domingo, 7 de abril de 2024

O Poeta Enquanto Coisa



Fé no EvoéConfissões dionisíacas na poética e política de 

Artur Gomes

 Igor Fagundes *

 Depois das excitadas e excitantes Juras secretas, de 2018, o poeta e artista multimídia Artur Gomes volta a tornar pública sua jura de amor e fidelidade ao arcaico deus Dionísio em O poeta enquanto coisa, de 2020, incorporando as ébrias forças de Baco sob novos goles e ritos, tão poéticos quanto políticos, numa contemporaneidade que avança em lama e vertigem e, assim, exige a potência do mítico da palavra corpórea e originária. 

Comparece ao ethos deste livro a mesma embriaguez fulinaímica de sempre: a que toma, mediante o delírio atento frente aos passos obtusos do ser e estar das gentes, cada palavra como taça, vinho tinto e uma tinta capaz de, em contrapartida, rogar lúcida a passagem dilacerada do humano pelas páginas turvas do mundo. 

Que, em prefácio, ressoe agora-aqui a face mesma de assonâncias de Artur. Que em pré-faces (a da melopeia, a da fanopeia, a da logopeia) o poeta se apresente, por assim dizer, multifacetado, contaminando-nos com os tempos de seu ritmo venéreo. 

Que se capte, enfim, o próprio escape das imagens ímpares e afiadas pelo gume de Gomes, repetindo-se – com outros nomes e aliterações – seus deleitosos jogos de palavras em nossa fome de análise e anúncio: incorporemos, nessa prosa de abertura, a música de seus trocadilhos, a curvatura das paranomásias no retilíneo das linhas do livro: a que verte vulva em verso, Afrodite em afro-ditos de orixás em orgias com Ártemis e Hermes.

      Que o veraz poeta, para aquém do denominado moderno, para além do já clichê pós-moderno, para quem dos rótulos e taxonomias previstas pelas literárias teorias, atravessa o pós-pós de tudo e mesmo o pó da historiografia. Artur Gomes se exibe, ao revés, pré-antigo (tão dentro quanto fora do chronos) na atualidade incorrigível de uma poesia dedicada à Gaia (lê-se na dedicatória: “e a Terra/Mãe/Terra a musa eterna dos meus estados de surtos dos meus estados de sítio dos meus estados de cio”). 

Enquanto bebe, no tempo cronológico (“tempo de bestas”, “na caretice dos bostas”), as lutas e lutos de sua época e século (“esse país que atravesso corpo devassado em grito na cara do silêncio”), inebria-os e subverte-os no tempo imemorial da Terra para fundar o Aion sem fundo do instante-em-transe da experiência artística. Por isso, não basta citar, em cacoete analítico, os tiques nervosos que convêm à crítica (mencionar modernismos influentes, a geração beat, a poesia pop, a tropicália...) para entender sua lírica. Nem seria preciso. Soaria até repetitivo elencar, neste preâmbulo, as personagens caras a Gomes, forjando-o efeito do esbarro nelas todas, do encontro com elas, das tramas e transas com obras e corpos do passado e presente: o poeta já o faz e cumpre a coletânea como a dramaturgia de sua errância pelo imaginário e pelo inconsciente, os quais derramam sobre o copo do real e da consciência alter-egos confessos e inventados – tudo o que for líquido nos vasos sanguíneos do poeta alcooliza o poemário com o híbrido de fogo fátuo e frios fatos.

Artur Gomes – assinatura por vir, heteronímica, heteromórfica – assim apresenta em O poeta enquanto coisa suas juras não mais secretas, mas públicas, ainda púbicas, aos afetos que compõem e decompõem sua literaturavida. Seus versos são rascunhos, rasuras e ranhuras a passar a limpo os nexos e os nervos de sua fatura formal e estilística, deixando sobre a página tanto um rastro de unha quanto o esmalte dos escritos e vozes que em sua alma avultam e nos dedos instauram cutículas. Tais intertextos e intratextos, ou ainda, tais hipertextos insaciáveis se disseminam pela obra na mesma proporção com que se concentram em cada poema, lado a lado ou embaralhados; falseando nos rebentos líricos as certidões de batismo e, em poligamia, proliferando as certidões de casamento com as leituras/releituras de livros, bem como com o folhear de rostos amigos, ou com o riso e risco do desconhecido, não obstante o postergar de comprovantes de residência, de pátrias de origem: cada gesto, um tanto Ulisses, desmente Ítacas, deslinda labirintos (do Minotauro?) ou mesmo fios (de Ariadne?), teatralizando ad infinitum as alteridades que servem como impressão digital provisória e polimórfica para alguma identidade fluida, fragmentada, ao rés da fantasia. Mas nada disso seria possível – nenhuma conversa com livros, nenhum sexo com as líricas de um outro e de uma outra – seria concreto sem a lascívia uma vez mais dionisíaca de um cérebro em gozo sináptico, em psiké-análise, em psiké-catálise, em psiké-catábase: esta que põe no divã do poeta as divas Oxum e Afrodite atravessadas, fosse a sala do analista também um templo pagão ou uma ilha de Lesbos, de modo que Artur construa entre sua cama e seu karma de vate uma Igreja imoral/amoral do Reino de Zeus. E dos muitos Eus que exilam hóstias e comungam com o jamais fixo e intransigente credo.

      Esta, a sacralização do profano e do erótico, ou a profanação do sagrado enquanto humano, do poeta enquanto coisa (“o amor mesmo quando profano / tem muito mais de sagrado”): filho de um deus com uma mortal, Dionísio dança na recorrência da palavra “vinho” no livro, a exemplo dos versos:  aqui / a poesia pulsa / na veia / no vinho”; “por vinho tinto e poesia”; “ela tem sede de vinho / nas madrugadas dos bares”; “o vinho do tempo na boca”; “em nossas bocas tinto – vinho”; “beijo tua boca ainda suja / do vinho que sobrou”; “me consagro teu amante / pelos vinhedos de Baco / no ápice sagrado / da su-real pornofonia”. A embriaguez dos significantes e dos significados é a que tanto forja imagens insólitas (como a de um “céu de estanho” ou como em “ela mastiga meus ponteiros”) quanto a que costura melodias bem trabalhadas entre vogais, consoantes ( “entre paredes pedras facas de dois gumes / nos parreirais depois da lua), ratificando a inteligência verbal (a logopeia) de Artur Gomes dobrada em melopeia (música) e fanopeia (imagética).Visualidade provocada, a saber, não só pelas imagens significadas pelos significantes, mas visualidade ou imagem do próprio significante, o qual, dentro de si, dá à luz significâncias outras (“EuGênio Andrade”, “Afro-dite, “BolivariAndo”, “eletriCidade”), pois Artur Gomes – nesta “pornofonia” – é mestre na criação de neologismos (em tudo se vê uma “carNavalha”).

      Não apenas o corpo do homem, da mulher, se sensualiza e se sexualiza sob a força cósmica de Eros. É o poema mesmo que, em O poeta enquanto coisa, é corpo sensualizado, sexualizado, da mesma maneira que a cidade, o mundo, os tempos e o Tempo são Eros, vez que a palavra é pele e poro (duas palavras aliterantes e frequentes em Artur Gomes). 

Nessa porosidade, o poeta se entende permeável a coisas e pessoas (a pessoas já misturadas às coisas, a pessoas já coisas): “por entre poros entre pelos / minhas unhas tuas costas”. Também por isso, por essa poesia de tamanho contato, fricção, a relação com a língua se confirma erotizada e – vale dizer – tanto a língua física quanto a verbal, o que equivale a dizer que escrita e oralidade se reencontram no poeta: a sofisticação da escritura literária não perde (pelo contrário, potencializa) a dimensão primigênia do poeta como cantor, como ator “na divina língua de Baco”, a qual se exalta mediante a recorrência também da palavra “boca” e da palavra “coxa”: uma é a que beija, lambe, morde e degusta; outra é a beijada, a lambida, a mordida, a degustada. Ambas em rima toante também entoam ritmos e ritos profanos-sagrados:

o poema fala do teu corpo
como se o tocasse 
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca 
como um canto bíblico
com louvor profano 

Nessa performance e performatividade lingual-linguística, todo signo cisma um erotismo entre o significante e o significado, sim, mas também entre página e palco, palco e praça, praça e povo, a babel dos povos e a babel das palavras: daí, tantos trocadilhos (troca-trocas, orgias, surubas...), como o da “flór do lótus” com a “flor do lácio”, o das “coxas” com as “costas”, o do “fauno” com a “flauta”, o da “alvorada” com o “alvoroço”, o da “antítese” com a “Antígona”. Eis a língua física, outrossim, a trocar com a verbal, mas sendo ao mesmo temo pelo verbal trocado, e vice-versa. Eis o poeta trocando com outros poetas ou sendo trocado por poetas outros, vestindo a roupa dos outros e tirando a sua roupa para ser outro: Federico Baudelaire, Gigi Mocidade, Bracutaia Silva, Federika Bezerra, Cristina Bezerra etc. O poeta, analista translógico da psique, troca com sua psicanalista. E o poeta se tenta analista de si mesmo, elevando o caos para a troca de seu nome Artur por timbres e assinaturas novos. Do mesmo modo, o nome dos poetas que existem, os que morreram e ainda não, os vivos hoje e sempre, vai se trocando, em rearranjos da memória (e do recriativo esquecimento). 

Artur Gomes troca poetas em seu corpo e, trocando com eles, entende que todos trocam entre si, a exemplo do diálogo poético de Clarice com Baudelaire. Mais ainda: o corpo do poeta troca com o corpo do poema e, consoante em “Poética”, a metalinguagem elabora um troca-troca de textos sob o mesmo título, pois o poema “Poética” se metamorfoseia em outros poemas: o tema “Poética” permanece, mas se trocando: o mesmo sendo diferente. A palavra “outro(s)” se sugere, enfim, ouro neste livro, e é nessa não indiferença ao outro, que o poético se faz ético e político. E nessa política da e pela diferença, a cidade do corpo se troca e vira o corpo da cidade. Assim, o poeta é – quando e enquanto coisa.

