com dois olhos salgados esperma ainda
quente provocando frio no ventre
foi de encontro à água na areia
arrastou seu corpo pelas pedras
um marisco ainda vivo
penetrou nas suas trevas
e se instalou definitivamente
no lugar mais inseguro o seu porto
para perturbar por toda vida sua fonte de prazer
Ator, produtor, videomaker e agitador cultural, o
poeta Artur Gomes tem assinatura própria. SagaraNAgensFulinaímicas, seu mais
novo livro, repleto de citações a partir do título, é a prova generosa do que
afirmo: um inventário da pulsação de sua escritura, uma das mais iluminadas,
entre os remanescentes da geração que se inicia nos anos 60-70.
Mesmo mirando certa desconstrução narrativa, o
autor semeia as raízes culturais, germinadas naquelas décadas, que
desabrocharam como furacão em nossa arte, principalmente vindas da canção
popular, com sua palavra cantada, da poesia marginal, da Tropicália, do
Concretismo, do poema-postal, da poesia visual, do cinema e, mesmo, dos
quadrinhos.
Todo esse caldeirão cultural, todas essas
referências e linguagens eram (são) muito próximas: Caetano, Gil, Torquato,
Glauber, Leminski, Waly, Gullar, Hilda Hilst... E é desse quadro geracional (e
bem lá atrás,Drummond, Murilo Mendes, Bandeira, Cabral, Quintana, Mário, Oswald
e Guimarães Rosa - e principalmente -, a trilogia dos malditos: Rimbaud,
Baudelaire e Mallarmé, além dos ecos do mestre beat, Allen Ginsberg), é desse
manancial criativo que o poeta consegue desarmar o que nele se encontra
envolto, de forma atávica, e reafirmar seus próprios tempo e potência, com o
refinamento de sua fala.
Ao unir todo artefato onde exista possibilidade de
poesia, Artur Gomes habita o lugar entre a palavra e a imagem, ao experimentar
os sentidos que lhe chegam, sugando os afluentes existentes nas estruturas
tradicionais de nossas artes, e reescrevendo-os a seu bel-prazer, num mix de
nostalgia e futuro.
“visto uma vaca triste como a tua cara:
estrela cão gatilho morro
a poesia é o salto de uma vara”
De forma particular, o autor parece nos indicar
algo que se confunde com transgressão, mas, ao mesmo tempo, mantém a linha
tênue da poesia clássica, ao flertar com um romantismo de tintas fortes, e
tocando, igualmente, o surrealismo, com uma violência verbal, que cheira à flor
e à brutalidade. Cada poema possui sua própria respiração, pausa e pontuação
emocionais. Quem não gostar de sangrar e ir fundo no mais recôndito dos
prazeres é melhor não prosseguir na leitura, mas quem tiver coragem de encarar
a vida de frente e se deliciar com versos saborosos e extremamente imagéticos,
entre no mundo do poeta, de imediato, e sentirá a alegria de descobrir uma
poesia a que não se pode ficar indiferente.
“a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica”
Ainda que não pretenda novas experiências formais,
o autor consegue alcançar perspectivas ousadas e radicais, em vários
enquadramentos linguísticos, sempre disponíveis para o espanto, já que quando
falamos de poesia, tocamos em lados inexatos, onde qualquer inversão de
objetividade, e da própria realidade, é sempre bem-vinda. Sua poesia tem muito
da desordem, da inobservância de regras, do não sentido, e apresenta um
discurso contrário a certo pensamento lógico, fazendo surgir nas páginas do
livro, algumas impurezas saudáveis.
“te procurei na Ipiranga
não te encontrei na Tiradentes
nas tuas tralhas tuas trilhas
nos trilhos tortos do Brás
fotografei os destroços
na íris do satanás”
SagaraNAgensFulinaímicasnos apresenta uma peça de
tom quase operístico e, paradoxalmente, para um só personagem: o Amor. E o
desenho poético dessa montagem pressupõe uma grande carga lírica, alegórica e,
tantas vezes, dramática, ao retratar o som universal da Paixão, perseguindo a
imagem ideal dos limites do desejo. Seus versos são movidos por esse sentimento
dionisíaco, e por tudo que é excesso, por tudo que é muito, como na música de
Caetano.
“te amo
e amor não tem nome
pele ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos”
E indaga e responde:
“até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria”
Em seu texto, há uma espécie de dança frenética,
onde interagem os quatro elementos do Universo – Terra, Água, Fogo e Ar – numa
feitiçaria cósmica em contínuo transe mediúnico. Poesia que é seta certeira no
coração dos caretas e dos conformados, ao apontar para as possíveis descobertas
inesperadas da linguagem, inebriada pela vida, pelo cantar amoroso, pelo encontro
dos corpos.
“e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa”
Dono de uma sonoridade vocabular repleta de
aliterações e assonâncias, que remetem à intensa oralidade e à pulsão musical, refletindo
no leitor o desejo de ler os poemas em voz alta, o poeta brinca com as
palavras, cria neologismos, utiliza-se de colagens originais, e soma ao seu
vasto arsenal de recursos, o uso das antíteses, dos paradoxos, das metonímias,
das metáforas, dos pleonasmos e, principalmente, das hipérboles, através de
poemas de impactante beleza. Esse jogo vocabular, que a tudo harmoniza,
transforma a dinâmica do verso, dá agilidade, tensão e ritmo envolventes a uma
poesia elétrica e eletrizante. Um bloco de tesão carnavalizante e tropical -
atrás de Artur Gomes só não vai quem não o leu.
