Juras secretas de um trovador contemporâneo
por Adriano Moura
“Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.
Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras Secretas, décimo oitavo livro do poeta Artur Gomes.
Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.
Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da
ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Couro cru & Carne Viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez
sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do
livro.
Jura secreta 45
por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e minha língua fosse
só furor dos Canibais
E é com furor canibalesco que se
nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se dedica também à
leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald
Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que o coração não diz
para permitir que a poesia o diga.
Hilda Hilst, Portinari, Glauber
Rocha, são signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias
linguagens e que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é
enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem
para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional.
Jura secreta 13
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de
lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca
fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga
risse
olhando em nós flechas de fogo se
existisse
por onde quer que eu te cantasse ou
Amavisse
Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade.
Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um
trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas
imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz
alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do
carro, trem ou metrô; a poesia de Juras Secretas oferece viagens estéticas aos
que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.
Jura secreta 43
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
Adriano Carlos Moura
Mestre em Cognição e Linguagem
(Uenf).
Professor de Literatura do IFF –
Doutor em Letras pela Universidade
Federal de Juiz de Fora-MG
foto: Alice Maria Diniz
poema
19
a
língua hoje passeia
pelos
martírios de florbela
em
tudo que ela não disse
ou
mesmo exposto não revela
pelas
janelas do corpo
por
todas dores prazeres
no
que ficou por dizeres
no
silêncio quando cala
por
tudo que ainda não cabe
na
sensualidade da fala
*
tantos pratos
e talheres sobre a mesa
onde tudo cabe
*
desde que não seja Vale
*
holocausto
quem se alimenta
dessa dor
desse horror
desse holocausto
desse país em ruínas
da exploração dessas minas
defloração desse cabaço
quem avaliza o des(governo
simboliza esse fracasso?
metafórica
dialética
quantas teorias
terei
para escrever o que
falo?
quantos sapatos
ainda apertam
os calcanhares do
meu calo?
me esqueço as vezes
sobre a mesa
no jantar ou no
almoço
garfos facas pratos
talheres
me perco sempre em incertezas
se são onças leoas
leopardos tigresas
e não
saber se amanhã
vão morrer quantas
mulheres
nas fardas da realeza
*
os 270 mortos
em Brumadinho
mostram que
nesse hospício
há muita lama
no meio do caminho
fake
book
o face detonou
minha família
inteira
e lá se foram
os meus amores
carnavais
e agora o que é que
eu faço
sem as Anas sem as
Eras
as Cristinas
Isadoras Micaelas
Vênus Afrodites
todas elas
os bem-me-quer dos
meu aceiros
e dos meus canaviais
essa rede assim fascista
não comporta
os meus poemas
canibais
diante dessa crise tanta
não adianta
fazer o que não deve
no improviso do repente
poeta inteligente
não inventa: escreve
tão
tenso
nesse
tempo
estático
que
não consigo
escrever
tudo que penso
transbordou
da próstata
sem
passar pela bexiga
direto na ureta
e
se não fosse tanta dor
juro
quem sabe um dia
eu
seria um bom poeta
mais
breve que
ponteiros de relógios
o
amor roeu os ossos
comeu
a cartilagem
da linguagem dos negócios
minha
vida de cachorro
não
está pra peixe inteligente
tenho
chorado
as mortes que não tive
o morto que ainda vive
minha
pobre paciência
tamanha a indecência
dos
seus discursos de bestas
da sua língua de bosta
FULINAIMAGEM
3
Overdose
Nu Vermelho revisitada*
na linguagem dos 80
o corpo não precisava
de puteiro prostíbulo
bordel
faltasse carne
pra roçar os óvulos
a língua jorrava tinta
no papel
*Overdose Nu Vermelho – poema do livro Couro Cru & Carne Viva - 1987
muitas vezes a língua pulsa pula para o
outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos
obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes
a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro
nessa linguagem de
palavras ostras
marisco em minha
língua
espuma
escorre entre tuas
coxas
o mel da
palavra
pluma
gosma dessa
baba enguia
feito fogo queima
o sal
dessa água
impune fosse
espada peixe
flecha ao sol no meio dia
minha língua
baudelérica
faca de dois gumes
na métrica
morde o outro
gumes na delírica
a minha língua
só fonética
mallarmaica
brazilírica.