      No meio de tantas referências e reverências, borrões (d)e assinaturas (como as de Mário de Andrade, Drummond, Torquato Neto, Rimbaud, Mallarmé, Tanussi Cardoso, Tchello d’Barros, Jiddu Saldanha, Ronaldo Werneck, Reinaldo Valinho Alvarez, Reinaldo Jardim, deuses e deusas gregas, orixás), o “anjo torto” de Artur Gomes não sopra no livro Manoel de Barros ou James Joyce, escritores também engenhosos e que se vale de muitos ilogismos ou neologismos. Todavia, O poeta enquanto coisa não deixa, na qualidade de título de livro, de repercutir o Retrato do artista quando coisa (de Barros) e o Retrato do artista quando jovem (de Joyce).  Do mesmo modo, não havendo menção (ao menos, explícita e intencional), ao “Teatro Oficina” de José Celso Martinez Corrêa, a dimensão orgiástica da arte e a reunião – não menos sacro-promíscua – de mitos gregos e africanos, a assimilação pela cultura ocidental de outras culturas, aparece em Artur Gomes nesta, quiçá, Poesia Oficina. A relação gozosa e experimental com que a palavra se faz poema e se teatraliza faz de seus livros um grande laboratório da língua, do corpo e da cultura, com repercussões nitidamente políticas.

Se Pantanal é o corpo poético e o poema experimental, de aparente falta de lógica, lembrando o discurso infantil, no Manoel de Barros do Retrato do artista quando coisa, a urbe é o corpo prenhe de sexualidade e sensualidade em Artur Gomes, nos supostos ilogismos do discurso adulto que se vê fragmentado e devorado por Eros e Thanatos, e no qual a relação sujeito-objeto já não dá conta quando o humano se vê coisa (não mais agente ou paciente, voz ativa ou passiva: talvez, as duas ao mesmo tempo). 

Como no Pantanal de Barros, a linguagem de Gomes é lamacenta, cheia de líquidos e delírios: a seiva se expande e se intensifica com (ou se troca por) suor e sêmen. Lama, agora, é a cama: o mangue ou o pantaneiro é a cama de Artur onde dormem, acordam, sonham, gozam e ardem todos os corpos (humanos e não humanos) aqui já citados e dispostos nos lençóis, colchas e fronhas da página.

Por outro lado, temos na trajetória literária de James Joyce, a intertextualidade com Ulisses de Homero. Artur Gomes ouve o canto da sereia em sua cama, livro, divã, e talvez do inconsciente escute a voz de um “artista quando jovem”, vinda de Joyce. Nesta, a personagem protagonista Stephen Dedalus, aquele que será adiante o anti-herói de Ulysses, diz à sua mãe que não poderá seguir a vocação de padre. Ele descobriu uma nova e grandiosa missão em sua vida: a de criar uma nova e poderosa mitologia para o povo irlandês. O romance autobiográfico de Joyce narra a infância de Dedalus (máscara de Joyce), personagem que vai aparecer novamente em Ulysses. A vida do pequeno Dedalus é marcada pela religiosidade da mãe. Ela quer que o filho siga a carreira eclesiástica. Vários padres fazem parte da vida de Dedalus e vão moldando sua consciência. O momento de virada na vida da personagem principal se dá no momento em que ele escuta um horrível sermão feito por um padre sobre o inferno que o deixa muito impressionado. Dedalus passa a viver como um carola seguindo à risca todos os jejuns e mandamentos da igreja católica. Nesse momento, ele até se sente como um futuro padre. Com a sequência do romance, vemos o jovem Dedalus passar de uma fase religiosa para uma de sensualidade. Sente-se cada vez mais obcecado com a ideia da confissão. Ele então confessa a um padre todos os pecados sensuais que pratica. Abandona definitivamente a convocação de ser padre e passa a se interessar por ideias artísticas e estéticas. Dedalus abandona a carreira de padre mas não a fé. Assim, Artur Gomes se obstina pela ideia de confissão, mas de uma confissão dionisíaca. Primeiro, fazendo suas Juras Secretas, suas confidências sensuais, sexuais, eróticas, fulinaímicas. Em suma, suas sagaranagens (há algo de Joyce em Guimarães Rosa, ou vice-versa; no Rosa que há em Artur Gomes, no sagarana dos três). Agora, em O poeta enquanto coisa, arriscando-se a abandonar todo credo político-religioso paralisante, move-se – avesso ao dogmático – no sentido de dançar o mitopoético, o dionisíaco. Daí, uma Igreja Universal do Reino Zeus faça todo sentido na cosmogonia e teogonia de Artur Gomes. Em primeiro lugar, como deboche diante de quaisquer fundamentalismos. Em segundo lugar, como denúncia do que um Reino de Deus pode roubar do político o vigor do poético, preferindo um louvor a Dionísio a um Deus que não sabe dançar, que não sabe gozar, na liturgia de uma poesia que roga

 

por um poema 
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus 
da tua boca

arranhe os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor

assumo o risco
não sou demo
nem corisco 
eu sou cantor


Iansã é quem me lava
Oxossi é quem me leva
Ogum é quem me manda
Oxum é quem me guarda


eu sou o que invoca 
o que provoca 
e incorpora 
desconcentra 
desconforta 
desconstrói 
e desconcerta

 

eu sou o que interpreta representa 
o que inventa 
e desafora

 

o Anjo Torto 
graças a Zeus 
a pedra e ao Machado de Xangô

 

a Capitã do Mato Caipora 
me xinga de poeta enganador 
mal sabe ela 
que eu sou da reza 
que o homem que se preza

nunca se escraviza 
com chicote de feitor

 

 

*Igor Fagundes é poeta, ensaísta, doutor em Poética e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor, dentre outros, de pensamento dança (2018) e Poética na incorporação (2016).


 

Afrodite

 

para a  nova Pimenta do Reino

eu falo eu fauno eu fumo
na espuma dos mares
de Zeus ou Vulcano

nos cornos do americano
na pele clara da gema
nas brumas de Ipanema

ou nas Dunas do Barato

na era Atenas me disse
pra Hera nunca dissemos
em grego a deusa do amor
em romano  mamilo de Vênus
também a irmã de Helena
que a um outro rei Prometeu
provocando a ira em Menelau
quando soube que Páris sou Eu

Dioniso das festas de Baco
do vinho dos ritos das juras
Afrodite em mim criatura
Bacante que o cosmo me deu

a puta  da ilha de Creta
mulher quando o vinho é na cama
a que sabe beber do que ama
sem pensar no que  Cronos secreta


Lira Itabirana

 

I

O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.

 

II

Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!

 

III

A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.

 

IV

Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

 

                                Carlos Dummond de Andrade 



faces

 

mundo  vasto  vão

rima e Raimundo

ainda sem solução

 

                      Zhô Bertholini

 

                       Dia D – DIA DRUMMOND 31 out. 2017


 

LUTO
quando a luta com palavras
é inglória  onde justiça não existe
num país  entregue 
          aos promotores da barbárie


as vezes me pergunto

as vezes me esclareço

a vida só tem fim

                  se tem começo


as vezes me confundo

as vezes me aborreço

no paralelepípedo

                        me tropeço

por não ter outro endereço


Para Isadora Chiminazzo Predebon,  parceira nas minhas investigações sobre psicologia para o meu trabalho com Teatro, sem o qual não existiriam esses personagens que povoam o meu imaginário.

 

E a Terra/Mãe/Terra  a musa eterna dos meus estados de surtos dos meus estados de sítio dos meus estados de cio.


A poesia pulsa

para Tanussi Cardoso


 aqui

a poesia pulsa

na veia

no vinho

no peito

no pulso

na pele

nos nervos

nos músculos

nos ossos

posso falar o que sinto

posso sentir o que posso


aqui

a poesia pulsa

nas coisas

nos códigos

nos signos

os significantes

os significados


aqui

a poesia pulsa

na pele da minha blusa

na íris dos olhos da minha musa

 

 toda vez que ela me usa

nas iguarias de Bento

quando trampo mais não troco

quando troco mas não trapo

 

nas pipas

nos vinhedos nos arcos

nas madrugadas dos bares

sampleando o bolero blues

rasgado  num guardanapo

o poema pra Juliana

escrito na cama do quarto

no copo de vinho

na boca de Vênus

na bola da vez da sinuca

sangrada pelo meu taco


aqui

a poesia pulsa

nos cabelos brancos da barba

nas gargalhadas de Bacca

na divina língua de Baco


                 Acho que é tempo ainda

 


quando a vida não for embora
me leva Isadora
pode ser amanhã
ou mesmo agora

depois do almoço um fim da tarde
no por do sol no carrossel

nos  vaga-lume ou quem sabe

um girassol

entre as paredes de pedras

cravadas facas de dois gumes
nos parreirais depois da lua
olhando as águas que descem
cristalinas pelos nos riachos

se o Rio Grande é tão frio
o de Janeiro é muito quente 
Santa Teresa é lá em cima
mas Botafogo é cá embaixo

 

e sabe baby, o que é que eu acho
se tá feio nosso Estado -  baby
essa  vida é muito linda

eu acho que ainda há tempo

eu acho que é tempo ainda

 

              Afiando a CarNAvalha

 

cocada agora
só se for de coco
paçoca de amendoim

cigarro só se for de palha
cacique só se for da mata
linguagem só tupiniquim

bala só se for de prata
água só se aguardente
tônica só se for com gim

estado só se for de surto
eleição só se for sem furto
brilho só no camarim

golaço só se for de letra
Ronaldo só se for Werneck
malandro só se mandarim

política só se for decente
partido só sem presidente
governo eu que mando em mim

batismo só se for de pia
Congresso só de Poesia
Reinaldo pode ser Valinho
ainda melhor se for Jardim

 

Roberta Agora só se for Cainelli

Bruna só se for Polleto

Tecido pode ser a própria pele

Que cobre a nudez do esqueleto


                                                        Alice

para Alice Melo Monteiro Gomes

 

 

A música está no bico dos pássaros

na pétala da lamparina

no caracol dos teus cabelos

no  movimento dos músculos

no m das tuas mãos

 

nada mais sagrado

do que teus olhos acesos

para me iluminar na escuridão

 

Atentado poético

 

a hipocrisia aqui é muita
liberdade muito pouca

com meus dentes língua/navalha
vou rasgar a tua roupa

para esse poema bomba
       explodir na tua boca


EuGênio

 

eu sou menino eu sou menina

e não venham me dizer

que lança perfume é parafina

diversidade de gêneros

podes crer – não me alucina

 

eu nasci da minha mãe

que se chama Severina

lá dos sertões do nordeste

nor/destino nor/destina

como o sal do Maranhão

bumba-meu-boi não desafina

conterrâneo do Torquato

eu nasci  em Teresina


                                         EuGênio Mallarmè 


Beatriz a Faustino

 

pudesse eu divagar pelos teus poros
bosque do teu reino entre teus pelos
mergulhar contigo o mar da fonte
atravessar da carne a pele a ponte
penetrar no orgasmo dos teus selos.