“quero dizer que ainda é cedo
ainda tenho um samba/enredo
tudo em nós é carnaval”
De forma lúdica e irônica, reconstrói, ou reverte,
as intenções de Guimarães Rosa, quando Sagarana se mistura à ideia de paisagens
e ao sentido de sacanagens; e às de Mario de Andrade - onde Macunaíma reparte
seu teor catártico em poéticas folias, ou em fulias de imagens, ou seja, em
fulinaímicas poesias, banhadas de caos e humor.
“é língua suja e grossa
visceral ilesa
pra lamber tudo que possa
vomitar na mesa
e me livrar da míngua
desta língua portuguesa”
Ao seguir de perto o conceito metafórico do
processo crítico e cultural da Antropofagia, o artista ratifica seus valores,
com sua língua literária, e reafirma o ato de não se deixar curvar diante de
certa poesia catequisada pela mesmice e pelo lugar comum, distanciando-se da
homogeneidade de certo academicismo impotente e de certos parâmetros poéticos
com que já nos acostumamos. De acordo com o próprio autor, revelado em uma
entrevista, SagaraNAgensFulinaímicas é um pedido de bênção a seus Mestres,
imbuído do teor catártico que sua poesia contém, como o fragmento do poema que
abre o livro:
“guima meu mestre guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste”
E afirma:
“só curto a palavra viva
odeio essa língua morta
poema que presta é linguagem
pratico a SagaraNAgem
no centro da rua torta”
No livro, os poemas se interpenetram,
linguisticamente, libidinosos, doces e cruéis, vampiros de imagens
ferrenhas,num aparente jogo de representação, onde o rosto do poeta se mostra e
se esconde, de acordo com a mutação e o reflexo de seus espelhos interiores.
Seus textos ora afirmam, ora desmentem o já dito, a nos lembrar um de seus
ídolos, Raul Seixas, e a sua metamorfose ambulante. Sentimentos contraditórios,
como se o autor quisesse, propositalmente, escorregar segredos pelos nossos
olhos,ambiguamente, rindo de nós, a nos instigar: “Desnudem a minha esfinge!”
“eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta”
Na verdade, sua poesia apresenta vários (re)
cortes, várias direções, vários abismos e formas de olhar a vida e o mundo.
Como se o verdadeiro Artur se dissolvesse em outros, a cada poema, e essa
dissipação o transformasse em alguém improvável, impalpável. Errante. Artur
Gomes, ele mesmo, são muitos. E todos nós.Afinal, “o poeta é um fingidor”, ou
não?
“a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta
juro que não sou poeta”
Tantas vezes escatológico e sensual, numa
performance textual que parece uma metralhadora giratória, o seu imaginário
poético explode em tatuagens, navalhas, sangue, cicatrizes, punhais, facas,
cuspe, pus, línguas, dedos, dentes, unhas, seios, paus, porra, carne, flores e
lençóis, como um paraíso construído num inferno, e toca o nosso céu interior,
nas ondas de um mar verde escondido em nosso peito. Na nossa melhor alma.
Sem falsos pudores, o autor procura, em seu
liquidificador de palavras, misturar o erótico, o profano e o sagrado, com
cortes de cinismo e grande dose de humana solidariedade. Equilibrista na
corda-bamba, sem rede de proteção, entre razão e delírio, instiga dualidades
com seus versos de alta voltagem poética. Com linguagem rebuscada, seu trabalho
ultrapassa os limites das páginas do livro, e reverbera como tambor, mesmo após
o término de sua leitura.
“a carne da palavra
: POESIA
l a v r a q u e s o l e t r o
todo Dia”
A poesia de cunho social é, igualmente, referência
obrigatória em seu trabalho, desde o início de sua carreira literária,
marcadamente, em Jesus Cristo Cortador de Cana, de 1979, mas, principalmente,
no memorável e premiado O Boi Pintadinho, de 1980. Esses poemas
político-sociais, junto ao tema amoroso, também encontramos em outras obras
importantes do poeta, como Suor & Cio, de 1985, Couro Cru & Carne Viva,
de 1987 e 20 Poemas com Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção com Sabor de
Campos, de 1990, e se inserem em todos os seus livros posteriores, que culminam
agora em SagaraNAgensFulinaímicas.
Em suas viagens imemoriais, o poeta mistura São
Paulo, Copacabana, Búzios, calçadas, origem, chão, mares, cactos, sertão, onde
tudo sangra de maneira violentamente bela e sem volta. Só a língua a ser
reconstruída em poesia.
“ando por são Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara”
Artur Gomes sabe que ao escritor cabe proporcionar
beleza e prazer. Entende que a poesia existe para expressar a condição humana,
tocar o coração e a emoção do outro, e dar oportunidade para que seu
interlocutor tenha chances de conhecer-se mais e melhor. Eque só há um meio de
o poeta conseguir seu intento: cuidar e aperfeiçoar a linguagem. Sempre
coerente, Artur Gomes sublinha o essencial de seu pensamento, ratificando em
seu trabalho que as duas maiores palavras da nossa língua são amor e liberdade.
“a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala”
SagaraNAgens Fulinaímicas veio confirmar o que os
leitores do poeta já sabiam: Artur Gomes é um artista instigante, um cantador
que desafia rótulos. No seu fazer poético, há um desfocar proposital da
realidade, onírico e cinematográfico, que mergulha em constantes vulcões, em
permanente ebulição – um texto em contínuo movimento. Sua poesia
metalinguística, plástica, furiosa, delicada, passional, corporal, sexual, desbocada,
invasiva, libertária, corrosiva, visceral, abusada, dissonante, épica é, antes
de tudo, a poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o
silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que
arde (em) seu rio de palavras.
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