minha língua pós
andrátrica
drummundana
cibernética
afrodite na
genética
mata o verme
da quadrilha
bomba de
nêutron energética
assassígna de brazilha
FULINAIMAGEM 7
língua nova não tem
dono pode estar em qualquer boca na minha na tua na dele na dela
morde portas e janelas como se algum dente fosse língua nova está
na casa na areia na argila nesse barro chão batido nas paredes de tijolos nos
telhados de algum palácio assombradado ou mesmo fosso língua nova
está no corpo está na carne está no sangue está nos ossos língua nova é
quando posso catar um caranguejo pra escavar um novo poço
FULINAIMAGEM 8
a língua cospe da
boca essa saliva sangue escarro do beijo que me foi roubado de
outras bocas bêbadas desses dias inglórios descem cascatas de trovões anunciam
tempestades o sal amargo de algum ventre exposto as sevícias da barbárie
nas ruínas dos castelos entulhos dos palácios esqueletos carcomidos por longos
séculos de ócio
rasgo o véu na
membrana em tua íris espinho minha língua cavalo no galope nesse pasto de
quimeras era foice faca e vieste de outra Hera fosse febre fértil
fumo nas artérias fosse sangue venenoso em minhas veias óxidas rios de
carbono e chumbo lama mineral nos restos dos impérios que um rei tirano
trouxe
a voragem da
linguagem me deixou vertigem nas costas da janela estela foi despindo as coxas
me beijando os músculos com os seus dedos de moça nas entre linhas do meu terno
pra que a língua ardesse como pimenta azeite no fausto fogo desse inferno
FULINAIMAGEM 11
pessoas que me
comovem são aquelas que vivem ou viveram com os seus fios elétricos ligados
cuspindo seus relâmpagos suas trovoadas sobre as nossas tempestades. sou
fanático sim por blues samba e reggae. faço as minhas escolhas independente do
meu coração partido e sigo vivo com Os Dentes Cravados na Memória para nunca
jamais esquecê-las como a carne que comia - pessoas que me comovem rasgam
o peito e
deixam
sangrar porno grafia
desconstruir os
objetivos fascistas
:
eis a questão
diária missão
de cada um de nós
poetas
quando sabemos que
linha
torta
é muito mais
que um poema em
linha reta
quando zeus
me apresentou o raio
umbanda venceu demanda
conheci um cão azul
que me guarda
na varanda
o cão azul
para
Rodrigo Sousa Leão
in memória
ele cantava
como um pássaro engaiolado
as 4 da madrugada
no seu apartamento
e me perguntou
se eu tinha gostado
da garganta da serpente
e se era também azul
o cachorro que estava ao meu lado
invisível para mim
naquele momento
é um barco bêbado
depois da chuva
naufragado frente ao cais
em Ubatuba
há
muito tempo não recebo cartas de ninguém mas não rezo padre nossos simplesmente
para dizer amém
já
fui católico rezei terços ladainhas acompanhei a procissão dos afogados na
tapera para soletrar a palavra ca co man ga e entender que o barro da cerâmica
trago grudado na retina - meu batismo de fogo foi numa santa cecília entre
víboras e serpentes mordi a hóstia do padre - sua saia preta - me
levou a pânicos e pesadelos - de sonhar com juízes que hoje posso saber o
que são - minha África são os olhos negros de Madame Satã - na língua
tenho uma sede felina na carne essa fome ancestral pagã – de ser um
homem comum
filho de Ogum com Iansã
cato cacos de vidros
nos azuis dos alumínios lâminas de fogo azulejos nesse olho d'água
algas e pedras nesse tempo ostras antes das horas que o dia tarda e
os tiranos engatilhem seu torpor maligno - cato caco de vidros nessa areia
carma e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas - são tantas horas perdidas outras desencontradas na areia da praia no rabo da
arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus - essas horas que se perderam em ondas elétricas que se ejaculou nos ventos nas marés do zeus me
livre onde netuno não aporta mais os
seus navios
cravados
na memória
em
são sebastião do sacramento suas coxas em movimentos me lembravam
peixes sagrados nos mares que minas não tem - mãos por teus montes claros
provocavam marés - atropelos -passeios de língua entre pelos também em
outras partes lábios de mel sal abissal um peixe espada - prometeus -
desejos despindo teus seios teus dentes cravados nos meus e a lua por sobre a
capela a luz em tua alma - donzela - afrodite - uma caça
indefesa - presa - em minhas unhas de zeus
ainda que eu fosse peixe
ainda que fosse pedra
maré de maio não medra
maré de junho não fedra
a senhora das tempestades
vestiu meu vestido de chuva
vestiu minha blusa de vinho
nas festas das horas marcadas
a senhora das trovoadas
despiu minha roupa de sexta
despiu minhas roupas de quarta
deixou-me com saldo das festas
com gosto de encruzilhadas
a
mulher dos sonhos
será que Freud explica?