 

pudesse eu cavalgar por tuas crinas
no dorso cavalar onde deflora
deixando assim então de ser menina
e me tornar mulher por toda sina
                   no inferno céu da tua hora

 

                                            Federika Bezerra

 

BolivariAndo

 

neste porto Cavajarro

por onde  o vale Vierro
ela mastiga meus ponteiros
com o seu relógio de zinco
no dela são nove horas
no meu são nove e quarenta cinco

 

não temos horas marcadas
para o encontro do desejo
em nossas vidas – o despejo

em nossos corpos - desalinho

eu tenho fome de beijos
     ela tem sede de vinho


Movimentos

 

das Arcádias trago

os seus da senhor Madona

Adonis dos meus instintos

Medusa Madalena Monalisa

os Mamilos de Vênus

as cochas de Afrodite

Zeus meu pai – Acredite

o desejo da boca é o beijo

em um tempo que não foi

em teu corpo minhas lavras

palavras de alguma ilha

na parábola de nós dois


 

O poema

Para Mário de Andrade

In memória na Paulicea Desvairada

 

“E se a gente se beijasse um vez só”

 no corpo nu o amor é mais profundo

sai da superfície vai pro fundo

o poema vai se despir de tudo

dos compromissos de trabalho

dos temperos da cozinha

muda até seu cheiro quando está no ócio

 

se ouvir Zeca Baleiro

vai ficar logo teu sócio

se sangrar teu cio -  

sexo também é um bom negócio

                                         

                                  Federico Baudelaire 


Dani-se morreale

 

se ela me pisar nos calos
me cumer o fígado
me botar de quatro
assim como cavalo
galopar meus pelos
devorar as vértebras
Dani-se

 

se ela me vier de unhas
me lascar os dentes
até sangrar o sexo
me enfiar a faca
apunhalar meus olhos
perfurar meus dedos
Dani-se

 

se o amor for bruto
até mesmo sádico
neste instante lírico
se comédia ou trágico
quero estar no ato
e Dani-se o fato
deste sangue quente
em tua boca dos infernos
deixa queimar os ossos
e explodir os nossos
poemas físicos pós modernos

 

Dionisíaca

 

hoje é domingo
de Hera me vingo
com minha sarcástica ironia

fisto-me de Dionísio
nessa festa pras Bacantes

me consagro teu amante
pelos vinhedos de Baco 
no ápice sagrado da  su-real pornofonia

 

 Entre os lençóis

 

o outubro 
me deixou no tudo nada 
a luz branca sem sono
em nossos corpos de abandono

ela arquitetava uma nesga
entre as frestas da janela
luz do luar nos olhos dela
girassóis em desmantelos
por entre poros entre pelos
minhas unhas tuas costas 
Amsterdã nos teus cabelos 

o que Van Gog me trazia
era branca noite de outono
que amanheceu sem ver o dia 
nossos corpos estavam tomados
por vinho tinto e poesia

 

Fonética das cores

 

3 dentadas no pão e a faca suja de manteiga entreguei-me ao desejo de olhar o corpo do poema nu ainda virgem deitado sobre a grama no quintal do casario no cafezal rolava um blues vestido de algodão branca flor entre as sílabas tônicas e a fonética das cores entre o vão das coxas brancas de alfazema sopravam ventos de alecrim


poema atávico

 

e se a gente se amasse uma vez só
a tarde ainda arde primavera tanta
nesse outubro quanto
de manhãs tão cinzas

 

nesse momento em Bento Gonçalves
Mauri Menegotto termina
de lapidar mais uma pedra 
tem seus olhos no brilho da escultura

 

confesso tenho andado meio triste
na geografia da distância
esse poema atávico tem a cor da tua pele a carne sob os lençóis onde meus dedos ainda não nasceram

 

Deus anda me pregando peças
num lance de dados mallarmaicos

comovido  ainda te procuro em palavras aramaicas e a pele dos meus olhos

        anda    perdida em teu vestido


Gargaú

 

aqui signos
não casam com significados
cada um segue sua trilha
cada um segue seu atalho

 

eita povo pacato pra caralho
assombro sobe em minha telha
com a língua/navalha carNAvalho

 

Poética

para Rachell Rosa

 

Clarice mora no silêncio
vive em entre/linhas
fala monossílabas
quando toca as entre/minhas

come as Juras Secretas
como fossem chocolates
morde o líquido das delícias 
ao entrar em sintonia
em cada letra que namora

Clarice a mulher que come livros
                      Isadora a que devora

 

Zeus Me Disse

 

o poema fala do teu corpo
como se o tocasse 
o reconhecesse em cada verso
cada
palavra que sai da boca 
como um canto
bíblico
    com  louvor profano 

no poema o corpo não tem panos
que lhe escondam a pele
é um peixe que flutua em águas calmas
um pássaro que atravessa nuvens cinzas
um barco em alto mar de tempestades

 

a mulher do imaginário em fantasia
é o poeta que se transmuta em
poesia


 

 Ind/gesta


uma caneta pelo amor de deus
uma máquina de escrever
uma câmera por favor
quero um computador
nem que seja pós moderno

vamos fazer um filme
vamos criar um filho
deixa eu amar a Lídia
que a mediocridade
desta idade mídia
não coca cola mais

nem aqui nem no inferno  


Inventário

 

come vento menina
come vento
não há mais metafísica no mundo 
do que comer vento

tem de todos os sabores
amargo meio/amargo
chocolate de  café
sabe como é

em meio a tanta crise 

a gente inventa o vento que se quer


                            Tempo Poético

para Isadora Chiminazzo Predebon

 

O tempo

 é o senhor
dos meus ponteiros de músculos
relógio oculto no in/cons/ciente

o tempo
nos olhos daquela viagem
a paisagem 
Caminho de Pedras 
o cenário
Vale dos Vinhedos

o tempo
guardo em segredo
como uma Jura Secreta
na íris dos olhos dela
na face oculta da noite
na retidão clara do dia
como um concha na areia

o tempo

mar de espumas
sargaço algas noturnas 
a carne do corpo também 
o vinho do tempo na boca

e a língua dizendo amém 

     



Todo Dia É Dia D

 

furai
a pele das partículas dos poemas
viemos das gerações neoabstratas
assistindo a belos filmes de Godart
inertes em películas de Truffaut
bebendo apocalipses de Fellini
em tropicâncer genocidas de terror

 

sangrai a tela realista dos cinemas
na pele experimental do caos urbano

tragai
Dali pele entre/ossos
Glauber rugindo enTridentes
na língua do veneno o gozo das serpentes
nos frascos insensíveis de isopor

 

caímos no poder do vil orgânico
entramos no curral dos artefatos
na porta de entrada os artifícios
na jaula sem saída os mesmos pratos


a desconfiguração do corpo

 

os estilhaços do corpo 
estão espalhados
nas cidades

:

pernas aqui

braços ali 
cabeças acolá

na total desconfiguração

:

- cabeça/tronco/membros

 

as cidades estão entupidas
de fragmentos de populações
destroçadas em desespero

 

a crueldade é tanta
que dificilmente em qualquer cidade
se encontra um ser humano por  inteiro


                       língua

 

a minha língua

é safada

nua e crua

não gasta palavra a toa

não canta palavra gasta

nem é fado de Lisboa

 

é

blues rasgado

pedra de toque

samba rock

plug ligado

no navio ou na canoa

bebe do Rio

e de Sampa

nos Demônios da Garoa

 

fio desencapado

tensão eletriCidade

tesão canibalidade

na voracidade da pessoa


lavra da palavra quero

 

re-invento a palavra Cláudia
na lavra que ela mais gosta
pode ser que seja vento
jogo brisa tempestade
dama de espada do fogo

 

re-invento a palavra Lobo
muito mais que liberdade
amor desejo saudade
onde quer que lá esteja
a palavra que deseja
onde eu mais possa criar

 

re-invento a palavra pedra
Xangô Oxum na mesma água
se alimentando das algas
que re-inventamos no mar


mamãe coragem

 

numa canção do Lenine
o peixe está na rede
o mar está com sede
o rio agora chora

 

onde esta cidade pedra
veracidade medra
eu te esfinjo drama

 

onde a ferocidade Fedra
eu te desejo deda
eu te devoro dama

 

pensando a trama Torquato
eu disse mamãe coragem
a vida é Sagaranagem
Fulinaíma é viagem

te levo na minha bagagem
não chora mamãe não chora

 

Met/Áfora 2

 

não me verás lugar algum enquanto os dentes não forem postos e na mesa tenha espaço para todos. esse país que atravesso corpo devassado em grito na cara do silêncio na boca dos escravizados eu que venho das profundezas desse tempo escuro onde as caras soterradas no asfalto onde os homens de verde/oliva despejavam chumbo sobre nossas palavras. não me verás lugar algum o rosto que em mim verás agora é uma máscara que o tempo se encarregou de moldurar

                         sobre o                   pescoço


moinhos de vento

 

por tanto tempo
por tanta escrita
por tanta carta
sem respostas
nossos moinhos de vento
muito além da mesa posta

 

ainda trago em mim
tuas mãos
tuas coxas
tuas costas

 

a tua língua
entre os dentes
em ex-camas que não tivemos
em madrugadas expostas

 

e tua fome era tanta
em tudo o que não fizemos
nesse teu corpo de santa
naquele tempo de bestas
na caretice de bostas


Antropomágica

 

a primeira vez

foi um primeiro beijo então roubado

ali já ficou sacramentado em tropicália

o que iríamos desvendar

por entre cinzas nos currais

nas aldeias, ocas, nas taperas

por quantas Eras iríamos encontrar

 

agora como  pa/lavro outras amoras

plantei tuas sementes

no quintal da estação três cinco três

os frutos colherei junto ao teu nome

da tua carne comerei mais uma vez     


No Coração dos Boatos

para Uilcon Pereira - in memória

 

Biútim  Evaristim Evristoa passava sem querer pelos telhados Assombradados in  BraziLírica com seu minúsculo gravadorzinho de bolso quando percebeu no Jaburu um vozerio estranho como um escárnio ao povo de Bizâncio, o Vampiro das planilhas dialogava azedamente com o bandido das Neves, combinando os pagamentos das operações o-cultas, obras invisíveis lá pelos quebra mares do porto de Santos.

 

Depois de captar todas as falas, vozes, de mais alguns fantasmas presentes no palácio, Biútim entregou seu gravadorzinho aos delegados do presídio de Absinto, e como nunca teve a ilusão que o seu trabalho fosse resultar em  alguma coisa, sua gravação foi arquivada, e o seu gravadorzinho foi queimado pelos Bispos/Pastores/Deputados/Senadores  da Igreja Universal, para constatação da invasão neo-pentecostal pelos telhados BraziLíricos, onde tudo termina na avenida nos enredos

                       su-reais dos     carnavais


Nu – Literalmente - NU

 

afio ainda mais
a palavra/faca
sílaba/estilete
pornofonia/gilete
poema/navalha
tonicidade/canivete

 

tudo arma branca
subversão bandida
malandragem
da mão esquerda e torta
para cortar o mofo que viceja
em cada voragem morta

 

vez em quando
re-Invento sagaranas
fulinaímicas/linguagem
toco fogo na mortalha
sem metáfora ou retreta
dispo as fardas/literagens
         fico Nu ao pé da letra

 

 O fauno e a flauta

para Daniela Pace pela imagem musa

 

o fauno lê Baudelaire
do outro lado da trama
enquanto dorme a donzela
com uma rosa entre as coxas

 

o fauno traça o poema
na geografia do corpo
atravessa o vértice do tempo
com o seu falo em chamas
por não ter nenhum  juízo

 

e com sua flauta ele  toca
pétalas por pétalas
         na porta de entrada
         no portal do paraíso

 

 o lugar da memória 

ou metalírica antropofágica

 

em São Pedro de Alcântara
não foi apenas um nome
entre os casarões coloniais
do século dezenove
que movem o pulso no impulso 

na sala do bistrô 
ela me matou a fome
feijão tropeiro no prato
no prato feijão tropeiro 

a língua no espírito santo

experimenta a pimenta

pimenta do espírito santo

na língua novo tempero

 

mágica metáfora fábula primeira
no pavio da lamparina

faíscas claras na gema
entre os pelos daquela mina
o fogo o meta/poema
vai queimar a carne inteira


O nome da musa

 

no corpo da palavra
teu nome está cravado
nos dentes da memória

na carne grafitei teus dias 
porque  vida é qualquer hora

O poeta Enquanto Coisa

 

por um poema 
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus 
da tua boca

arranhe os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor

assumo o risco
não sou  demo
nem corisco 
eu sou cantor



o poeta enquanto coisa 1

 

bashô 
um Tor Quato aqui
re-encarnou

todoa viagem de volta
transpoema

que o vento não levou 


tua lã fosse meu linho

 

fosse Clarice

uma mulher aos trinta

em tudo que ainda sint(r)a

como um mar pulsando ostras

 

beijaria o sal nas tuas  coxas

entre deuses céus infernos

fosse sagrado – não profano

nossos desejos mais e-ternos


fosse nu – corpo sem panos

como o vento nos vinhedos

em teus cabelos – desalinhos

os teus poros nos  meus dedos

tua lã fosse meu linho

tua língua entre meus dentes

 em nossas bocas tinto – vinho


olho gótico TVendo

 

a cidade se concreta
a cidade se abstrata
o poeta então retrata

 

com um olho em quem te ama
o outro em quem mal trata


Brazílica

para Lília Diniz

 

goi áis cerrado bordado
vestido de coralina
as vezes me deixa encantado
outras vezes me alucina
me transforma em leopardo
nas garras dessa felina

 

piqui fruto do mato
olho de boi visgo de jaca
jaraguá jaquatirica
ceilândia olho de vaca
taguatinga em meu retrato
onça em mim significa

 

sabor de carne mordida
lambida até o caroço
na boca da bia morena
planaltina ou plano piloto 
que mora na carne/poema
das minas do lago norte 

 

na flor medula no osso
sem alarde euforia
alvorada ou alvoroço

 

carioca

 

baby
vamos passear
por São Conrado 
pela orla de Ipanema
olhar os dois irmãos
a gente salta pra fora do poema
dá um beijo na Rocinha
e faz amor no Alemão

 

transa o sol Copacabana

num domingo da semana

depois das Dunas do Barato

ouvindo um disco da Gal

convida Marisa Mym Mesma

para as Pimentas do Reino

no altar do Reino de Zeus

 

depois uma noite na Lapa

como sempre a cara a tapa

até espantar  fariseus

encontrar no Amarelinho

 poetas  veraCidade

que não matam  em nome de Deus


O corpo da palavra corpo

 

o seu corpo/poema
pede-me silêncio
ou algazarra?

 

farra
de bocas pernas coxas
línguas e dedos
nos recantos mais profundos
por onde dorme o teu desejo?

 

carícias delicadas
pela nuca
em torno da orelha
lábios deslizando
ao redor do teu umbigo

 

o que o seu corpo/poema
quer viver comigo?

 

o seu corpo/poema
no deserto das delícias
é escorpião ou percevejo?

 

é calmaria
ou tempestade
no alto mar da liberdade
pede-me noite ou claridade
ou
implora-me desesperadamente
os mais selvagens beijos?

 

 fulinaimânica

 

a parede
é arame farpado
a carne presa
não é cavalo alado
nem asa
de anjo su-realista

 

a casa
sangra e Angra
era mar azul
sob céus de chumbo
mais ou menos 
concretista

 

dobraduras de papel
não são miragens
os dedos ágeis
modelavam sombras

Angra dentro da bomba
na usina nuclear

 

 eu quero mais a carNAvalha

 

me encanta mais teus olhos
que o plano piloto de Brasília
o Palácio do Planalto o Alvorada

me encanta mais

as mãos da namorada
que a Bandeira do Brasil
o céu de anil a Tropicalha

quero muito mais a CarNAvalha
que a palavra açucarada
quero a palavra sal

o suor da carne bruta
a flor de lótus o cio da fruta
mesmo quando for somente espinho

me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos
me encanta mais na lama o lírio
a Flor do Lácio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses Palácios

 

Para Ferreira Gullar

                        in memória

“A Arte Existe Porque A Vida Não Basta”

“A Poesia Quando Chega Não Respeita Nada”

 

poesia minha viagem metafórica

figura de linguagem auto retrato

o fato que ficou na sola do meu sapato

            das estradas do mar da maresia

 

imagem lírica voragem

na calmaria da tarde

Dentro Da Noite Veloz

ou Na Vertigem Do Dia


pedra do sossego

 

gosto desse sossego
mesmo quando é  praia
e o mar se espraia na areia

 

urubus passeiam entre barcos
como fossem pássaros
não apenas aves de rapina

 

gosto desse sossego
nos olhos dessa menina
no branco da íris/retina

que ameniza os desenganos

 

mergulho o céu na  boca do desejo
que se abre feito concha

peixe/espada então serei se ela sereia

 

por entre o vão  do mar das coxas
o marisco esperma/espuma
uma semente então semeia

 

 poema concreto

 

para quem ainda pensa

poema coisa erótica pornográfica

objeto gráfico do desejo

sensual jura secreta

espinha dorsal da estrutura cósmica

costela extraída de Adão

para criação de Eva

ou sopro Divino para transformação

do barro em carne

a metralhadora cospe bala

na cruel realidade

da miséria mais concreta

 

 antes que se assuste

com o mínimo reajuste

nas contas do teu salário

te digo nobre operário

 

3 podres poderes prestam serviços

a banqueiros empresários salafrários

de forma vil cruel - injusta

defendem sempre a própria causa

                     como fosse justa causa

                     como fosse causa justa 


poema/invenção

leia com cuidado e  agite o frasco antes de abrir

 

Fulinaíma

Fulinaimagem

Fulinaimômetro

 

Fulinaímicos

Sagarânicas

Sagarínicos

 

conspiração  Fulinaimânica

para lavrar a Sagarana

em Diadorim Diadorana

n´alguma lavra Isadorânica

 

entre Glauco Matoso e Roberto Piva

nas Fulinaímicas SagaraNAgens

do Couro Cru na Carne Viva


Poética 1

para Carolina Barbato

 

tua voz ecoa

marulha um mar

de um outro cais

e vens em ondas

 solos de cristais

acordando algas

cavalos marinhos

peixes abissais

 

rouca  elétrica

essa garganta lírica

de vocais intensos

quando teu ser eu penso

como  um som atávico

de milhões de Eras

nas línguas  da história

que os meus ouvidos híbridos

ainda ouvem  na memória


                             Poética 2

 

o meu amor é um relâmpago
um coice nas trovoadas
caldeirão de raios elétricos
em noites de Singapura

algumas noites é Ana
nas madrugadas é Vera
na cama somos Bacantes
mil giga bytes um tera 
muito mais que tri amantes 
no plug me acelera

arranca do chão os meus pés
me lança na atmosfera 
ela - a louca de Espanha
Medusa da Inglaterra
meu corpo tua quimera 

enterra suas sete cabeças
enquanto me diz - espera 
me morde me lambe - me lanha
              com suas unhas de Hera


Poética 3

 

fosse Alana 
Clara Clarice Ana 
Angélica Isadora Beatriz 
a voz calada na fala 
em tudo que não me disse
em tudo o que não me quis

 

fossem girassóis nos cabelos
o vinho num tal chafariz 
suor escorrendo em teus pelos
na flor que Van Gog me diz
teus olhos cravados no espelho
o poema que ainda não fiz


Poética 4

 

cavalga cavala

com teu dorso no horizonte

ventania

 

as crinas soltas ao tempo

por onde voas cosmogônica

por onde velas calmaria

pássara de 7 patas

pisa teu corpo no vento

nas metáforas dalquimia

 

Vênus Eros na estrada

a velocidade do fogo

vestida nua in/plumas

felina aranha nas pedras

com suas entranhas de mar

com tuas línguas de raio

por essas tarde desmaio

flor -  em teus cios plantar


Poética 5

 

a
solidão extravasa 
o silêncio 
em altas doses de tensão
quando me calo
ou falo 
entre sílabas
nas entre linhas
do poema 
no teatro
ou no cinema 

palavra/som
palavra/gesto 
e o resto da metáfora
na mínima pausa quando só
me deito em folhas
de papel  para escrever

o que agora  re-invento

e

 assim esc(r)avo
e assim escrevo
com o de dentro
e o de fora

com o de fora

engenho  dentro


Poética 6

 

teus  olhos

velam mistérios

teus olhos

guardam segredos

um mar de verde/amarelo

 

azul de um tempo abstrato

tempo de chumbo tenho medo

branco na íris retina

teu agro negócio asiático

teus olhos

serpentes da china

assassinos daquela menina

com teu veneno enigmático


Poética 7

 

enquanto você pensa intensifico na voragem a vertigem que me dá quando você não diz. o fio esticado entre um espaço e outro do corpo na distância geográfica me faz pensar a estrada que me levará até onde ainda quero estar.

enquanto você pensa deliro. piro. desfaço qualquer sentido de razão que ainda poderia existir em alguma sã consciência. já pensei algumas vezes um projeto de psicanálise popular – um divã em cada esquina – pode me chamar de louco maluco pirado.