ontem sonhei com a mulher dos sonhos
não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço não estava -
a governanta me falou que estava em búzios - não a vi mas ouvi uma voz e
me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem
fala deve ser sempre escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do
outro lado - deu pra ver dois olhos nos búzios na areia ainda molhada pela
espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto era ela toda de branco
lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era
acordei do outro lado da praia ela gritou meu nome – perguntei quem era – ela
me disse o sobrenome – não decifrei o sonho – mas perguntei se freud explica –
ela me deu um beijo na boca.
para Filipe Barbosa Buchaul Gomes
poesia é pau é pedra
palavra sem retoque
quem
conhece o lance de dados
não
joga com dado lance
não troca flecha por lança
nem
armadura por bodoque
quem
sabe que vida é fedra
não teme a hora do toque
nem quanto custa ler Roberto Piva
e ouvir Fil Buc com a sua banda de Rock
escridura
esse poema absurdo
direto no ouvido do
surdo
escridura nos olhos
dela
ela bem sabe o que
desejo
ela bem sabe o que
espero
tem canivete no
sangue
tem um alfinete
entre dentes
a faca que corta a
navalha
sangrou as tripas
no ventre
o beijo quando for que seja
de língua lambendo a carne quente
chegou na trovoada
feito ventania
foi
como tempestade
morreu na calmaria
cato cacos de azuis
satírico freudelírico aramaico
onde
voz nenhuma me alcance
um lance de dedos nos dados
uns
dados de dedos no lance
onde vais cinzia farina
toda
vestida de letras
como
quem grafita na areia
esse
seu espelho d´água
à
beira mar na lua cheia
na hora do meu almoço
nonada no meu prato
na hora do meu jantar
nesse país a fome é tanta
que comeram meu calcanhar
no jogo de tantos dados
meus 5 sentidos mordem
signos
sem
decifrar significados
se continuarmos
a dar queijo
para os ratos
eles continuarão
a roer nossos
sapatos
grafitemas e figuralidades
estou
escrevendo um mini conto um grafitema umas figuralidades não é coisa de cinema
a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite
de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na
areia um espelho d´água à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras
como o som da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do
rio dentro da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que
vê nascer o filho beijei teus cabelos de milho e ela me perguntou quem eu era
nenhuma surpresa
pratos vazios sobre a mesa
nessa
pedra me abstrato
não
concreto o que não tenho
nem
des(calço) o teu sapato
o cateto na hipotenusa
a
hipotenusa no cateto
o
som dessa flauta me parece
sinfonia do Hermeto
essa minha obsessão
por
beleza na ternura
abstrata
no concreto
vem
da plasticidade
de
uma nova arquitetura
esse bandido
levou-me os fios de cabelo
roubou todos meus sonhos
e transformou em pesadelos
o dia que não te vi
foi baudelérico
a noite que não beijei sagaranagem
quando vi e não me viu não entendi
porque o amor não foi selvagem
quando beijei e não
sentiu
só mallarmélico
para escrever o que
ainda
está por vir quando delírico
última ceia
do
peixe vamos comer
somente
espinha
na
rapadura com farinha
vertigem 12
o barro do valão que os pés
pisaram impregnou o sangue transpirou nos poros o limo
embaixo das unhas lembra-me o lugar de onde vim aquele sertão alado como uma
ilha de creta montando alazão enluarado pre-destinado a ser poeta não tracei a
linha reta já nasci um anjo torto nada em mim se concreta no meu sonho –
desconforto -
tudo em mim é impossível até mesmo
imprevisível muito mais que inalcançável não gosto de automóvel muito menos
televisão cresci dentro do mato conheci olho de cobra tigre felinni
felino moleque malandro gato com dentes afiados de cão
e o amor em desalinho
eu tinha fome de beijos
ela tinha sede de vinhos
para Divanize Carbonieri
poesia poderosa muitas vezes pandeprosa
muitas vozes
vozes muitas