Clarice me ensinou a não ter limites de estados, ultrapassar fronteiras da insensatez e deixar a razão para os sensatos


Poética 8

 

o que Isadora me diz

quando musa em meu poema

apenas lê em silêncio, muda

 

ou se transnuda em sua casa

e  devora meus fonemas

 

como um pássaro cria asas

e sobrevoa minha carne

   no  litoral de Ipanema


Poética 9

 

no silêncio do quarto
beijo tua boca ainda suja
do vinho que sobrou
        depois da trama

o relógio na parede marca
          a hora que entramos

na cama do hotel
só cabem nossos corpos
dentro do poema 

Afrodite ainda tonta
sai da  trama e segue pro cinema


Poética 10

 

nem todo segredo é secreto
nem todo segredo é guardado

o corpo mesmo dentro dos panos
no espelho é revelado 

o amor mesmo quando profano
         tem muito mais de sagrado

 

Poética 11

 

quanto mais me fragmento
mais me multiplico
nos múltiplos sentidos 
para alcançar-te pluma plena
no corpo da metáfora
onde meu corpo  é ágora 
Nu  teu colo preso
toda carne queima em brasa
           
nesse poema aceso


Poética 12

 

o poeta enquanto coisa
desliga as luzes do quarto
deita no chão da sala

na fala dos seus guardados

a musa  pelos telhados
voa  em algum balão
como fogos de artifícios
em noites de São João


Poética 13

 

o que tem essa mulher que me delira
o que tem essa mulher que me deleita
o que tem essa mulher que me provoca
o que tem essa mulher que me estreita
o que tem essa mulher que me espreita

               o que tem essa mulher que me transporta
leoa na selva que me caça
ou uma grande mulher quando se toca


Poética 14

 

tua blusa de seda
entre meus dentes
o nó se desfez depois do vinho

sob as folhas dos parreirais
vale - os vinhedos 
quantas vezes Eros
eletrizou os nossos dedos?


 

Poética 15

 

antítese/antígona 
ou seja lá que nome for 
ou o que quer que seja

 

o preto no azul
o azul no preto

hipotenusa no cateto
cateto na hipotenusa

e os dedos da minha musa
sa(n)grado entre  meus dedos


Poética 16

 

Clarice

em tudo que ainda não disse
em tudo o que ainda disser
nas páginas de um livro branco
quando  come um  chocolate

ou livro que ela quiser

 

quem sabe vento de maio

no ímã do para-raio
flores do mal desfolhasse
nas pétalas do bem-me-quer
no carnaval  quarta-feira
Clarice a porta/bandeira
do mestre/sala Federico Baudelaire

 

 Poética 17

 

a chuva ácida desce entre os relâmpagos 
rasteja um verme sobre o chão de fósseis
os faróis do caos me anunciando tempos
onde os templos corroídos se desabam
sob os céus cinzentos barcos movimentos
não encontram cais nesse mar de Eras
para o nunca mais


Poética 18

para Jiddu Saldanha e Tchello d´Barros

 

quanto vale a carne
o verbo

a mais valia

?

extravasa a purpurina

o carnaval a carNAvalha

tudo que apenas valha

o confete
lança perfume serpentina

tudo vale a pena
quando a carne não é pequena


 

Poética 19

 

eu sou a língua da faca
eu sou o gumes da pedra

eu sou o filho da puta

Iansã é quem me lava
Oxossi é quem me leva
Ogum é quem me manda
Oxum é quem me guarda

Iemanjá que me resguarda
Xangô é quem me guia
sou o diabo GiraMundo
        por justiça e poesia


Poética 20

 

sagaranicamente
eu te provoco
toco teu corpo 
com meus dedos 
mordo tua carne
com meus dentes

 

sagarinicamente
com meus olhos de lince 
poeta é o quanto  devoro 
e oro para São Jorge 
em seu cavalo Andaluz 

enquanto na vitrola rola um reggae
e nos lençóis da cama rasgo um blues


Poética 21

 

ela me espora
explora o corpo nu
agora e sempre
lambe a pele das palavras
lavras
do meu ser em pelo

em Arcozelo
vi teu olho azul
de mar
oceano entrando
gasômetro
cais do porto
no meu corpo dentro
todo barco em movimento


 

o fato
que descortina
a sina
de amar-te em parte
pela arte
de saber-te musa
que me usa
em febre
pele músculos pela noite
nossa

 

o que quer que eu possa
quando o corpo clama
toda água ou sangue

pelo sal do mangue
mesmo em santa ceia
quando a carne chama
   tudo está na veia

Poética 22

 

não que eu não queira o que pensa
do que  falo - no tempo da memória
agora o que me chegou veio no cosmo
micro processador de vento
                 creio - não invento

 

agora o que me fala no meu diafragma
o magma desse solo tem fermento
não como do engenho da rainha 
nem piso em outro solo nesse chão 
na roda do tempo - cata-vento 
do trigo da farinha ainda é massa pro  meu pão



Poética 23

para Gisele Canela

 

Gisele com seu coelho no colo

escrevi este poema solo

comendo uma tarde de música

meu olho em teus lábios na lírica

a língua no paladar Dédala um

 

bebi dois copos de rum

falamos de deuses e mares

em códigos e signos estrelares

em verdes folhas de Oxossi

entregue-me aos desígnios de Ogum

 

poética 24

para Lucia Muniz de Sousa

 

naquela manhã de sol em Ubatuba
lambi o ácido que caiu depois da chuva

cheirei resíduos da resina  em Caraguá

e a toxina que entranhou naquela uva
caiu da lágrima que bebi do teu olhar


 

Poética 25
para Salgado Maranhão

 

a cor da tua palavra me conforta
porta que se abre pra beleza absoluta
a vida que tivemos na matéria bruta
a sorte de nascer dentro do norte
na   felina selvageria da pantera

 

o sal que temperou as nossas eras

na pele do  tempero ruptura em cada corte

e ao mesmo tempo é voz que predestina
que o  poeta  não vai morrer antes da morte

 

  

Poética 26

 

viajo para muito além do  corpo
onde habito no buraco fundo 
dos sentidos abstratos

no abstrato  um Samurai
onde o concreto nem de longe 
significa o quântico
       onde o amor ainda atrai

Poética 27
para Ronaldo Werneck

 

foto grafias
foto gramas
pomba rio
pomba minas
rio prece
rio drama
minas tomba

esquadro poema pátrio
partido país penetrado
por quem descobriu a pólvora
pavio explodindo em chamas

paiol as colchas das camas

      de um país esfarrapado 



Poética 28

funk dance funk

para Sebasrtião Nunes

 

a noite inteira invento Joplin na fagulha
jorrando Cocker na fornalha
funkrEreção fel fala
Fábio parada de Lucas é logo ali
trilhando os trilhos centrais do braZil.

 

rajadas de sons cortando os ínfimos
poemas sonoros foram feitos para os íntimos
conkretude versus conkrEreção
relâmpagos no coice do coração.

 

quando ela canta Eleonora de Lennon
Lilibay sequestra a banda no castelo de areia
quando ela toca o esqueleto de Lorca
salta do som em movimento enquanto houver
e Federika ensaia o passo que aprendeu com Mallarmè

 

punkrEreção pancada 
onde estão nossos negrumes?
nunkrEreção negróide nada.

 

descubro o irado Tião Nunes
para o banquete desta zorra
e vou buscar em Madureira
a Fina Flor do Pau Pereira.

 

antes que barro vire borra
antes que festa vire forra
antes que marte vire morra
antes que esperma vire porra,

ó baby a vida é gume
ó mather a vida é lume
ó lady a vida é life!


Poética 29

 

aqui  fisiologia não rola

 

nem coca 
nem cola 
nem bala 

nem bola

não vivo de fantasia

o que rola aqui é poesia


Poética 30

 

Irina quem diria
a sua pele.grafia
em minha íris retina
come   algas cristalinas

no brumal da maresia
no mar de Amaralina
em Salvador da Bahia


Poética 31

 

delírio pouco é bobagem
assim como fantasia
 é louca SagaraNAgem

no carnaval da orgia

Dentro da Noite Veloz

ou na Vertigem do Dia 
a luz do sol sobre nós 
ondas marés maresia
o corpo  - a própria linguagem
     no mar da antropofagia


Poética 32

Braília
para Nicholas Behr e Noélia Ribeiro

 

como pode ser assim
tão enquadrada
eixo por eixo
quadra a quadra
com as linhas abstratas
na argamassa do concreto

como pode ser também 
tão feminina
mesmo não sendo mais menina
musa assim por tantos anos
na arquitetura se completa
e continua, nunca finda
no imaginário   do poeta


Poética 33 - En/Cena

Um possível encontro de Clarice Lispector e Federico Baudelaire

 

Federico - come vento menina come vento. não há mais metafísica no mundo do que comer vento

Clarice - prefiro chocolate

Federico - mas isso aí é um livro

Clarice - não faz mal, é como se fosse

Federico - como se fosse é muito vago

Clarice - pode ser vago pra você mas para mim não é

Federico - você é muito estranha

Clarice - estranha por quê?

Federico - parece até que come livros!

Clarice - e o quê você tem com isso? te incomoda?

Federico - calma, não precisar s irritar!

Clarice - mas quem disse que estou irritada?

Federico - do jeito que você fala!

Clarice - e você queria que eu falasse como?

Federico - normal

Clarice - mas eu falo normal como eu falo esse é o meu jeito normal de falar.  Se não está gostando dá licença, e para de fazer perguntas.

Federico - grossa!

Clarice - não gosto de muitas perguntas. sou assim mesmo

Federico - mas não precisa xingar!

Clarice - e quem foi que xingou?

Federico - se não xingou foi quase

Clarice - me deixa em paz. que eu quero terminar de comer meu livro

Federico - é doida, comer seu livro?

Clarice - modo de dizer. já te disse sou assim mesmo

Federico - assim mesmo como?

Clarice - gosto de comer livros, romances, ficção, principalmente  poesia

Federico - quero dizer que ainda arde tua manhã em minha tarde

Clarice - nem vem que não tem

Federico - nem tem o quê?

Clarice - essa cantada barata

Federico - tua noite no meu dia

Clarice - vai insistir?

Federico  - tudo em nós que já foi feito com prazer ainda faria

Clarice - o que nós já fizemos? tá doido?

Federico - quero dizer que ainda é cedo ainda tenho um samba/enredo

Clarice - fique sabendo que prá mim é tarde

Federico - tudo em nós é carnaval é só vestir a fantasia

Clarice - detesto carnaval

Federico - quero ser teu mestre sala e você porta/bandeira. quando chegar a quarta-feira a gente inventa outra folia

Clarice - você quer fazer o favor de me deixar de comer meu livro

Federico - vai me dizer que não gostou?

Clarice - detestei. cantada barata igual a essa eu já ouvi de um monte

Federico - duvido!

Clarice - então fica aí com a sua dúvida por quê quanto a isso eu não tenho nenhuma. e me dá licença que eu vou terminar de comer meu livro

 Federico – come chocolate menina come chocolate não há mais metafísica no mundo do que comer chocolate

Poética 34

 

agora que essa Paulista

dorme em minha cama de ferro

md

ndo meu calcanhar

com suas unhas de concreto


dou um tapa na Angélica

ouço Tom Zé dentro do carro

tiro um sarro na Augusta

 

nesta noite tropicana

em carNAvalha antecipada

para mim o que é que custa

beber da Lira Paulistana

ou devorar  a Paulicea Desvairada?


Poética 35

 

não tenho o que dizer 
de quem não  diz
amor uma palavra gasta 

pra ser feliz

preciso muito pouco

e que assim seja
       uma cerveja

 

re-ler  poeta louco
            já me basta


 

Poética 36

 

naquele mar de música
toda meta física
pela tarde quântica
comunhão e prece
no sentido oculto
dos teus olhos raros

 

onde o poema  tece
em teus seios claros

o amor bem  vindo

à flor da pele lumiar

 

e a correnteza tudo leva

o sal na pele tudo lava

se a carga pesa

o banho descarrega
na gira de Ogum à  Beira-Mar 


Poética 37

 

fosse o amor não apenas

essa faca de dois gumes

carnavalha  vaga-lumes

beijo de uma deusa morta

não poema em linha reta

apontando a linha torta

 

fosse o amor não apenas

esse  poema/punho  ereto

numa estrada semi/morta

não seria eu  poeta louc0

a destilar baba saliva

onde o absinto é  muito pouco

 para a carne crua sempre  viva

que se esconde atrás da porta


 Poética 38

 

enquanto escavo a seiva
entre o vão das suas coxas 
para desfrutar do teu cio
e santificar teu ócio

a selva amazônica perde 
mais 200 mil hectares de mata virgem
para as moto-serras assassinas
desse venal                
agro-negócio


Poética 39

 

a metafísica da metáfora
está entre dois corpos 
que se tocam na distância 

 

e vão ficando

como num encontro corpo a corpo
mesmo num mesmo lugar 
os dois corpos não estando


Poética 40

 

este poema te segue

 te vigia

te espreita

em cada palavra

 cada letra

cada sílaba

o fonema a metáfora

 

percorrem a pele do teu corpo

como fossem minhas mãos

boca dedos língua unhas

 

e te entregas ao poema

em santíssima comunhão

porque  estás  já dentro dele

sem ter  como dizer  não 


Poética 41

 

a menina vestida de outubro

se espantou com a minha idade

os homens velhos da sua cidade

dormem cedo com medo de poesia

 

nunca viram os Girassóis  de Van Gog

nunca ouviram Luís Melodia

nem sabem que Todo Dia É Dia D

                          e Poesia É Todo Dia

  

Poética 42

 

enquanto coloco este poema
em teu e-mail por inteiro
o congresso nacional
arquiteta mais uma conspiração 
               contra o povo brasileiro


Poética 43

 

a percepção acho que é um dom uma descoberta um pássaro que pousa em nossa cabeça e nos atira aos fios elétricos do corpo liberdade vem de dentro do motor dos músculos, os ponteiros que só se movem quando querem o repouso absoluto é uma forma de silêncio não vejo muita graça em ser sozinho  solidão as vezes faz bem, noutras assusta, mas sou tenho um amor que ainda não me diz abertamente do diamante que mora dentro dele mas toco a música dela tem Itália e palavrões as vezes quando me pergunto onde vou nem sempre tem resposta aliás respostas é o que menos tenho encontrado para as 25 mil perguntas paradas no ar o rascunho dos meus primeiros dias ficou esquecido numa tipografia do tempo emoldurado na        tinta que já mudou de cor


Poética 44

 

na pedra do sossego
eu me abstenho

na pedra do sossego
eu me abstrato

na argamassa dos teus olhos
me preservo

 

na pele dos teus dedos

meu barato

nos mamilos dos teus seios
me concreto

no cio do teu corpo
eu me retrato

 

 

Poética 45

 

a tessitura da palavra perda
me provoca sobressalto

atiro a pele para o alto
e salto para o abismo do poema

 

 

 Poética 46

 

o significado do signo

é como um cisne deslizando ao largo

 

e não voou

 

no lago do Ballet

onde a Bailarina flutuou

 

 Poética 47

para Ana Cristina César

                         in memória

 

ela me provoca sobressaltos

com os nervos pulsando

 dentro dela

põe  os  seus sapatos altos

e salta da soleira da janela

 

 

 Poética 48

 

em tudo que Alana não disse
teus lábios molhados
talvez só quisessem
a língua lambendo Clarice
na hora do amor se fizesse

um livro com hora marcada
no instante que ela quiser
na ora H de Clarice
em Ana nascendo a mulher


Poética 49

 

quando escrevo esse   teu nome

na carne do corpo/livro
a alma dança bailarina
leio pele poros pelos

acesos pavios lamparinas 

nos litorais dos espartilhos
pelo mar dos teus mamilos
fosse uma deusa de Vênus
ou apenas Vênus de Milos 

e eu o Zeus entre teus meios

 sensatez não tem sentido

quando o mar beija teus seios
salivo  sal nos teus gemidos


Poética 50

 

sigo a trilha
traço o trilho
a língua tralha
quando um troço 

no tropeço
dá na telha

a saudade  então me trampa

se  ali  então ela me trapa

 

no meio do caminho de Manhuassu

em São Sebastião do Sacramento, 
n´alguma cruz meu juramento
na casinha abandonada
dos alcoólicos anônimos

o amor foi quase um trampo

o amor foi quase um nada

 

não foi pedra de Drummond
mas ficou me perseguindo 

na retina fatigada
a imagem da menina 
com uma câmera fotográfica

na aurora boreal

no furor do amanhecer

quando o sol rasgou  manhã

como uma raio de Yansã

desvirginando um outro ser  

 

 

Poética 51

para Silvia Helena Passarelli

 

a  estrutura do poema

tem o tamanho da tela

no lado esquerdo da parede

da sala do apartamento

 

formando 7 elementos

com palavras movimentos

na porta do elevador

na espessura da tinta

na tessitura da cor

no som que vem da cozinha

e se espalha no corredor

 

a estrutura do poema

está na gravura do livro

que fala em 7 cidades

onde uma é veracidade

seja a cidade onde  fica

seja a cidade Benfica

seja a cidade onde for

 

 

Poética 52

 

tempo de silêncio
tempo bom 
ouve-se o íntimo do som


 

 Poética 53

 

um peixe mergulha
um outro nada

 

como não tenho um outro
nada a te oferecer
te ofereço flor de cactos

flor  delírios

flor de lótus

ou mesmo sexo
sendo flor ou faca fosse

 

os poemas ácidos
em meus nervos óxidos

 

te ofereço tudo
sem nenhum apego
minhas arte/manhas

 

meu desassossego


Poética 54

 

o silêncio é uma arma poderosa 
quando não sabemos se o inimigo
    vai nos atacar com poesia 
    ou se defender com prosa


Poética 55

 

aqui nesse Puerto Viejo

Bolívia  em tudo que vejo

teus olhos me vem como feixes

teus olhos fachos de luz

 

faróis – no desejo concreto

sinais – nesse deserto de gente

secreto em tudo que sinto

sinto muito – e também sente


Poética 56

 

paixão é quando
linguagem de cinema
corta o verso pelo avesso
e a cena segue em outra dimensão

sem seta rumo sem endereço
como se a nova meta
enlouquecesse o coração

sem meio fim ou começo

 

 

 Poética 57

 

sinto tudo de você  - me vem

sinto tudo de você meu bem

sinto tudo de você que nem

meus zóios tristes  no trem

nos trilhos por onde vais

por Pero Vaz e  Caminhas

por um Brasil do nunca mais


Poética 58

 

o poema é um silêncio dentro de um copo vazio de gin um beijo sujo de asfalto bêbado num boteco em Botafogo olhando o Pão de Açúcar como um Cristo Redentor do amor não consumado.

 Stela ainda passeia direto na veia o mar revolto em São Conrado o sangue da curuminha no Hotel Nacional e a vida se esvai na Rocinha nessa cidade partida no olho do Corcovado desfolhando as flores do mal


Poética 59

 

Elis  tem o sal do mar

na língua  - e me lança

ondas num lance de lamber

meu cais  - me atira

sobre as vagas

quando estou em calmas

porque sabes que  me tens

                     nos temporais

 

Poética 60
para Paulo Sabino e Marisa Vieira

 

preciso atravessar
              o impreciso

 

no branco do papel
   quando pressinto

 

a lentidão de alguma lesma
no Absinto
de Mym Mesma

 

                  Federika Lispector


Poética Encarnada

 

o serTão de José Lírio – Lirinha
é a lira do delírio
no sol dos cinco sentidos
no som que vem pros ouvidos
até como está vestido
com tua capa de ímã
com o teu salto de rã

 

e esta loucura santa
confesso ser minha irmã
como um deus e um diabo
num corpo santo encarnado
quase um anjo encapetado
no altar da missa pagã

 

no palco a zoeira é tanta
desse anjo endiabrado 
que o chão pro céu se alevanta
quando o som lhe sai da garganta
e o cordel – é fogo encantado

 

 

 Poética Gaúcha

no Vale dos vinhedos

 

a boca com  gosto de repolho roxo
salada de pimentão vermelho
beterraba - codorna temperada
com os vinhos das outroras
para o churrasco das Colônias
bem na Quinta das Senhoras
com   legumes e frutas do quintal

colhidas pelas Nonas antes do vendaval

 

 as falas sobressaltas falas

vozes escancaradas sobre as mesas

a brasa da pimenta é viva

quase tudo de bom vem das surpresas
o sabor da uva o  agridoce das pitangas
                    no licor curtido das  amoras
como o  fogo dessa flor nativa
 é o  beijo que me deste agora


Poética muito prosa

 

a paisagem atrás da praia é abstrata quase oculta invisível a mulher que escondeu o sol dentro das ondas e recolheu os peixes por entre as coxas  depois de beijar espumas. pela areia passeava as 3 da tarde depois da Oficina Cine Poesia na Pedra do Arpoador.