muitas outras
línguas claras
mesmo em noites
obscuras
o abstrato se depura
em raras vozes
vozes raras
ave palavra
criaturas
poesia
é coisa cara
estou
liquidi-ficando com a fome dos desejos
que se foram antes
itinerário
esse poema contém vírus desejos pecados
rasgados com Stella em São Conrado subindo ao Cristo Redentor do morro do
Corcovado a pedra do Arpoador
poesia pecados da carne sem limites
feito lâmina a luz do sol penetra
em minha carne água sol sal céu mar limão alho mel de cana azeite suor pimenta
atum sardinha gema no poema inventa cama em chamas acredite receita
infalível para o sexo dinamites
nesse mar de espuma voa leve
pluma nos teus olhos d´água travesso desde menino pelo destino em ser felino
por travessura e desatino nas entre linhas entre minhas vinhas uvas passas
ao rum línguas de vinho
Po Ema
se penso resisto mesmo tenso insisto
atravesso o tempo como quem partia nesse azul de sal num mar de algaravias como
quem se esquece numa quinta feira grafitando ideias com um giz de cera em
um mar de algas em tua pele pera na corte dos fellinis o mais felino
quebra as regras da estética desde menino zomba da rima rica na poética por
ironia do destino
a solidão berra entre céu e
terra
pala(r)vras de fogo em cartas
incendiárias queimaram horas e dias nem sei mais o que pensam as 7 medusas do
monstro encontradas no manguezal
tupi or not tupi
Itapetininga pedra de sal no mar de
Pirapitanga tem gente que de repente deixou de ser ou já não
era¿ quem disse que amor é santo¿ nem tudo que poderia te dizer
escrevo nem sei mais quem habita as costas do teu litoral e quantas algas
já contei nas asas do temporal imagens em chamas vieram nas entre linhas
rasgando as entre minhas esporas palavras dela
quem disse
que desejo não cabe no poema?
meu objeto do desejo tem nos olhos cor
de algas e algum peixe que se foi sem teatro a alma não
respira perde-se a vida Serafim Ponte Grande ainda me aponta uma ponte algumas
trilhas tenho uma amiga que ainda não sabe quanto é musa - nas Juras Secretas
para ela muito já foi escrito e muito mais
ainda tenho a escrever até rasgar as entranhas nas
armadilhas do ser estou desde dezembro sem poder fazer o que gosto e
isso me deixa em desgosto a vida sem tira-gosto vida de gado:
hoje nem sei se escrevo
poema em linha reta
ou se embarco direto
para ilha curva de Creta
dada ista dada
ista era uma menina que me queria
quântico metafísico se o amor não fosse em carne até mesmo osso com o estigma
da crueldade presente em cada ato quando a pimenta do reino ardesse em vossa
língua ou queimasse à flor da pele o céu da boca e a carne nua e crua exposta
ao sol ao vento fosse apenas um feixe de lenha a ser levado por qualquer
lenhador que ousasse invadir seu mato dentro
ista me queria dentro de um
versículo bíblico mastigando a pedra até o pó a memória é uma língua suja que
lambe a carne das palavras morde com seus dentes até sangrar melado dos
canaviais dessa lavoura arcaica que hoje cultivo em meu quintal tem dias que a
ossatura no corpo não é mais que uma carcaça segurando a capsula da pele aqui
de fora esse corpo que carrega 288 estações primaveras verões outonos invernos
à beira de um abismo sem luz no fim do túnel pra clarear meu
modernismo
nonada
:
o homem com a flor na boca
vida toda linguagem
língua o trem da viagem
pinda o nome
na terceira margem do rio orucun
o mato grosso
me acertava
com algo
que ainda não conhecia
Divanize me alertava
e o coração estremecia
os dias selvagens te ensinam
Aricy de minas
refletia
o amor no cerrado sangrava
como um beijo no asfalto
na boca de quem comia
o barco deslizava nas águas do paraguai
em direção ao futuro que não vinha
atravessou o pantanal
com o seu poema pássaro
ave palavra profana
cabala que voz fazia
moro no teu mato dentro
não gosto de estar por fora
tudo que me pintar eu invento
como beijo no teu corpo agora
de suas janelas ela me olhava
como alguém que ainda não me percebia