Federika recolheu as ovas de namorados espalhadas nas encostas agradeceu aos pescadores do Posto 6 mergulhou  as iguarias numa sacola de plástico seguiu para casa feliz pensando o  banquete de omelete para comer     depois da noite nos lençóis


Poética Plural

quem quiser me usar me use
na escrita na gramática no poema
poesia como quem transa no cinema
substantivo para ser usado
com ou sem os seus significados
códigos códices signos não tem dono

quando acordo já perdi o sono
e quem sabe inventar inventa
e aí é gol de placa gol de letra
não tenho treta em serTão lamb(usado)
nem fico triste se aumentar a fama
de começar no papel e terminar na cama


Poética Amar/a/Lírica

 

bebo teus olhos

dentro da noite escura

de onde vens criatura

que me consomes na fala

quando me olhas se cala

no seu profundo pensar

 

mergulho no teu silêncio

pelos mistérios do cio

pelos segredos do ar

o que me trazes do rio

o que me teces no fio

o que me levas para o mar


Profanalha NU Rio

 

a flecha de São Sebastião
como Ogum de pênis/faca
perfura o corpo da Glória
das entranhas ao coração

 

do Catete ao Largo do Machado
onde aqui afora me ardo
como bardo do caos urbano
na velha Aldeia CariOca
sem nenhuma palavra Bíblica
e muito menos Avária

 

orgasmo é falo no centro
lá dentro da Candelária


Repressão

 

dentro do arame farpado

esse poema foi entrado

para nunca mais sair


sabre que sangra

 

não tenho nada contra
muito menos a favor
não sou do tipo isso e aquilo
tenho um kilo de farinha

 dentro da caixa de isopor

 

a latinha sei o quanto custa
e pago o preço
pra beber por onde esteja
vinho conhac cerveja 
no meu bolo de cereja
só não cabe quem não for

 

não sou do tipo 
sangue de porco no chouriço
fulinaimânico mestiço
você sabe o que é isso?

entrar pela porta de serviço

pela pele da minha cor ?

 

você não sabe quanto custa

o preço da minha ira

o custo do meu amor

sou eu quem sabe onde o sabre
sangra sem dó - a minha dor

 

 santíssima trindade

 

brincando de Zeus e Vênus
plantei uma conchinha do mar no teu umbigo
- mora comigo - o amor nunca é de menos
transcende o sol  - e sua luz 
atravessa o litoral da santa cruz

 

Afrodite me atirou na tempestade
quando subi a Pedra do Arpoador
para o salto no abismo
a flor de cactos feriu meus olhos 
ali sangrei – matei a morte 
a santíssima trindade me deu o norte
para ressuscitar de novo aqui.


sarcasmo

 

o olho clínico não responde 
fechou o livro na vigésima
sétima página

eu fico sem saber o que pensa
da minha crença no naturalismo
das coisas que ainda não tem nome 

se a fome é meta física
ou a meta é sobrenatural

se tesão é força quântica

reação química ou apenas
a parte mais intensa
de uma transa casual



subVersão poÉtica

 

 

duvido do poeta
que nunca arrombou porta
nem assaltou janela
quem não entortou a linha reta

não sabe quando Beta é Alpha
não sabe quando Alpha é Beta

poeta que é poeta
não descreve situações
corta a verborragia dos versinhos
e só escreve subVersões


 duvido do poeta

que nunca arrombou porta
nem assaltou janela
quem não entortou a linha reta

não sabe quando Beta é Alpha
não sabe quando Alpha é Beta

poeta que é poeta
não descreve situações
corta a verborragia dos versinhos
            e só escreve subVersões



terra/mãe

 

agora que pairas sobre o tempo
quando o tempo ainda é tempo
ou quando invento no meu corpo
este teu tempo de existir
e re-invento o que ainda não existe

ou quando o tempo já se foi
sem sequer se existisse
ou se não visses tudo em ti
se já passou

 

agora mãe
é quando terra ainda me lembro
de algum tempo
na ferrugem que ficou
roendo os ossos dos meus dedos
não tenhas medo
de dizer que ainda é cedo
se alguma lágrima
sai do tempo que brotou


teu nome

 

tem uma flor em teu nome
que é mar de pele osso  abissal
tua alma quero conhecer
para teu corpo/livro escrever
em cada página  branca que encontrar

 

água de não beber
pétala de não tocar
entre os mariscos da carne
e os sentidos das conchas
minhas palavras tecidas

em poros de respirar

 

como dois dentes caninos
mordendo o que é feminino
em todo pulsar dos teus meios
tenho uma flor em teus seios
que já me perfuma a pele
de tanto sonhar teu nome
de tanto teu nome sonhar

 

Tempestade/Temporais

 

Eu sou avesso

atravesso a cidade

com o que me interessa

as vezes sou sossego

 outras vezes tenho pressa

 

não procuro o que não quero

me abstenho no que faço

 me abstrato quando posso

 me concreto em cada passo

 

o compasso é argamassa

 o absinto quando traço

uma linha nunca reta

 da palavra em descompasso

 

se sou torto não importa

em cada porta risco um ponto

pra revelar os meus destroços

no alfabeto do desterro

a carnadura dos meus ossos

 

ma cum ba

 

abará ebó ubu  axé babá

na carnavalha dos tambores

o corpo incorpora o tempo/dança

a língua de Exu

lambe as coxas de Yansã/menina

os pelos/púbis Ossanha

embaixo dos tecidos

palavra líquida lavra pelas pernas

Eros eletrizando peles bocas pelos

gritos enquanto  o rito segue

seus ancestrais preceitos

ma cum ba no meu peito

Xangô meu feiticeiro

Oxum encanto  tantas  línguas

cantam  pra tirar quebrando

de algum corpo/santo

quando Ogum vem pro terreiro


Anjo Torto

 

eu sou o que invoca 
o que provoca 
e incorpora 
desconcentra 
desconforta 
desconstrói 
e desconcerta

 

eu sou o que interpreta representa 
o que inventa 
e desafora

 

o Anjo Torto 
graças a Zeus 
a pedra e ao Machado de Xangô

 

a Capitã do Mato Caipora 
me xinga de poeta enganador 
mal sabe ela 
que eu sou da reza 
que o homem que se preza

nunca se escraviza 
com chicote de feitor


Metáfora

 

meta dentro
meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
na carne seca do futuro 
meta dentro dessa meta
a chama da lamparina 
com facho de fogo na retina 
pra clarear o fosso escuro


A barra

em 1972
nas dunas do barato
em Ipanema
escrevi este poema
ouvindo Gal a todo Vapor

o amor sobreviveu
debaixo da porrada
a barra era pesada
nuvens eram chumbo
bala na cara 
de quem afrontasse o milico
patas de cavalos na carne
de quem ousasse dar o grito

sobrevivi em couro cru & carne viva
e minha voz índia nativa
é muito pouca para cantar
                   o que restou

 

 

  BraZilianas 2019

 

não sei se piso terra firme
ou me afogo em pantanais
nem sei se lanço meu barco na tormenta
ou se me atiro contra o cais

 

no Mar de Lama inverteu-se a hierarquia
trepar na goiabeira é muito pouco
culpa do tao do Satanás
e no brasil jesus cristo é muito louco
e um capitão manda agora em generais


Psicótica – 67

 

não frequento academias

físicas – e muito menos literárias

minha palavra avária

está à beira do precipício

nem sei porque não continuei

internado no hospício

onde choques elétricos aconteciam as tantas

no manicômio Henrique Roxo

na cidade de Campos dos Goytacazes

onde a medicina psiquiátrica

era exercida por capatazes de médicos açougueiros

e um Capixaba de nome Vespasiano

não resistiu ao surto

explodiu a cabeça contra a parede

e nenhum jornal da cidade

noticiou o suicídio

que eu trago na lembrança

como  dentes encravados na memória


Pornofônica

 

cristina bezerra

tua flor do lácio

me provoca entranhas

quando pisas o terreiro

da Mocidade Independente

de Padré Olivácio

provoca entre meus dentes

o que  em cantos sobrevivo

na Escola de Samba O-Culta

do Inconsciente Coletivo

 

Meta/fórica

 

ouço a música

nesse disco estrangeiro

e a musa tem o nome: Guanabara

no silêncio ela ri da nossa cara

a flor do mangue agora mora

onde seu leito jorra lama

por sua boca desdentada

peixe podre explode Angra

em meu poema CarNAvalha

naturalismo onde supunha

sal da terra no esgoto

eco sistema não interessa

ao senhor do Mato Grosso

agro-negócio é matadouro

soja pasto para os bois

o simbolismo da escrita é só metáfora

a concretude o modernismo vem depois


Depoimento do autor

 

Em alguns poemas aqui impressos revisito alguns livros anteriores como Suor & Cio 1985, Couro Cru & Carne Viva 1987 e principalmente faço ainda uma revisitação de linguagem em BraziLírica Pereira: A Traição das Metáforas -  (Alpharrabio Edições, 2000)- em  homenagem a minha queridíssima amiga poeta Dalila Teles Veras.

 De 1993 a 1997, o Alpharrabio Livraria e Espaço Cultural foi para  mim uma espécie de laboratório, onde desenvolvi escritas, exposições plásticas sonoras visuais,  Oficinas de Criação e Interpretação de  poéticas, verbais e teatrais


O POETA ENQUANTO COISA: “NO COURO CRU DA CARNE VIVA” – LINGUAGEM CORPO

 

      Ao ler O Poeta Enquanto Coisa, de Artur Gomes, já na apresentação do poeta, 64, suas palavras sugerem que o poeta é sujeito e objeto. Perguntei-me: “Mas como será isso? Sujeito e Objeto?” Sim!

      Só um punho lírico muito forte, porém despojado, - “no couro cru da carne viva”. (64) pode com “esporas” ”sangrar corpos” e “abrir cadafalsos”. Trata-se de uma poemática em que a linguagem é o corpo. A expressão que se depreende é o estrondo acompanhado do gozo, la petite mort.

      Entretanto a Musa eterna dos estados de surtos e de sítio e de cio do sujeito (quem sabe do poeta ele mesmo?) nos diz em alto tom: é a Terra/Mãe/Terra. Por este viés confesso do poeta, entendo que o salto lírico desta poética ou destes versos “de surtos, de sítio e de cio” é, por excelência, telúrico.

 Assim como a vida é telúrica, o amanhã também o é, assim como o são os lugares geográficos presentes em muitos versos e que ilustram a teleologia dos poemas por toda a obra. Explico: há em toda O Poeta enquanto Coisa, obra de fôlego e tanto, uma doutrina arturiana que identifica a presença de uma metalírica em riste, com fins e objetivos metalinguísticos ou ainda criando situações que deslocam a natureza e a humanidade, considerando a finalidade como o princípio explicativo fundamental na organização e nas transformações de todos os seres da realidade, uma espécie de finalismo.

      Estes poemas são inerentes a um possível aristotelismo de hoje e seus desdobramentos, pois se fundamentam na ideia de que tanto os múltiplos seres existentes, quanto o universo como um todo direcionam-se, em última instância, a uma finalidade que, por transcender a realidade material, é inalcançável de maneira plena ou permanente.

      Hegel também tratou disso em seus epígonos, segundo os quais o processo histórico da humanidade assim como o movimento de cada realidade particular, são explicáveis como um trajeto em direção a uma finalidade que, em última instância, tem como objetivo uma realização plena e exequível do espírito humano: em Gomes, inquieto, rebelde, sagaz, verbal, metafórico, carnal, cuja realização dá-se no sobressalto, no grito, na dicção da audácia, tanto na poíesis quanto na techné. Sujeito e Objeto reencontram-se no ritmo da techné: “eu acho que é tempo ainda”. Aí se igualam Sujeito e Objeto.

      Oswald de Andrade experimentou um tanto disso na sua Poesia Pau-Brasil do 1º. Modernismo. Mário de Andrade em Paulicéia Desvairada. Com outro fluxo nos poemas, obviamente. Artur Gomes reverbera alguns momentos do nosso 1º. Modernismo, sem dúvida, trazendo-o ao picadeiro contemporâneo:

 

            Cocada agora

 só se for de coco

paçoca de amendoim

 

cigarro só se for de palha

cacique só se for da mata

linguagem só tupiniquim

 

bala só se for de prata

água só se for aguardente

tônica só se for com gim

 

estado só se for de surto

eleição só se for sem furto

brilho só no camarim   

 

 A existência de uma minemósine (grego Mνημοσύνη), titânide, filha de Urano e Gaia, deusa que personificava a memória está em

            nas pipas nos arcos

            nas madrugadas dos bares

            descritas num guardanapo

            no copo de vinho

            na boca de Vênus

            na bola da vez da sinuca

            sangrada pelo meu taco

               pois,

            aqui

            a poesia pulsa

nos cabelos brancos da barba

na divina língua de Baco.

 

Reiteram-se, assim, os motivos (leit motiv): em Poética 31, “delírio pouco é bobagem”/ “assim como fantasia”/ “é louca SagaraNAgem”/”no carnaval Real da Orgia””/”Dentro da Noite Veloz”/ “ou na Vertigem do Dia”/ “a luz do sol sobre nós”/”onde marés maresia? O corpo – a própria linguagem”/ no mar da antropofagia”.

O delírio teatral, a física quântica leve, o simulacro pós-moderno, o deboche e a pilhéria percorrem, só para ilustrar a recorrência dos recursos, Poética 33 – Em/Cena   Um possível encontro de Clarice Lispector e Federico Baudelaire. O diálogo com Oswald de Andrade retorna em Poética 34. Carregada de muito humor. Grande arma!

Em Poética 38, encontram-se o erótico e o satírico, grande sacação (Ah, os sátiros!), diga-se de passagem, um encontro inusitado, de verve crítica e geografia erótica, uma sugestão para um Kama Sutra tupiniquim, por que não. Grande momento do livro!

     

        Enquanto escavo a seiva

Entre o vão das suas coxas

      Para desfrutar teu cio

      E santificar teu ócio

 

      A selva amazônica perde

      Mais 200 mil hectares de mata virgem

      Para as moto-serras assassinas

      Desse venal agro-negócio.

Sendo um flâneur do século XXI, Artur Gomes, caminha, antes de tudo, como um detetive, no sentido que lhe deu Walter Benjamin: detecta um fato, poetiza-o e, às vezes, deforma-o. De que forma? Investigando-o, pilhando-o, desmascarando suas circunstâncias. Venalmente.

 

Dr. Deneval Siqueira de Azevedo Filho Teoria e História Literária (Unicamp/Ufes) Letras, Artes e Culturas (Fairfield University, CT, USA)


 

Texto em homenagem ao Poeta Artur Gomes – Na 11ª Mesa-redonda Poesia Visual Contemporânea, no CCJF Cinelândia – Rio de Janeiro

 

por Paulo Sabino

 

Ao fim de Memória de Fogo, peça teatral em temporada neste Centro Cultural até domingo passado, Sady Bianchin, ator, diretor, roteirista e um dos responsáveis pelo texto do espetáculo, depois de fazer vários agradecimentos, fez um que, segundo ele, era o mais importante de ser feito: o agradecimento a plateia. Isso, porque, para Sady Bianchin, à realização de um espetáculo teatral, podem faltar luz, a trilha sonora, o figurino, a maquiagem, o cenário; podem faltar todos esses itens. Porém, duas coisas são imprescindíveis para que a magia do teatro aconteça, para que o espetáculo possa realizar-se o ator e o público. Sem ator e público, a apresentação torna-se inviável. É dessa troca, entre ator e plateia, que uma apresentação teatral torna-se possível.

 Saí da sala, após o espetáculo, com essa sábia perspectiva levantada pelo Sady e, naturalmente, eu transpus,  para a minha vivência com a poesia: eu, Paulo Sabino, que adoro realizar saraus, encontro poéticos, a interação entre poetas e seus leitores, sei o quão importante é, para um poeta com esses mesmos interesses, ter em sua plateia, aqueles que comunguem da sua paixão maior. 

E hoje o Centro Cultural da Justiça Federal, a convite do curador deste evento, o querido Tchello d´Barros, eu tenho o prazer a alegria de prestar essa homenagem a um poeta cujos nome e sobrenome podemos perfeitamente trocar por  “palco”, “ribalta”, “proscênio”, “sarau”, “encontro literário”, oficina de arte cênica”, “festival literário”, porque seus movimentos em prol da poesia está em perfeita sintonia com os espaços onde se dá, onde acontece, a magia da poesia falada: este poeta é o grande e super querido ARTUR GOMES.

 Falar de ARTUR GOMES é falar de um dos maiores responsáveis pela manutenção e preservação de espaços onde desfrutamos da troca que é imprescindível às artes cênicas  troca entre poeta e plateia. Falar de ARTUR GOMES é falar de um dos poetas mais atuantes  na manutenção e preservação de locais onde a poesia falada, a poesia oral, a poesia trocada pelo verbo, é a grande estrela. 

E nesse seu esforço de manutenção e preservação desses espaços, ARTUR GOMES é dos poetas que mais roda o Brasil, participando de inúmeros saraus, festivais, encontros e festas literárias, ao longo de sua extensa carreira artística, mas de 40 anos dedicados à palavra – a grande musa e amante de qualquer poeta.

 Nestes 45 anos de carreira, contabilizados a partir do ano de lançamento do seu primeiro livro de poesia, Um Instante No Meu Cérebro, 1973, ARTUR GOMES, no seu amor pela palavra, e de modo abrangente, no seu amor pelas artes, desenvolveu uma série de outras frentes de trabalho: além de sua atuação como poeta, ARTUR GOMES é um artista multifacetado, um artista antenado a diversas linguagens artísticas, como o teatro, a fotografia, o audiovisual e a performance.

 Para que todos os presentes tenham ciência do que digo, de 1985 a 2002, o poeta dirigiu a “Oficina de Artes Cênicas”, do CEFET-Campos, hoje, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense. De 2011 a 2012, coordenou oficinas de produção audiovisual, na mesma instituição de ensino. Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, que até hoje é realizado pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazes. De 2014 a 2016, esteve à frente das oficinas de teatro no “Sesc Campos”.

 Em 2017 dirigiu o curso de teatro multi-linguagens, no SINASEFE (Sindicato Nacional dos Servidores Federais de Educação Tecnológica), núcleo do Instituto Federal Fluminense. Atualmente, ARTUR GOMES é professor de interpretação, do Curso Livre de Teatro, da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazes, no estado do Rio, e apresenta a performance “Poesia Viva Poesia” que já conta com mais de uma centena de apresentações. 

Mês passado ele participou do 1º Festival de Brasília da Poesia Brasileira, e este mês, hoje, está aqui participando da 11ª Mesa-redonda sobre Poesia Visual Contemporânea.

 E a presença de um poeta multifacetado, como é ARTUR GOMES, nesta noite, não é mera coincidência. Quando pensamos ou falamos em poesia visual, não podemos jamais, desvincular esse tipo poético do nome ARTUR GOMES. Desde o início dos anos 80, ARTUR GOMES é uma voz que dá voz-espaço à poesia visual. 

Em 1983, criou o projeto “Mostra Visual de Poesia Brasileira”, com o objetivo de reunir, num mesmo espaço físico, todas as linguagens poéticas contemporâneas. Em 1993, na sua décima edição, em parceria com o “Grupo Livre Espaço de Poesia”, a MVPB (Mostra Visual de Poesia Brasileira) foi realizada pele rede SESC-SP, em homenagem ao centenário de Mário de Andrade, que  culminou com o prêmio de “Evento do Ano”, concedido pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), ao Grupo Livre Espaço de Poesia.

Por muito, portanto, a homenagem prestada ao poeta precursor da poesia visual é mais do que justa. Encerrando a minha participação saúdo a poética de ARTUR GOMES lendo um poema do livro que o poeta lança neste evento, o Juras Secretas, e autografa assim que eu me calar.


Jura Secreta 89

 

não sou um anjo certo

estou sempre anjo torto

 

mas se fizer de mim

anjo da guarda

 

te guardarei a sete chaves

no armário do meu corpo

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