o barco seguia seu fluxo
o sangue na veia era o que mais me
ardia
animais aquáticos
os pássaros vez em quando
pousavam em suas janelas
minha língua lendo Ivo
me revelava o tempo e a ostra
campos era uma cidade
noblesse uma livraria
nas veias da mocidade
arte era o que existia
me confessou rasgando um blues
com os gumes da carnavalha
e as lâminas de um canivete
prometeu esquartejar os vermes
na próxima sexta vinte e sete
na noite consagrada ao desfile
toda cidade enfeitada
para um novo ritual
amanheceu a flor do pântano
e era domingo de carnaval
com que batizei o festival
no nine nem
língua toda viagem
linguagem que me convém
em meu estado de surto
Sartre de poesia
mama áfrica
a minha mãe já me dizia
ferramenta de barbeiro é carnavalha
a do poeta deve ser filosofia
cada escola de samba que passava era um grito de nostalgia o pelo na pele arrepiava oswaldívia me visitava e quem disse que me alivia o corpo em transe delira e o povo de lá sucupira entre o pantanal de Corumbá e a fronteira na Bolívia meu corpo todo à deriva no mato grosso do sul no barco só tripulantes com seus turbantes azuis lábios vermelhos das tintas extraídas dos urucuns onde índios mascam contentes as suas folhas de coca e celebram seu presidente
uma linguagem fácil
complexa ou metafórica
no ritmo de uma roda gigante
que a tua língua não controla
empresto minha voz
aos deserdados os desnutridosos que não tem pela manhã café com pão e sobre a
mesa no almoço nem mesa nem carne seca com farinha espinha de peixe na garganta
é o que sobrou pra curuminha
empresto meu corpo
minha voz a esses personagens os que tem sede os que tem fome ou os
que morrem assassinados nos guetos nos campos nas cidades por balas
de fuzil está fudido esse brasil entregue as traças e só me
resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça
cada boca tem sua língua
cada língua tem seu vício
cada vício seu desejo
metáfora de fogo quem sabe
ou flor do desejo quem dera
o desejo da língua é o beijo
vermelha flor de
aquarela
a rosa quem me deu foi ela
no coração absinto o que vejo
e sem nenhum sacrifício
amar de forma indireta
sem pensar fim ou
início
de alguma jura secreta
a seta no arco é a flecha
o alvo da flecha é a seta
a flor na
boca é desejo
o beijo na
flor é a meta
*
grita
muitas vezes
palavras soltas ao vento
invento
*
da cana
o açúcar
o melado
a rapa dura
o chuvisco da gema do ovo
e a minha língua sacana
atenta a tudo que faço
falando a língua do povo
moído como bagaço
*
discípulo de Rimbaud
minha
tv pifou
nem
tenho ido ao cinema
meu
filme está na carne da palavra
esse
poema é trágico
me
lembra infância lá na cacomanga
televisão
nunca tivemos
era
rádio de pilha depois de bateria
meu
pai criava porcos
para
vender na primavera
e
complementar o seu salário
que
nem o mínimo era
carteira
de trabalho nunca teve
como
administrador de uma fazenda
com
produção agropecuária
canavieira
e cerâmica industrial
esse
é um poema em linha reta
nem
sei por quê e para que
me
tornei poeta discípulo de Rimbaud
talvez
só para escrever
que
no Brasil mesmo depois da Abolição
Escravidão
nunca terminou
*
Beatriz – A Morta
Oswald de Andrade Re-Visitado
como pedra me olhas
como fedra te vejo
vestida de carne nua
a língua na maçã navalha
tua alma transparente crua
o olho por detrás da porta
poema com pavio aceso
quando Oswald pariu A Morta
tinha os dentes
nos teus olhos preso
*
a tarde arde como gengibre na carne da boca faz tempo não pedalo pelo litoral com a língua alvoroçada na espuma das marés em guaxindiba sempre encontro motivo para os dentes lábios e dedos carne de caranguejo no meio do beijo tem uma mulher de Itaocara passeando por aqui saudades da minha amiga de Recife e da sua filha em Rio das Ostras onde vaza sob meus pés o poema inacabado agora me vens de Salvador todo desejo toda fúria incontrolável como cavalo selvagem que se desprendeu da cela
Fulinaíma MultiProjetos
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